Abordagem

A base da terapia para cirrose hepática continua sendo o tratamento da doença hepática crônica subjacente, quando possível, e a prevenção de insulto hepático sobreposto, o que pode resultar em insuficiência hepática crônica agudizada (HICA). São essenciais a detecção precoce, o controle e o tratamento das complicações; os pacientes que desenvolvem complicações devem ser encaminhados a uma avaliação para transplante de fígado.

Os pacientes devem ser informados da necessidade da nutrição adequada, exercícios regulares e evitação de hepatotoxinas.[92]

Tratamento da doença hepática crônica subjacente e prevenção de agressão hepática sobreposta

Devido a cirrose ser o estágio terminal patológico de qualquer doença hepática crônica, é essencial tratar a doença causadora subjacente para desacelerar ou impedir a evolução da cirrose. Os antivirais de ação direta orais são considerados um tratamento de primeira linha para a infecção crônica pelo vírus da hepatite C. Uma revisão sistemática e metanálise revelou que o tratamento precoce com antivirais de ação direta reduziu a recorrência do carcinoma hepatocelular, a descompensação hepática e a mortalidade por todas as causas, e preveniu o carcinoma hepatocelular em pacientes com cirrose compensada e sem cirrose, mas não preveniu o transplante de fígado.[93]​ Os esquemas dependem do genótipo e da presença ou ausência de cirrose.[94] Consulte as orientações locais. Consulte Hepatite C.

Os antivirais podem ser indicados para os pacientes com hepatite B crônica.[84][95]​ Consulte Hepatite B.

A lesão hepática sobreposta pode ser prevenida através da evitação do consumo de bebidas alcoólicas e de outros medicamentos hepatotóxicos (por exemplo, anti-inflamatórios não esteroidais [AINEs] e altas doses de paracetamol [>2-3 g/dia]), da imunização contra hepatite A e B para pacientes suscetíveis, manejo dos fatores de risco metabólicos, manutenção de uma nutrição adequada e exercícios regulares.

Monitoramento de complicações

A cirrose está associada a complicações graves, incluindo hipertensão portal causando ascite (adicionalmente complicada por peritonite bacteriana espontânea e hidrotórax hepático), varizes gastroesofágicas e encefalopatia portossistêmica, lesão renal aguda e síndromes hepatopulmonares, hipertensão portopulmonar, HICA e carcinoma hepatocelular.

A detecção imediata e o tratamento dessas complicações são essenciais para minimizar a morbidade e a mortalidade relacionadas. Os exames de imagem incluem:

  • Ultrassonografia abdominal para detecção de ascite e vigilância para carcinoma hepatocelular

  • Endoscopia digestiva alta para a detecção de varizes gastroesofágicas

  • Ultrassonografia abdominal, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância nuclear magnética (RNM) para a detecção de carcinoma hepatocelular.

Outros exames especializados podem ser exigidos, dependendo dos sintomas individuais.

Ascite

A complicação mais comum da cirrose.

Cada paciente com novo episódio de ascite deve ser submetido a paracentese diagnóstica: a celularidade com diferencial, a albumina e a proteína total devem ser medidas no líquido ascítico. O líquido ascítico também deve ser enviado para cultura e citologia.


Demonstração animada de uma paracentese abdominal
Demonstração animada de uma paracentese abdominal

Demonstra como realizar uma paracentese abdominal diagnóstica e terapêutica.


O gradiente de albumina soro-ascite (GASA) deve ser calculado: um GASA ≥11 g/L com proteína total baixa no líquido ascítico é consistente com hipertensão portal secundária à cirrose.

A ascite se desenvolve em parte devido à ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, resultando na retenção de sódio. As evidências sugerem que a restrição alimentar de sódio grave pode ser mais prejudicial do que benéfica, e muitos médicos aconselham uma dieta sem adição de sal, em vez de uma dieta com pouco sal.[101]​ Isso significa excluir a adição de sal de mesa adicional aos alimentos e evitar alimentos com alto teor de sal, como batatas fritas e algumas refeições processadas. Isso resulta em uma restrição moderada de sódio, com ingestão diária de, no máximo, 5 a 6.5 g.

A escolha de primeira linha do diurético deve ser a espironolactona devido aos seus efeitos na aldosterona e de manutenção do potássio sérico normal.[101]​ A furosemida pode ser adicionada para os pacientes que não responderem. A função renal e os eletrólitos devem ser cuidadosamente monitorados ao se iniciarem diuréticos e após aumentos de doses.

AINEs, IECAs e outras nefrotoxinas devem ser evitados em pacientes com ascite.[90]

Ascite refratária de grande volume

Alguns pacientes podem desenvolver ascite de grande volume refratária ao tratamento clínico devido à falta de eficácia, ou efeitos adversos ou complicações inaceitáveis. Esses pacientes podem necessitar de paracentese de grande volume (PGV) recorrente com reposição de albumina para controle dos sintomas.[102]

Os pacientes não adequados para transplante de fígado devem ser considerados para colocação de anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular (TIPS).[103] Metanálises indicam que a TIPS é mais efetiva que a paracentese para o controle da ascite refratária, mas está associada a uma maior incidência de encefalopatia hepática.[103][104][105][106][107][108][109]​​ A mortalidade global não parece diferir entre as duas intervenções, mas a TIPS pode oferecer um benefício modesto em relação à sobrevida livre de transplante.[103][104][105][106][107][108][109]​​ A colocação de TIPS pode melhorar o estado nutricional dos pacientes com cirrose, indicado por um aumento no peso livre de ascite, no índice de massa corporal e na massa muscular.[110] Uma metanálise de dados de pacientes individuais revelou que o tratamento com TIPS reduziu o risco global de descompensação adicional e melhorou a sobrevida em comparação com o tratamento padrão.​[111] Uma revisão sistemática Cochrane e uma metanálise em rede relataram que a certeza (qualidade) geral das evidências foi muito baixa, principalmente devido ao alto risco ou risco incerto de viés em ensaios clínicos que avaliaram as intervenções para o tratamento de ascite refratária em pacientes com cirrose.[103] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​ A gravidade da doença no momento da colocação da TIPS é um importante fator preditivo de desfechos.[112]

O prognóstico dos pacientes com ascite refratária é desfavorável. Se a TIPS/transplante não forem opções viáveis, a colocação de dreno de longo prazo para paracentese intermitente de pequeno volume pode ser considerada uma medida paliativa.[113] Ensaios clínicos randomizados e controlados prospectivos são justificados.

O uso de vaptans (antagonistas dos receptores da vasopressina V2) pode ter um leve efeito benéfico na ascite e na hiponatremia, mas eles não reduzem a mortalidade, complicações hepáticas ou insuficiência renal.[114][115]

Varizes gastroesofágicas

As varizes estão presentes em 50% dos pacientes com cirrose. A hemorragia por varizes é uma complicação com risco à vida da cirrose, com uma mortalidade associada de 20% a 6 semanas.[116] Historicamente, sempre foi oferecido aos pacientes com cirrose uma endoscopia digestiva alta para o rastreamento de varizes gastroesofágicas no momento do diagnóstico e a intervalos de 1 a 3 anos a partir de então.[56]No entanto, as recomendações das diretrizes variam em relação aos intervalos de rastreamento.

Os critérios do Baveno VII sugerem que o rastreamento por endoscopia pode ser reservado a um subgrupo de pacientes, com base na medida da rigidez hepática (MRH) e na contagem plaquetária.[54] Em particular, os pacientes com cirrose compensada, que apresentam rigidez hepática <20 kPa (medida por elastografia transitória) e contagem plaquetária >150 × 10⁹ células/L, têm um risco muito baixo de apresentar varizes que requerem tratamento e podem evitar a endoscopia de rastreamento.[54] Na prática, no entanto, muitos centros ainda oferecem endoscopia inicial a todos os pacientes com cirrose hepática.

Em pacientes compensados, sem varizes ou com varizes pequenas na endoscopia de rastreamento, os critérios expandidos do Baveno VI recomendam o rastreamento de varizes gastroesofágicas em intervalos de 1 a 3 anos a partir de então.[87]

As diretrizes de consenso do Baveno VII concluem que os pacientes que evitarem o rastreamento por endoscopia podem ser acompanhados pela repetição precoce da elastografia transitória e da contagem plaquetária. Se a MRH aumentar (≥20 kPa) ou a contagem plaquetária diminuir (≤150 x 10⁹/L), esses pacientes devem ser submetidos a rastreamento por endoscopia.[54]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Varizes esofágicas em paciente com hipertensão portalDo acervo de Douglas G. Adler, MD [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@6f319d44

Profilaxia primária do sangramento

A profilaxia com qualquer betabloqueador não seletivo (propranolol, nadolol ou carvedilol) ou a ligação varicosa endoscópica (EVL), a qual exige várias sessões para obliterar as varizes, deve ser implementada se varizes esofágicas de alto risco estiverem presentes, devido ao aumento do risco de hemorragia por varizes.[57] [ Cochrane Clinical Answers logo ] Varizes de alto risco incluem varizes com sinais vermelhos, varizes médias ou grandes, independentemente da classificação de Child-Pugh, ou varizes pequenas em pacientes com classificação de Child-Pugh C.[88]

Betabloqueadores não seletivos

As vantagens dos betabloqueadores não seletivos incluem o baixo custo e a facilidade de administração. Quando o paciente recebe um betabloqueador não seletivo, não há necessidade de se repetir a endoscopia digestiva alta (EDA), e os pacientes que apresentam resposta hemodinâmica a betabloqueadores não seletivos têm menor incidência de descompensação e morte. As desvantagens são: aproximadamente 15% dos pacientes podem ter contraindicações absolutas ou relativas à terapia, e outros 15% requerem redução da dose ou descontinuação em decorrência de efeitos adversos comuns (por exemplo, fadiga, fraqueza e dispneia) que remitem após a descontinuação, mas isso pode desestimular os pacientes e seus médicos a usarem esses medicamentos.

O monitoramento da resposta hemodinâmica ao se tratar um paciente com betabloqueadores está associado a menor risco de hemorragia por varizes, mas são necessários ensaios clínicos randomizados e controlados de grandes coortes para confirmar esses achados.[117] Há um debate contínuo sobre a segurança dos betabloqueadores não seletivos em pacientes com cirrose e ascite refratária. Os critérios expandidos de Baveno VI propuseram que, em pacientes com ascite refratária e (i) pressão arterial sistólica <90 mmHg ou (ii) creatinina sérica >133 micromoles/L (>1.5 mg/dL) ou (iii) hiponatremia <130 milimoles/L, o betabloqueador deve ter sua dosagem reduzida ou até mesmo ser temporariamente descontinuado.[87] No entanto, há evidências que sugerem que o risco de danos pode não ser significativo.[118][119][120][121]

Ligação varicosa endoscópica (EVL)

A EVL é uma terapia local que envolve a colocação de faixas elásticas ao redor das varizes esofágicas até que sejam obliteradas. A EVL pode teoricamente ser realizada na mesma sessão da endoscopia de rastreamento, com quase nenhuma contraindicação. As desvantagens da EVL incluem os riscos associados com a sedação, além do risco de causar disfagia, ulceração esofágica, estenose e sangramento. Os efeitos adversos associados à EVL podem ser graves, com relatos de mortes resultantes de úlceras hemorrágicas induzidas pela EVL. A EVL não é capaz de prevenir complicações além da hemorragia varicosa. Endoscopias de vigilância são necessárias após a erradicação das varizes, pelo menos anualmente, para detectar a recorrência das varizes.[122]​ Child-Pugh classe C, ascite ou baixo índice de protrombina são indicadores de alto risco de sangramento precoce após uma EVL.[123]

A escolha sobre o uso de betabloqueadores não seletivos ou EVL deve se basear nos recursos e na experiência locais, na preferência e características do paciente, nas contraindicações e nos eventos adversos.[87] Uma metanálise que incluiu 1023 pacientes comparou a EVL profilática com betabloqueadores e constatou que não houve diferença entre os tratamentos em relação a hemorragia gastrointestinal, mortalidade por todas as causas ou mortalidade relacionada a hemorragia. Embora tenha havido uma redução na hemorragia por varizes com a EVL, em comparação com os betabloqueadores (risco relativo [RR] de 0.72, IC de 95%: 0.4 a 0.96), a hemorragia por varizes não foi significativamente diferente entre os dois grupos quando apenas os ensaios clínicos de alta qualidade foram considerados (RR de 0.84, IC de 95%: 0.60 a 1.17).[124] Fatores subjetivos influenciam na escolha do médico ao selecionar betabloqueadores não seletivos versus a EVL, conforme mostrado em um estudo baseado em entrevistas, no qual os gastroenterologistas que passaram pelo menos metade da sua carreira realizando endoscopias tinham maior probabilidade de escolher a EVL, enquanto os médicos com prática menos baseada em procedimentos tinham maior probabilidade de escolher os betabloqueadores não seletivos.[125]

Anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular (TIPS)

A TIPS pode ser usada como uma opção de tratamento secundário para varizes esofágicas na cirrose, mas não é recomendada para a profilaxia primária de hemorragia varicosa.[2][126]​​​ Evidências obtidas de ensaios clínicos sobre a terapia profilática com derivação cirúrgica mostram uma taxa consideravelmente maior de encefalopatia e uma tendência a maior mortalidade nos pacientes randomizados para a cirurgia de derivação.[127][128]

Devido a evidências de certeza muito baixa, não é possível chegar a conclusões sobre os benefícios e riscos da anastomose portossistêmica, em comparação com intervenções endoscópicas, para os indivíduos com cirrose e sangramento portal hipertensivo (ou seja profilaxia secundária). [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Varizes gástricas

Varizes gástricas estão presentes em cerca de 20% dos pacientes com cirrose e podem se apresentar como varizes gástricas isoladas ou como varizes gastroesofágicas.[129] Nestas últimas, as varizes esofágicas se estendem abaixo da cárdia, na curvatura menor do estômago (varizes gastroesofágicas de tipo 1 [VGE 1]) ou no fundo (varizes gastroesofágicas de tipo 2 [VGE 2]).[129] Elas têm fisiologia e características clínicas diferentes, em comparação com as varizes esofágicas. As varizes gástricas sangram com menos frequência, mas de maneira mais significativa que as varizes esofágicas. O sangramento está menos diretamente relacionado com o grau de hipertensão portal e mais relacionado com o tamanho da variz e a tensão na parede.[129] Há pouca literatura sobre o tratamento das varizes gástricas, em comparação com as varizes esofágicas. Assim, a maioria das recomendações se baseia na opinião de especialistas.[129] Atualmente, sugerem-se os betabloqueadores não seletivos para a prevenção primária da hemorragia por varizes de VGE 1 ou varizes gástricas isoladas. O tratamento para VGE 1 deve seguir as orientações acima para varizes esofágicas.

Hemorragia por varizes aguda

Um episódio de hemorragia varicosa aguda deve ser manejado como uma emergência médica com suporte do volume intravascular, transfusão de sangue (com o objetivo de manter a hemoglobina em cerca de 70-80 g/L [7-8 g/dL]) e uma combinação de tratamento endoscópico e farmacológico.[130][131]

A terlipressina (um análogo da vasopressina) ou a somatostatina (ou seu análogo octreotida) devem ser iniciados assim que houver suspeita de sangramento por varizes e continuadas por 2-5 dias se ele for confirmado.[132]

A endoscopia digestiva alta deve ser realizada dentro de 24 horas para confirmar o diagnóstico e permitir o tratamento com EVL ou escleroterapia.[133]

A profilaxia com antibióticos em curto prazo (até 7 dias) deve ser instituída em todos os pacientes após uma hemorragia digestiva (independentemente da presença de ascite), pois foi demonstrado que isso diminui a taxa de infecções bacterianas e aumenta a sobrevida.[134] [ Cochrane Clinical Answers logo ] A ceftriaxona é a primeira escolha para os pacientes com cirrose descompensada, aqueles que já recebem profilaxia com uma fluoroquinolona e em cenários hospitalares com alta prevalência de infecções bacterianas resistentes a fluoroquinolonas. As fluoroquinolonas orais devem ser usadas nos demais pacientes.[135][136]

O sangramento com risco à vida pode ser controlado com um tubo de Sengstaken-Blakemore ou um stent Danis até que a hemostasia possa ser alcançada endoscopicamente, ou com TIPS, com ou sem embolização.[137]

Desnutrição e sarcopenia

É recomendável que os pacientes hospitalizados com cirrose recebam avaliação formal de um nutricionista, e devem ser tomadas medidas para minimizar o período de jejum antes dos procedimentos (por exemplo, oferecendo-se um lanche antes de dormir ou um lanche no início da manhã, se o procedimento for realizado no fim da tarde).[138] A suplementação parenteral pode ser necessária para os pacientes que não conseguirem atender suas necessidades de ingestão nutricional por via oral. A ingestão recomendada de proteínas para adultos com cirrose é de 1.2 a 1.5 g/kg (peso corporal ideal) ao dia, e 1.2 a 2 g/kg (peso corporal ideal) ao dia em caso de estado crítico.

Carcinoma hepatocelular

Consulte Carcinoma hepatocelular (Abordagem de tratamento).

Peritonite bacteriana espontânea

Uma contagem absoluta de neutrófilos do líquido peritoneal >250 células/mm³ é o critério aceito para o diagnóstico da peritonite bacteriana espontânea.[88]

O tratamento consiste na administração de antibióticos intravenosos, como a cefotaxima ou uma fluoroquinolona, e solução de albumina intravenosa humana. Foi demonstrado que a albumina reduz a mortalidade em pacientes com cirrose e peritonite bacteriana espontânea.[139][140]

Todos os pacientes que sobreviveram a um episódio de peritonite bacteriana espontânea necessitam de profilaxia secundária vitalícia com antibióticos.

Pacientes com ascite e um nível de proteína total no líquido ascítico de ≤10 g/L apresentam alto risco de desenvolver peritonite bacteriana espontânea e devem ser considerados para profilaxia primária com antibióticos.[88][141][142] Parece haver um aumento do risco de peritonite bacteriana espontânea com o uso de inibidores da bomba de prótons.​[143]​ Não há evidências de alta qualidade para essa intervenção, e são necessários estudos adicionais para estabelecer se a profilaxia com antibióticos é benéfica para os indivíduos com cirrose.[144]

Consulte Peritonite bacteriana espontânea (Abordagem de tratamento).

Hidrotórax hepático

Ocorre em aproximadamente 5% a 10% dos pacientes com cirrose, geralmente nos pacientes com ascite.[145] O hidrotórax hepático pode causar dispneia. O manejo é semelhante ao da ascite. Em alguns pacientes, são necessários cateteres pleurais de demora de longo prazo para o tratamento sintomático.[146][147]​ Os pacientes com hidrotórax hepático devem ser avaliados para transplante de fígado.[148]

Encefalopatia hepática portossistêmica

Aproximadamente 11% dos pacientes com cirrose têm encefalopatia hepática no momento do diagnóstico de cirrose.[149] Cerca de 30% a 40% dos pacientes com cirrose têm um episódio de encefalopatia hepática durante a doença, e existe um risco de 30% a 40% de recorrência no ano seguinte.[150]

A encefalopatia hepática é caracterizada por mudanças na consciência, comportamento e personalidade com desorientação, torpor, esquecimento, confusão, agitação e eventual coma. Fala indistinta, asterixis ("flapping"), aumento do tônus muscular e reflexos plantares extensores podem estar presentes.

Os fatores desencadeantes incluem hemorragia gastrointestinal, constipação, diarreia e vômitos, hipoglicemia e desequilíbrio eletrolítico; medicamentos (diuréticos, sedativos) e procedimentos médicos (paracentese, TIPS); infecção, anemia, hipóxia e hipotensão. As toxinas derivadas do intestino, como amônia e produtos bacterianos que induzem inflamação sistêmica, causam encefalopatia hepática.[3][18]​​​ Parece haver aumento do risco de encefalopatia hepática com o uso dos inibidores da bomba de prótons.[151][152]

O tratamento envolve identificação e correção dos fatores precipitadores reversíveis e lactulose, usada de forma isolada ou em combinação com antibióticos como a rifaximina.[153][154][155][156][157][158]​​​​​ [ Cochrane Clinical Answers logo ] [Evidência B]​​​​​ O manejo da encefalopatia hepática não é afetado pelos níveis de amônia.[3][18]​​​​​​​​​​​​​​​ A restrição alimentar de proteínas não é recomendada.[159]

Consulte Encefalopatia hepática (Abordagem de tratamento).

Síndrome hepatorrenal - lesão renal aguda (SHR-LRA)

Em pacientes com cirrose, as causas da lesão renal aguda podem ser hipovolemia, necrose tubular aguda ou síndrome hepatorrenal com lesão renal aguda ou doença renal aguda. As investigações para determinar a causa incluem história detalhada, exame físico, bioquímica sérica, exame microscópico e análise química da urina, biomarcadores urinários selecionados e ultrassonografia renal.[90]

A SHR-LRA (antes conhecida como síndrome hepatorrenal do tipo 1) pode ser diagnosticada se os pacientes atenderem aos seguintes critérios, conforme definidos pelo International Club of Ascites (ICA):[89]

  • Cirrose com ascite

  • Diagnóstico de LRA, de acordo com os critérios do ICA-AKI (ou seja, aumento da creatinina sérica ≥26.4 micromoles/mL [≥0.3 mg/dL] em 48 horas; ou aumento percentual da creatinina sérica ≥50% em relação à basal, que tenha ocorrido, de maneira comprovada ou presumida, nos 7 dias anteriores); a American Gastroenterological Association (AGA) também inclui uma redução no débito urinário para menos de 0.5 mL/kg/h por >6 horas[90]

  • Ausência de resposta após 2 dias consecutivos de supressão de diurético e expansão do volume plasmático com albumina

  • Ausência de choque

  • Nenhum uso atual ou recente de medicamentos nefrotóxicos (AINEs, aminoglicosídeos ou meio de contraste iodado)

  • Ausência de sinais macroscópicos de lesão renal estrutural. A lesão renal estrutural é indicada por proteinúria (>500 mg/dia), micro-hematúria (>50 eritrócitos por campo de grande aumento) e/ou ultrassonografia renal anormal.

As diretrizes da European Association for the Study of the Liver recomendam o uso de um sistema de estadiamento adaptado para LRA que divide o estágio 1 em estágios 1A e 1B, de acordo com um valor de creatinina sérica de <133 micromoles/L (<1.5 mg/dL) ou ≥133 micromoles/L (≥1.5 mg/dL), respectivamente.[88]

Podem ser tomadas algumas medidas para prevenir o desenvolvimento de LRA-SHR nos pacientes com cirrose, e incluem:[90]

  • Orientar os pacientes para que evitem bebidas alcoólicas

  • Monitorar os níveis de creatinina e eletrólitos séricos ao se administrarem diuréticos, e evitar o excesso de diuréticos

  • Evitar paracenteses de grandes volumes sem reposição de albumina

  • Administrar antibióticos profiláticos quando houver forte suspeita de infecção (as investigações devem incluir a paracentese diagnóstica para avaliar a peritonite bacteriana espontânea)

  • Evitar o uso de betabloqueadores não seletivos e medicamentos nefrotóxicos (por exemplo, IECAs, antagonistas do receptor de angiotensina II e AINEs).

Após o diagnóstico, o tratamento da causa desencadeante deve ser iniciado, e todos os betabloqueadores não seletivos, diuréticos e AINEs devem ser suspensos ou interrompidos. As perdas de líquidos devem ser repostas, e o status hídrico deve ser monitorado.[90]​ Vasoconstritores e albumina são recomendados para todos os pacientes, e devem ser usados de maneira imediata. A terlipressina associada a albumina deve ser considerada como opção terapêutica de primeira linha.[132]​ A noradrenalina pode ser uma alternativa à terlipressina. No entanto, há várias limitações associadas ao seu uso. A midodrina associada a octreotida pode ser uma opção quando a terlipressina ou a noradrenalina não estiverem disponíveis, mas sua eficácia é muito menor que a da terlipressina.[88][160] ​Em um ensaio clínico de fase 3 para confirmar a eficácia e a segurança da terlipressina associada a albumina em adultos com SHR-LRA, a terlipressina foi mais efetiva que o placebo na melhora da função renal, mas foi associada a eventos adversos graves, incluindo insuficiência respiratória e casos de sepse ou choque séptico.​​[161]

Para obter mais informações, consulte Síndrome hepatorrenal (Abordagem de tratamento).

Hiponatremia

Os pacientes com cirrose comumente desenvolvem hiponatremia, principalmente com a progressão da doença hepática. A hiponatremia é geralmente bem tolerada.

O manejo inicial consiste na descontinuação do tratamento com diuréticos uma vez que o sódio sérico estiver <130 mEq/L. A restrição de líquidos é geralmente necessária para níveis de sódio sérico <115-120 mEq/L.

Em pacientes com hiponatremia grave, o tratamento com vaptanos pode aumentar o sódio sérico, porém seu uso não reduz a mortalidade, as complicações hepáticas ou a falência renal.​[88][114]​​​​

Hipercalemia

A hipercalemia é observada com frequência nos pacientes com cirrose (12% a 14% dos pacientes hospitalizados com cirrose).[44] Ela pode indicar prognóstico desfavorável e pode representar um desafio ao tratamento.[44][45] O tratamento padrão com um protocolo insulina-glicose para reduzir o potássio sérico pode ser inefetivo em um cenário de cirrose e, portanto, os tratamentos adjuvantes podem ser preferíveis.[162]

Síndrome hepatopulmonar

Resulta da hipertensão portal e ocorre em pelo menos 5% dos pacientes que aguardam o transplante de fígado.[163] Os sintomas incluem dispneia e platipneia. O diagnóstico inclui o achado de hipoxemia com o gradiente alveolar-arterial elevado, ortodeoxia, e a determinação de dilatação vascular intrapulmonar na ecocardiografia com contraste.

A presença da síndrome hepatopulmonar deve levar à avaliação imediata para transplante de fígado. A afecção geralmente remite após o transplante de fígado.[164]

Hipertensão portopulmonar

Essa complicação é diagnosticada quando achados de hipertensão pulmonar sem explicação estiverem presentes em associação com hipertensão portal. Diferente da síndrome hepatopulmonar, essa afecção pode não se resolver completamente após o transplante de fígado.

Os pacientes com hipertensão pulmonar grave que não melhoram com o uso de vasodilatadores como epoprostenol, bosentana, iloprosta ou sildenafila não são candidatos ao transplante de fígado, em vista do alto risco de morte associado ao procedimento.

Em um ensaio clínico randomizado e controlado, o macitentana, um antagonista dos receptores da endotelina, reduziu significativamente a resistência vascular pulmonar em pacientes com hipertensão portopulmonar em comparação com o placebo.[165]

Insuficiência hepática crônica agudizada

A IHCA é uma forma grave de cirrose agudamente descompensada com insuficiência orgânica e alto risco de mortalidade em curto prazo.[166]​ É uma síndrome heterogênea; os pacientes afetados têm características de insuficiência hepática (coagulopatia, bilirrubina elevada) e também podem apresentar insuficiência orgânica extra-hepática (rim, pulmão, cérebro ou circulação). A IHCA pode ser desencadeada pelo uso de bebidas alcoólicas, hepatite viral, lesão hepática induzida por medicamento, cirurgia, isquemia ou infecção. Ela é uma condição potencialmente reversível que pode ocorrer em pessoas com doença hepática crônica.

O tratamento inclui ressuscitação, tratamento do fator desencadeante, suporte de órgãos com insuficiência e avaliação para tratamento precoce da infecção. Os pacientes devem ser tratados na unidade de terapia intensiva. Alguns pacientes podem se beneficiar do transplante de fígado.[167]

O tratamento de choque na IHCA pode ser desafiador. As diretrizes da Society of Critical Care Medicine recomendam usar albumina como fluidoterapia em vez de outros fluidos, principalmente quando a albumina sérica estiver abaixo de 3 mg/dL.[168] As diretrizes recomendam uma meta de pressão arterial média de 65 mmHg juntamente com o monitoramento hemodinâmico invasivo.​[168][169]​​​ ​Nos pacientes com IHCA e hipotensão, albumina humana ou cristaloides devem ser usados para a fluidoterapia inicial.[166]​​ Se for necessário o uso de vasopressores, a noradrenalina é mais efetiva que a dopamina para reverter a hipotensão. A EASL recomenda não usar dopamina nos pacientes com IHCA.[166]​ A vasopressina em baixas doses pode ser adicionada à noradrenalina nos pacientes com IHCA que continuarem hipotensos apesar da ressuscitação fluídica. A American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD) e a EASL recomendam a noradrenalina como agente de primeira linha e a vasopressina como agente de segunda linha para o tratamento de pacientes com hipotensão.​[166][169]​ O possível benefício de mortalidade com a adição da vasopressina deve ser ponderado em relação ao aumento do risco de isquemia digital. Além de abordar o tratamento do choque, as diretrizes também fornecem recomendações para o manejo das características endócrinas, hematológicas, pulmonares e renais da IHCA no cenário de uma unidade de terapia intensiva.[168][169]

Transplante de fígado

Os pacientes que desenvolvem complicações da cirrose como carcinoma hepatocelular ou sinais de descompensação (ascite, icterícia, hemorragia varicosa, encefalopatia portossistêmica, síndrome hepatorrenal ou hepatopulmonar) devem ser encaminhados imediatamente para avaliação para transplante de fígado. A avaliação para transplante pode ser um processo prolongado e o encaminhamento precoce é preferível. Alguns pacientes com IHCA podem se beneficiar do transplante de fígado.[167]

O transplante de fígado ortotópico continua sendo a única opção de tratamento curativa para pacientes com cirrose descompensada.

Os sistemas de alocação de fígados variam. Nos EUA, a alocação de fígados é baseada no escore Model of End-Stage Liver Disease (MELD), que faz uma estimativa do risco de mortalidade em 3 meses.[68] [ Escore MELDNa (para fins de listagem de transplantes de fígado, não é adequado para pacientes com menos de 12 anos de idade ) (unidades SI) Opens in new window ] ​​ Um benefício do transplante de fígado para a sobrevida é observado quando o escore de MELD é ≥15. Nas crianças com idade <12 anos, é usada uma versão complementar do escore de MELD, chamado escore de Paediatric End-Stage Liver Disease (PELD).[170]

Há, no entanto, uma escassez de doadores de órgãos. Em 2021, 9236 transplantes de fígado foram realizados nos EUA, com a lista de espera atual em 11,185 candidatos.[171] Como resultado, um número significativo de pacientes morre enquanto aguarda por um doador de órgãos.

A presença de sarcopenia ou fragilidade pode afetar os desfechos do transplante de fígado. Em um estudo, descobriu-se que a sarcopenia esteve associada a desfechos adversos após o transplante de fígado em pacientes com cirrose descompensada.[172]​ Uma revisão sistemática de 34 estudos concluiu que os pacientes com fragilidade leve a moderada ou sarcopenia devem ser priorizados para transplante de fígado devido ao aumento da mortalidade na lista de espera mas, se a fragilidade ou sarcopenia for grave, os pacientes podem ser removidos da lista, pois o prognóstico é desfavorável.[173]

Cuidados paliativos

Como a cirrose é uma doença limitante da vida, os cuidados paliativos devem ser oferecidos junto com outras terapias curativas, e podem ser relevantes para os pacientes com cirrose compensada e com cirrose descompensada.[174] A American Gastroenterological Association e a AASLD publicaram diretrizes sobre cuidados paliativos em pacientes com cirrose. Elas promovem o planejamento antecipado dos cuidados, a avaliação e manejo dos sintomas (incluindo dor, dispneia, cãibras musculares, disfunção sexual, insônia, sonolência diurna, fadiga, prurido, ansiedade e depressão), o rastreamento para as necessidades do cuidador e acompanhamento precoce com equipes locais de cuidados paliativos.[174][175] Deve-se dar atenção especial ao manejo da dor crônica no contexto de uma função hepática reduzida e aos novos tratamentos para ascite refratária.[175]

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