Etiologia
Qualquer doença hepática crônica pode causar cirrose. As causas mais comuns de cirrose são doença hepática relacionada ao álcool, doença hepática gordurosa associada a disfunção metabólica (DHGDM) e hepatite viral crônica.[6][14]
Outras causas menos comuns, porém importantes, da cirrose incluem as doenças hepáticas colestáticas, autoimunes e metabólicas.
Quando não é possível determinar a etiologia da cirrose, ela é considerada "criptogênica". O número de casos de cirrose criptogênica está diminuindo significativamente, em parte porque está se tornando mais evidente que muitos casos se referem a DHGDM não diagnosticada.
As várias causas da cirrose são listadas a seguir.
Hepatite viral crônica: hepatite C, hepatite B (com ou sem hepatite D coexistente)
Doença hepática relacionada ao álcool
Distúrbios metabólicos: DHGDM, hemocromatose, doença de Wilson, deficiência de alfa 1-antitripsina, doenças de depósito de glicogênio, abetalipoproteinemia
Doença hepática mediada imunologicamente: colangite biliar primária, colangite esclerosante primária, hepatite autoimune, colangiopatia autoimune, doença relacionada à imunoglobulina G4
Obstrução biliar: obstrução mecânica, atresia de vias biliares, fibrose cística
Obstrução do fluxo venoso hepático: síndrome de Budd-Chiari, síndrome de obstrução sinusoidal, insuficiência cardíaca direita
Medicamentos e toxinas: amiodarona, metotrexato
Derivação digestiva: anastomose do jejuno ao íleo para encurtar o comprimento do trato digestório na obesidade de classe III (índice de massa corporal ≥40 kg/m²), ou para transpor uma área doente ou com bloqueio
Cirrose infantil indiana (intoxicação ambiental por cobre, atualmente rara)
Cirrose criptogênica.
Fisiopatologia
A fibrose hepática foi descrita como uma resposta reversível de cicatrização de feridas a lesões celulares agudas ou crônicas, que reflete um equilíbrio entre o reparo do fígado e a formação de cicatrizes.[15] Ela ocorre na maioria dos pacientes com qualquer tipo de lesão hepática crônica e pode, por fim, evoluir para cirrose com formação de nódulos.
O evento central na fibrose hepática é a ativação de células estreladas hepáticas, que são a principal fonte da matriz extracelular. Isso ocasiona um acúmulo de colágeno dos tipos I e III no parênquima hepático e no espaço de Disse.[3][15][16]
O resultado da deposição de colágeno no espaço de Disse é chamado de "capilarização" dos sinusoides, um processo em que os sinusoides hepáticos perdem sua fenestração característica, alterando assim a troca entre os hepatócitos e o plasma. Com a ativação, a células estreladas hepáticas também se tornam contráteis, o que pode ser um determinante importante do aumento da resistência portal durante a fibrose hepática e a cirrose.[17][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Vista laparoscópica de um fígado cirróticoCortesia de Dr. Eugene Schiff e Dr. Lennox Jeffers; usado com permissão [Citation ends].
Geralmente, o processo é progressivo e perturba o fluxo do sangue através do fígado, causando uma pressão elevada dentro do sistema venoso portal, bem como o desvio do sangue para fora do fígado.
Além das alterações arquitetônicas que causam o componente fixo da hipertensão portal, alterações dinâmicas no tônus vascular resultantes de uma lesão aguda, como infecção, podem influenciar a pressão portal e resultar em descompensação aguda.
Essas alterações causam hipertensão portal, que está por trás do desenvolvimento de ascite e varizes gastroesofágicas, e promovem o desvio do sangue que transporta nutrientes, que deixa de passar pelo fígado, contribuindo para encefalopatia hepática.[15][16]
Um aumento na sinalização vasoconstritora (como a endotelina-1) e uma diminuição na produção dos vasodilatadores (por exemplo, óxido nítrico) podem ser observados nas lesões hepáticas crônicas, levando à restrição do fluxo sanguíneo.[3] A resistência vascular também aumenta pela inflamação causada pelo álcool ou pela esteatose. Além disso, a lesão hepática crônica também pode causar perda de hepatócitos e reduzir a capacidade do fígado de realizar atividades metabólicas, como síntese de proteínas, desintoxicação, armazenamento de nutrientes e depuração da bilirrubina.[3] Os pacientes podem progredir ao longo do tempo de um estado compensado sem manifestações clínicas para um estado descompensado com hemorragia varicosa, ascite ou encefalopatia hepática.[3] A hipertensão portal (gradiente de pressão ≥10 mmHg) pode promover o desenvolvimento de varizes. As toxinas derivadas do intestino, como amônia e produtos bacterianos que induzem inflamação sistêmica, resultam em encefalopatia hepática.[3][18]
A cirrose pode levar a desnutrição e, principalmente, a sarcopenia. Esta causa fragilidade, que cada vez mais é reconhecida como um marcador de prognóstico desfavorável.[19][20] A sarcopenia resulta de anorexia, hipermetabolismo, hiperamonemia, má absorção por deficiência intraluminal de ácido biliar e/ou pancreatite crônica, alteração do metabolismo de macronutrientes e deficiências de micronutrientes.[21] A sarcopenia pode afetar cerca de um terço dos pacientes com cirrose e está associada a um aumento de aproximadamente duas vezes na mortalidade.[22][23] Os fatores de risco para sarcopenia nos pacientes com cirrose incluem idade avançada, sexo masculino, menor índice de massa corporal e presença de doença hepática relacionada ao álcool.[24]
A síntese inadequada devida a insuficiência hepática, associada a um estado catabólico, causa hipoalbuminemia, o que pode agravar as complicações da cirrose hepática, como a ascite.
Uma disfunção do sistema imunológico pode ser observada na cirrose, expondo os pacientes a infecções bacterianas, fúngicas e virais.[25] Esses pacientes são propensos a desenvolver insuficiência de múltiplos órgãos, o que está associado a alta mortalidade.[25] As infecções bacterianas são as mais comuns, sendo a peritonite bacteriana espontânea a infecção bacteriana mais frequentemente encontrada.
A cirrose é um estado patológico dinâmico com potencial de reversibilidade se a lesão hepática em curso for interrompida. Por exemplo, um paciente com cirrose descompensada relacionada ao álcool pode compensar clinicamente com abstinência.[26] Da mesma forma, estudos de biópsia em série mostraram melhora da fibrose hepática após o tratamento da hepatite viral crônica.[27]
Existe provavelmente um ponto após o qual a cirrose hepática é considerada irreversível, e o único tratamento nessa fase é o transplante de fígado. Este pode estar relacionado à deposição de elastina hepática, que é mais resistente à remodelagem.[28]
Classificação
Cirrose compensada
Na cirrose compensada, estão presentes achados bioquímicos, radiológicos ou histológicos condizentes com o processo patológico de cirrose. A função de síntese hepática é preservada, e não há evidências de complicações relacionadas com a hipertensão portal, como ascite, varizes gastroesofágicas e hemorragia por varizes, encefalopatia hepática e/ou icterícia.
Cirrose descompensada
A cirrose é considerada descompensada quando existem evidências de desenvolvimento de complicações da disfunção hepática com redução da função hepática sintética e hipertensão portal, incluindo ascite, hemorragia por varizes, encefalopatia hepática e/ou icterícia. Cirrose descompensada é um termo geral utilizado para um espectro de doenças. Ela geralmente ocorre quando o gradiente de pressão portal é ≥10 mmHg (conhecido como "hipertensão portal clinicamente significativa").[2]
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: IcteríciaCentros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Dr. Thomas F. Sellers/Emory University; usado com permissão [Citation ends].
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