Abordagem

Presença de fatores de risco

Para prevenção e tratamento da doença cardiovascular aterosclerótica (DCV) e da insuficiência cardíaca, os fatores de risco cardiovascular (CV) devem ser avaliados sistematicamente pelo menos anualmente em todas as pessoas com diabetes. Esses fatores de risco incluem a duração do diabetes, obesidade/sobrepeso, hipertensão, dislipidemia, tabagismo, história familiar de doença coronariana prematura, doença renal crônica (DRC) e presença de albuminúria.[2][30]

O sexo feminino e níveis elevados de proteína C-reativa conferem riscos adicionais de DCV.[78][79][82][93]

A calculadora do risco de doença cardiovascular aterosclerótica do American College of Cardiology/American Heart Association deve ser usada para ajudar a avaliar o risco de DCV em geral e o risco do primeiro evento de DCV em 10 anos. AHA/ACC: ASCVD risk calculator Opens in new window ​ Um equivalente europeu, conhecido como SCORE2-Diabetes, é recomendado pela European Society of Cardiology para uso em pessoas com idade entre 40 e 69 anos com diabetes do tipo 2.[7]

Sintomas

Sintomas específicos à DCV devem ser investigados na anamnese.

Doença arterial coronariana (DAC)

  • Desconforto torácico (pode não existir em 20% a 30% dos pacientes com diabetes, geralmente denominado " isquemia silenciosa")[20]

  • Dispneia ao esforço; diaforese; náuseas.

Doença cerebrovascular

  • Dormência; parestesia; cefaleia, hemiparesia; afasia.

Doença arterial periférica (DAP)

  • A maioria dos pacientes com DAP é assintomática. Ocorre claudicação intermitente em apenas 33% a 50% dos pacientes.[140] A claudicação se apresenta como dor, queimação, cãibras, desconforto ou fadiga na nádega, coxa, panturrilha ou tornozelo ao esforço. Os sintomas ocorrem consistentemente durante a caminhada, aumentam com a progressão da intensidade do exercício e são rapidamente aliviados pelo repouso (geralmente em 10 minutos).[29]

  • Dor em repouso na doença grave; geralmente afeta o antepé e piora com a elevação do membro, aliviando com a pendência.[29]

  • Outros sintomas de esforço não relacionados às articulações nos membros inferiores (não típicos de claudicação) ou sintomas de comprometimento da função da marcha: podem incluir desconforto muscular nas pernas associado a caminhada que requer >10 minutos de descanso para remitir, ou fraqueza/dormência/fadiga nas pernas durante a caminhada sem dor.[29]

  • Disfunção erétil.[29]

  • História de ferida no membro inferior que não cicatriza ou que cicatriza lentamente.[29]

Insuficiência cardíaca

  • Dispneia; tosse persistente; edema no tornozelo; fadiga.

Achados físicos

Hipertensão

  • Nos pacientes com diabetes, pressão arterial (PA) ≥130/80 mmHg confirmada usando-se ≥2 medições obtidas em ≥2 ocasiões.[30]

  • Pacientes com DCV diabética também podem ser diagnosticados com hipertensão se a PA ≥180/110 mmHg for registrada em uma única consulta.[30]

Infarto agudo do miocárdio (IAM) ou insuficiência cardíaca congestiva

  • Estertores; hipotensão; edema periférico; taquicardia; B3 em galope; estase jugular.

Acidente vascular cerebral

  • Afasia; perda hemissensitiva; paralisia de nervo craniano; hemiparesia.

DAP

  • Pulsos diminuídos ou ausentes nos membros inferiores (artérias femoral, poplítea, dorsal do pé ou tibial posterior); sopro sobre artéria estenosada (por exemplo, epigástrica, periumbilical, virilha); queda de cabelos; pele lisa e brilhante; úlceras e necrose nos membros inferiores que não cicatrizam; alterações no leito ungueal; atrofia muscular da panturrilha; palidez à elevação/rubor dependente.[29]

Investigações

  • Todos os pacientes devem ter um perfil lipídico basal, e ele deve ser repetido regularmente.[30]

  • Proteína C-reativa não é exame de rotina, mas pode ser útil para estratificação de risco.[82][83][84]

  • A hemoglobina A1c (HbA1c) é usada para monitorar o controle glicêmico.[30]

Suspeita de DAC e/ou de insuficiência cardíaca

Nos indivíduos assintomáticos, o rastreamento de rotina para DAC não é recomendado, pois não melhora os desfechos, desde que os fatores de risco para DCV aterosclerótica sejam tratados.[30] No entanto, a medição do peptídeo natriurético do tipo B (PNB) ou do fragmento N-terminal do peptídeo natriurético do tipo B (NT-proPNB) pelo menos uma vez por ano deve ser considerada para rastrear os adultos assintomáticos com diabetes para insuficiência cardíaca.[30][141] Isso ocorre porque os adultos com diabetes apresentam aumento do risco de desenvolver anormalidades cardíacas estruturais ou funcionais assintomáticas (insuficiência cardíaca estágio B) ou insuficiência cardíaca sintomática (estágio C).[30] Se forem detectados níveis anormais de peptídeos natriuréticos, recomenda-se uma ecocardiografia. A identificação, a estratificação dorisco e o tratamento precoce dos fatores de risco nas pessoas com diabetes e estágios assintomáticos de insuficiência cardíaca reduzem o risco de progressão para insuficiência cardíaca sintomática.[30]

Todos os pacientes com sintomas ou sinais sugestivos de DAC devem fazer um ECG de 12 derivações em repouso. A radiografia torácica não é um exame de rotina, mas pode ser útil para avaliar o tamanho do coração e a congestão pulmonar e avaliar causas alternativas de dispneia. A radiografia torácica tem pouca sensibilidade para fazer um diagnóstico. Por exemplo, 1 em cada 5 indivíduos com insuficiência cardíaca aguda não apresenta sinais de congestão em uma radiografia torácica.[141]

Testes diagnósticos cardíacos devem ser considerados nas pessoas com: 1) sintomas cardíacos típicos ou atípicos; e 2) um ECG em repouso anormal.

  • Ecocardiografia com Doppler transtorácica: a ecocardiografia bidimensional com avaliação por Doppler em repouso é um exame diagnóstico essencial na avaliação de dor torácica ou dispneia, bem como no estabelecimento do diagnóstico inicial e da causa da insuficiência cardíaca clínica.[141] A visualização das funções ventriculares esquerda e direita e das anormalidades regionais da contratilidade da parede permite a avaliação do risco de DAC e pode ajudar a orientar as decisões clínicas. A realização de ecocardiografia à beira do leito é ideal para os pacientes com dor torácica aguda e pode ser realizada com o uso de dispositivos portáteis ou no local de atendimento nas instituições onde tais recursos estiverem disponíveis.[30]

  • Eletrocardiograma de esforço: frequentemente usado como um teste inicial. Pode ser usado com ou sem imagens ecocardiográficas.[30] É adequado para os pacientes que podem se exercitar e que têm um ECG em repouso que permite a interpretação de desvios do segmento ST.[142][143] O eletrocardiograma de esforço limitado por sintomas envolve exercícios graduais até que ocorra fadiga física, dor torácica limitante, isquemia acentuada ou queda na pressão arterial. Os candidatos a um eletrocardiograma de esforço são aqueles: a) sem comorbidade incapacitante (por exemplo, fragilidade, obesidade acentuada [índice de massa corporal >40 kg/m²], DAP, doença pulmonar obstrutiva crônica ou limitações ortopédicas) e capazes de realizar exercícios com segurança; e b) sem anormalidades de ST-T no ECG em repouso (por exemplo, infradesnivelamento do segmento ST >0.5 mm, hipertrofia ventricular esquerda, ritmo estimulado, bloqueio de ramo esquerdo, padrão de Wolff-Parkinson-White ou uso de digoxina).[143] Existe uma escassez de dados sobre o poder preditivo do teste ergométrico nos pacientes com diabetes, mas os dados disponíveis sugerem que achados isquêmicos no eletrocardiograma de esforço sejam preditivos do prognóstico.[144] Em um estudo com 1282 pacientes (15% com diabetes), a sensibilidade (47% versus 52%) e a especificidade (81% versus 80%) para o teste ergométrico foram similares nas pessoas com e sem diabetes.[145]

  • Teste de estresse farmacológico: os pacientes com anormalidades eletrocardiográficas em repouso que impeçam o teste ergométrico ou aqueles incapazes de se exercitar devem ser submetidos a uma ecocardiografia de estresse farmacológico ou imagem nuclear.[30][142][143] O ecocardiograma de estresse pode ser usado para definir a gravidade da isquemia e para fins de estratificação do risco. A imagem nuclear (tomografia por emissão de pósitrons [PET] ou cintilografia de perfusão miocárdica com tomografia computadorizada por emissão de fóton único [SPECT]) permite a detecção de anormalidades da perfusão, a medição da função ventricular esquerda e a detecção de achados de alto risco, como dilatação isquêmica transitória.[143]

  • A ressonância nuclear magnética (RNM) cardíaca ou a RNM cardíaca sob estresse (se disponível) podem ser úteis em pacientes selecionados com diabetes, doença multivascular e disfunção ventricular esquerda grave.[146] Esses testes têm a capacidade de avaliar de maneira acurada as funções ventriculares esquerda e direita global e regional, detectar e localizar isquemias e infartos do miocárdio, e determinar a viabilidade do miocárdio, sem a necessidade de radiação.[143][146] Eles também podem detectar edema do miocárdio e obstrução microvascular, o que pode ajudar a diferenciar o infarto do miocárdio agudo do crônico, bem como de outras causas de dor torácica aguda, incluindo a miocardite.[143]

  • Tomografia computadorizada (TC) para cálcio nas artérias coronárias (CAC): segundo vários estudos, uma pontuação CAC >400, obtida em aparelhos para TC ≥16 cortes, está associado à alta probabilidade de isquemia miocárdica induzível, o que requer a realização de exames adicionais.[147] Em pacientes com probabilidade de DAC <50% pré-exame, uma pontuação CAC de 0 fornece fortes evidências contra a presença de DAC, com alto grau de certeza.[148]

  • Angiografia coronariana por tomografia computadorizada (ACTC): os aparelhos para TC de ≥16 cortes têm sensibilidade de 90% e especificidade de 90% para as estenoses de diâmetro >50%, valor definido como critério mínimo para consideração de revascularização.[148] A ACTC pode ser útil para pacientes com cintilografia de perfusão miocárdica duvidosa; para aqueles com possível DAC no tronco da coronária esquerda ou em três vasos; para pacientes com cardiomiopatia não relacionada à DAC e para pacientes jovens que passam por cirurgia valvar.[148] O rastreamento para DAC obstrutiva assintomática entre pacientes com diabetes do tipo 1 e pacientes com diabetes do tipo 2 usando ACTC não é benéfico.[149]

  • Angiografia coronária invasiva: geralmente reservada para os pacientes com síndrome coronariana aguda, angina frequente, alto risco e/ou alta probabilidade pré-teste de DAC que requer intervenção cirúrgica ou percutânea e/ou achados de alto risco ao teste de esforço.[143]

Suspeita de acidente vascular cerebral

  • TC ou RNM de crânio e ultrassonografia duplex das carótidas na presença de sintomas.

DAP suspeitada

  • As diretrizes conjuntas da American Heart Association e do American College of Cardiology recomendam que todos os pacientes com história ou achados de exame físico sugestivos de DAP tenham o índice tornozelo-braquial (ITB) em repouso medido, com ou sem registros do volume de pulso do tornozelo e/ou das formas de onda por Doppler.[29] O rastreamento com ITB em repouso também é considerado razoável em pacientes com qualquer uma das seguintes características: idade ≥65 anos ou mais; idade entre 50 e 64 anos com fatores de risco para aterosclerose (por exemplo, diabetes, história de tabagismo, dislipidemia, hipertensão), DRC ou história familiar de DAP; idade <50 anos com diabetes e um fator de risco adicional para aterosclerose; pacientes com doença aterosclerótica conhecida em outro leito vascular (por exemplo, estenose de artéria coronária, carótida, subclávia, renal, mesentérica, ou aneurisma da aorta abdominal).​[29] A American Diabetes Association recomenda o rastreamento de DAP com o ITB em pacientes assintomáticos com qualquer uma das seguintes características: idade ≥50 anos; diabetes com duração ≥10 anos; doença microvascular comórbida; evidências clínicas de complicações nos pés; ou qualquer lesão em órgão-alvo causada pelo diabetes.[30]

  • ITB normal - de 1.0 a 1.4. ITB ≤0.9 indica presença de DAP nas pernas. ITB limítrofe - 0.91 a 0.99.[29]

  • O ITB pode não ser preciso nos pacientes com artérias não comprimíveis, como aqueles com diabetes mellitus ou DRC de longa duração, particularmente aqueles em diálise. O diagnóstico de DAP não deve ser descartado com base apenas em um índice tornozelo-braquial normal ou elevado nas pessoas com diabetes ou DRC.[29] Consulte Doença arterial periférica.

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