Abordagem
O tratamento da infecção por sífilis é curativo com antibióticos apropriados. O diagnóstico imediato e a antibioticoterapia é importante por causa da possibilidade de complicação em longo prazo, seja na infecção não tratada ou na infecção prolongada de duração desconhecida. A benzilpenicilina parenteral é o tratamento medicamentoso de primeira linha para o tratamento em todos os estágios, conforme recomendado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).[8] A preparação (ou seja, benzatina, procaína, meio aquoso), a dose e a duração do tratamento são determinadas pelo estágio e pelas manifestações clínicas da doença.[4][8][96][97]
Sem neurossífilis
O tratamento pode seguir os resultados do teste diagnóstico ou pode ser empírico. A terapia empírica pode ser considerada naqueles com suspeita de infecção recente (uma erupção cutânea ou ulceração) antes que os resultados sorológicos estejam disponíveis. Essa abordagem pode ser apropriada se houver dúvida em relação ao retorno do paciente. Os contatos sexuais dos pacientes com sífilis confirmada devem ser submetidos a rastreamento e tratamento presuntivo deve ser oferecido se houver dificuldades para o acompanhamento. Os benefícios da terapia empírica (terapia imediata) e seus riscos (tratamento potencialmente desnecessário) devem ser discutidos com o paciente.
O tratamento de primeira linha da sífilis primária, secundária e latente inicial (sem neurossífilis) é a benzilpenicilina benzatina intramuscular em dose única.[8] Se o paciente for alérgico à penicilina e não for gestante, doxiciclina oral pode ser oferecida como um tratamento de primeira linha. A adesão e a observância do paciente podem influenciar o desfecho do tratamento, se a terapia oral for administrada. Uma dose única de azitromicina é usada em alguns centros, mas no momento não é recomendada pelo CDC dos EUA devido a preocupações relacionadas à resistência a macrolídeos.[98][99][100]
O tratamento da sífilis latente não afeta a transmissão e é destinado a prevenir complicações futuras. O tratamento de primeira linha para sífilis latente e terciária (manifestações psiquiátricas, cardiovasculares, gome sifilítica, neurossífilis tardia) com exame de líquido cefalorraquidiano (LCR) normal é feito com benzilpenicilina benzatina intramuscular (uma vez por semana por 3 semanas). A doxiciclina oral pode ser oferecida como tratamento de primeira linha aos pacientes com alergia à penicilina. Os pacientes que apresentam sífilis terciária devem realizar um exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) antes que o tratamento seja iniciado. Os pacientes com achados anormais no LCR devem ser tratados com um esquema de neurossífilis.[8]
A sífilis (latente) cardiovascular não tratada pode ser assintomática ou provocar aneurisma da aorta (principalmente da aorta torácica), regurgitação aórtica, angina e estenose dos óstios coronários. A antibioticoterapia na sífilis cardiovascular não reverte a doença cardiovascular, a qual pode continuar a evoluir após o tratamento. Isso ocorre porque a patologia subjacente da necrose da média da parede da aorta já terá sido estabelecida. Recomenda-se discutir com um cardiologista.
Neurossífilis
O envolvimento do sistema nervoso central (SNC) pode ocorrer em qualquer estágio da sífilis e pode variar de um acometimento assintomático das meninges até demência e neuropatia sensorial.[20] O tratamento de primeira linha para a neurossífilis consiste em benzilpenicilina aquosa intravenosa. O tratamento de segunda linha consiste em benzilpenicilina procaína intramuscular associada a probenecida oral. Alguns especialistas também administram benzilpenicilina benzatina por via intramuscular uma vez por semana por até 3 semanas após o esquema de tratamento para neurossífilis ser completado, para assegurar que a duração do tratamento seja comparável à duração do tratamento para sífilis tardia na ausência de neurossífilis.[8]
A dessensibilização à penicilina é recomendável a todos os pacientes com neurossífilis e hipersensibilidade à penicilina. As evidências para o uso de esquemas medicamentosos que não utilizam penicilina são relativamente fracas. Entretanto, a doxiciclina em altas doses é utilizada por alguns médicos nessa situação.[7][20]
O teste cutâneo de alergia à penicilina identifica os pacientes com alto risco de reações a este antibiótico. Os reagentes cutâneos devem incluir alérgenos maiores e menores.[101] Os pacientes que apresentam teste cutâneo negativo podem receber a terapia com penicilina. Entretanto, alguns médicos realizam a dessensibilização sem o teste cutâneo, particularmente se os reagente cutâneos dos determinantes maiores e menores da alergia à penicilina não estiverem disponíveis. A dessensibilização aguda pode ser realizada em pacientes que apresentem teste cutâneo positivo para um dos determinantes da penicilina, devendo ser realizada em ambiente hospitalar. Dessensibilização oral ou intravenosa pode ser realizada e geralmente é concluída em 4 horas, período após o qual a primeira dose de penicilina é administrada.[102]
Infecção na gestação
A benzilpenicilina parenteral é o único tratamento recomendado na gestação.[67] As pacientes grávidas que são alérgicas à penicilina devem ser dessensibilizadas e tratadas com penicilina. Gestantes devem receber o tratamento baseado em penicilina de acordo com o estágio da sífilis. Para gestantes com sífilis primária, secundária ou latente recente, determinadas evidências sugerem que a administração de duas injeções de benzilpenicilina benzatina intramuscular, em vez de uma, pode ajudar a prevenir a sífilis congênita. Gestantes com sífilis latente tardia ou terciária, com exame do LCR normal, devem receber três injeções de benzilpenicilina benzatina intramuscular, de acordo com as orientações para não gestantes.[8]
Deve ser realizada a avaliação fetal sonográfica para sífilis congênita. A presença de sífilis fetal ou placentária (por exemplo, hepatomegalia, ascite e hidropisia) indica maior risco de falha no tratamento fetal para sífilis congênita.[71] As gestantes devem ser alertadas sobre a possibilidade de reação de Jarisch-Herxheimer. A reação de Jarisch-Herxheimer pode ser complicada por sofrimento fetal e parto prematuro. É recomendado o acompanhamento por um obstetra especializado.[8]
Coinfecção por vírus da imunodeficiência humana (HIV)
A sífilis é um importante facilitador da transmissão de HIV.[19] A maioria dos médicos trata os indivíduos positivos ou negativos para vírus da imunodeficiência humana (HIV) com os mesmos esquemas de penicilina, de acordo com o estágio da sífilis. Por exemplo, o tratamento de primeira linha para a sífilis primária e secundária em pacientes com infecção por HIV é uma dose única de penicilina G benzatina intramuscular (benzilpenicilina benzatina). Não há dados que sugiram que doses adicionais de benzilpenicilina benzatina ou outros antibióticos aumentem a eficácia em pacientes com HIV.[8]
As pessoas com infecção por HIV e sífilis primária ou secundária devem ser avaliadas clínica e sorologicamente em relação à falha do tratamento em 3, 6, 9, 12 e 24 meses após a terapia. Embora não haja benefícios confirmados, alguns especialistas recomendam a realização de uma análise do LCR 6 meses após a terapia, seja de maneira rotineira ou quando os títulos não treponêmicos não tiverem diminuído em quatro vezes dentro de 6 a 12 meses de terapia. Os pacientes alérgicos à penicilina com sífilis primária ou secundária e com coinfecção por HIV devem receber antibioticoterapia conforme recomendada para pacientes alérgicos à penicilina e HIV negativos.[8]
Sífilis congênita
As decisões sobre o tratamento da sífilis congênita são tomadas com base na infecção confirmada ou suspeita (altamente provável, possível, menos provável ou improvável) ao considerar vários fatores, inclusive:[8]
Identificação de sífilis na mãe
Adequação do tratamento materno
Presença de evidência clínica, laboratorial ou radiográfica de sífilis no lactente (o teste deve incluir titulações sorológicas não treponêmicas maternas e neonatais pareadas usando o mesmo teste, preferencialmente conduzido no mesmo laboratório).
Consulte Classificação.
Todos os lactentes nascidos de mães com testes reativos, não treponêmicos e treponêmicos, devem realizar a sorologia não treponêmica (testes Venereal Disease Research Laboratory ou reagina plasmática rápida), realizada no soro do bebê. Resultados falso-positivos podem ocorrer se a amostra utilizada for de sangue do cordão umbilical, devido à contaminação do sangue do cordão umbilical pelo sangue materno.[8]
Quando crianças com >1 mês de idade apresentarem testes positivos para sífilis, é necessário revisar os registros de nascimento e da mãe e os resultados da sorologia para determinar se a infecção delas é congênita ou adquirida.[8] Bebês e crianças com >1 mês de idade com sífilis primária ou secundária adquirida devem ser tratados por um especialista em doenças infecciosas pediátricas e avaliados quanto a abuso sexual.[8] Consulte Abuso e agressão sexual.
Se houver evidências de tratamento eficaz (e ausência de reinfecção) da mãe, o exame físico do lactente for normal e o VDRL/RPR do lactente estiver quatro vezes abaixo do da mãe, não será indicado qualquer tratamento; no entanto, recomenda-se o acompanhamento sorológico rígido a cada 2 ou 3 meses por 6 meses. Lactentes com exame físico anormal ou RPR/VDRL igual ou superior a quatro vezes o título da mãe deve ser totalmente avaliados e tratados.[8]
O tratamento de primeira linha para sífilis congênita comprovada ou altamente provável confirmada é benzilpenicilina aquosa intravenosa ou benzilpenicilina procaína intramuscular.[8][103]
A sífilis congênita possível é tratada com benzilpenicilina aquosa intravenosa, benzilpenicilina procaína intramuscular ou benzilpenicilina benzatina intramuscular.[8][103] Se um teste não treponêmico no lactente for não reativo e o risco materno de sífilis não tratada for baixo, ou se a avaliação completa (exame do LCR, radiografia de ossos longos e hemograma completo com plaquetas) estiver normal e o acompanhamento for certo, uma dose única de benzilpenicilina benzatina intramuscular pode ser administrada.[8][103] Se a mãe tiver apresentado sífilis recente não tratada no momento do parto, o neonato tem risco aumentado de sífilis congênita e o ciclo de 10 dias de benzilpenicilina deve ser considerado, mesmo que as investigações sejam normais, o teste não treponêmico seja não reativo e acompanhamento seja garantido.[8]
Caso a sífilis congênita seja menos provável (ou seja, se o teste não treponêmico no lactente for não reativo, o exame físico do lactente estiver normal e a mãe tiver sido tratada com sucesso durante a gestação), uma dose única de benzilpenicilina benzatina intramuscular é o tratamento recomendado.[8] Caso a mãe tenha sido tratada de maneira adequada antes da gestação, o teste não treponêmico no lactente seja não reativo e o exame físico do lactente esteja normal, a sífilis congênita é improvável e não requer nenhum tratamento. No entanto, pode-se considerar uma dose única de benzilpenicilina benzatina intramuscular se o acompanhamento subsequente do lactente for incerto e houver teste não treponêmico reativo.[8]
Lactentes com alergia a penicilina ou aqueles que desenvolvem uma reação alérgica presumidamente secundária à penicilina devem ser dessensibilizados e tratados com penicilina.[8] O teste cutâneo não é possível em lactentes com sífilis congênita, pois o procedimento não foi padronizado para essa faixa etária.[8] O teste cutâneo pode ser usado em crianças com idade ≥2 anos. É recomendada uma discussão com um obstetra especializado e com um neonatologista. Os neonatos com testes não treponêmicos reativos devem ser acompanhados para se garantir que o teste não treponêmico volte a ser negativo.[8] É recomendado um rigoroso acompanhamento clínico e sorológico por um pediatra especialista.
Potenciais efeitos adversos do tratamento
Os pacientes devem ser alertados sobre possíveis reações ao tratamento, como a reação de Jarisch-Herxheimer e a reação iatrogênica à procaína.
A reação de Jarisch-Herxheimer é uma enfermidade febril aguda que pode ocorrer nas primeiras 24 horas após a iniciação da antibioticoterapia para sífilis. Os sintomas incluem febre aguda, cefaleia e mialgia, geralmente em pacientes com sífilis recente.[8] A corticoterapia pode ser considerada para prevenir potenciais consequências graves da reação de Jarisch-Herxheimer em pacientes não gestantes com sífilis cardiovascular ou neurossífilis.[4] No entanto, a evidência de eficácia é obscura e ela não é rotineiramente recomendada em alguns países.
A reação iatrogênica à procaína (psicose e mania por procaína, e síndrome de Hoigné) pode ocorrer se a penicilina G procaína intramuscular for administrada de modo incorreto por via intravenosa. Os pacientes podem desenvolver respostas alérgicas à penicilina, incluindo choque anafilático.[25]
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