Abordagem
As seguintes recomendações de tratamento baseiam-se nas diretrizes de tratamento publicadas.[66][67][85][86]
É essencial que o diagnóstico seja feito com precisão, com base em uma avaliação completa e revisão da história, com dados de várias fontes. A segurança da criança e das outras pessoas, bem como a duração e gravidade da depressão, devem ser cuidadosamente avaliadas para ajudar a determinar o nível apropriado de cuidados e a modalidade de tratamento. Avaliações contínuas de segurança, sintomas e resposta ao tratamento são importantes para limitar os eventos adversos, e para otimizar e orientar a abordagem de tratamento.
A confidencialidade deve ser discutida com o paciente e sua família, incluindo os limites de confidencialidade (por exemplo, a necessidade de informar os pais ou autoridades legais se houver um risco iminente de dano ao paciente ou a outras pessoas [de acordo com as considerações legais locais dos médicos]).[64]
Cuidados gerais versus especializados
A depressão em crianças e adolescentes manifesta-se com amplo fenótipo e complexidade psicossocial. É importante que os médicos avaliem o escopo da prática necessária para manejar de maneira segura e eficaz os cuidados de um jovem com depressão. Seções subsequentes sobre o tratamento darão ênfase especificamente a quais intervenções devem ser realizadas, de maneira ideal ou exclusiva, sob os cuidados de um especialista; o restante do texto se aplicará a cuidados gerais.
Os prestadores de cuidados gerais incluem clínico geral, pediatra e psiquiatra de adulto em geral com experiência limitada com crianças e jovens. Os especialistas incluem psiquiatras de crianças e jovens e psiquiatras de adultos em geral com ampla experiência com crianças e jovens.
Os generalistas tratam a doença de gravidade leve a moderada, com ou sem comorbidade simples, e seus tratamentos são bem respaldados pelas evidências. Os especialistas tratam a doença moderada a grave, muitas vezes com comorbidade complexa. As evidências para o tratamento podem não ser suficientes.
Fases do tratamento
O tratamento da depressão pode ser dividido em 3 fases.
Aguda: dura 6 a 12 semanas. O objetivo desta fase é alcançar remissão (ou seja, o paciente se tornar assintomático ou apresentar somente sintomas mínimos).
Continuação: é imediatamente subsequente à fase aguda e dura 6 a 12 meses (idealmente 6 meses para o primeiro episódio e 12 meses para o episódio recorrente). O objetivo desta fase é prevenir uma recidiva. Deve-se manter o mesmo esquema de tratamento que foi eficaz no tratamento agudo. Quando o tratamento eficaz é interrompido, as taxas de recidiva são muito altas, conforme demonstrado em estudos psicoterápicos e de medicamentos.[87] No caso da fluoxetina, mesmo com continuidade de tratamento, muitas crianças e adolescentes apresentam recidiva. Também foi descoberto que a adição de 6 meses de terapia cognitivo-comportamental (TCC) na fase de continuação, após TCC aguda, reduziu significativamente as taxas de recidiva em relação aos controles históricos (6% versus 50%).[88]
Manutenção: sucede a fase de continuação em algumas pessoas. Pode-se recomendar 1 a 2 anos de tratamento de manutenção para jovens em risco de recidiva (por exemplo, aqueles com carga genética elevada, depressão crônica, episódios múltiplos e episódios graves). Foi relatado um pequeno estudo de manutenção na depressão pediátrica.[89] Embora seja necessário um estudo maior, o tratamento de manutenção é recomendado por diretrizes de tratamento.
Estabelecer um bom acordo terapêutico entre a criança e os pais, oferecendo psicoeducação e incluindo a família no processo decisório do tratamento, pode aumentar a adesão e promover desfechos positivos ao longo das fases do tratamento. Como os pensamentos suicidas são um sintoma do transtorno e representam aumento do risco de segurança para o paciente, devem ser monitorados regularmente durante as fases de avaliação e tratamento e avaliados em cada consulta clínica.[68]
Medidas urgentes para crianças em risco de automutilação ou de causar danos a terceiros
Comportamentos suicidas como autolesão e tentativas de suicídio são comuns em crianças e adolescentes com depressão. O aspecto mais importante do cuidado é que o médico esteja ciente da extensão desses comportamentos no paciente. Na consulta inicial e nas consultas de acompanhamento, o paciente deve ser questionado sobre autolesão; problemas relacionados aos motivos que podem ser modificáveis devem ser solucionados e é necessário certificar-se que o paciente não tenha feito uma tentativa de suicídio ou uma tentativa de automutilação entre consultas.
Recomenda-se que os profissionais da saúde rastreiem os adolescentes para ideação suicida sem a presença dos cuidadores, pois os jovens podem relutar em relatar a ideação suicida na companhia de cuidadores. No entanto, é importante discutir a importância e as limitações da confidencialidades com os pacientes e seus familiares antes de conversar com o paciente sozinho.[68] Os limites da confidencialidade incluem cenários em que é necessário romper a confidencialidade para proteger o paciente e/ou a segurança pública. Isso pode ser desafiador e requer critério clínico, bem como conhecimento das estruturas legais locais/estaduais/nacionais; orientações externas de um especialista em gestão de risco e ética podem ser benéficas. É importante observar que ideação suicida recente ou ativa (inclusive tentativas de suicídio) devem sempre ser comunicadas a um adulto responsável, para proteger o menor de danos, e para envolver o cuidador no tratamento necessário.[68] Idealmente e, se for possível, isso deve ser feito com consentimento do paciente.
Crianças e adolescentes que apresentam ideação suicida, principalmente aqueles que têm ideação suicida e história de tentativa de suicídio, necessitam de um planejamento de segurança.[68] O planejamento de segurança é uma intervenção realizada em colaboração entre o paciente e o profissional de saúde, por exemplo, terapeuta ou prestador de cuidados, que engloba ajudar o paciente a identificar seus fatores de risco para ideação suicida, bem como uma série de apoios que podem ser utilizados para reduzir o risco de autolesão.[68] Parte do plano de segurança envolve ajudar o paciente a estar ciente dos serviços locais de apoio a crises e, idealmente, envolveria os cuidadores em seu desenvolvimento.
Crianças e adolescentes deprimidos com severa probabilidade de suicídio e cuja segurança não pode ser garantida, ou com psicose importante, requerem encaminhamento urgente para o pronto-socorro. A hospitalização pode ser necessária para:[90]
Efetuar uma avaliação urgente da saúde mental
Garantir a segurança do paciente e/ou de outros
Estabilizar o paciente.
Consulte: Mitigação do risco de suicídio.
Medidas iniciais para todos os pacientes: monitoramento ativo breve
Para depressão leve ou breve sem complicações, pode ser adequado um breve período de até 6 semanas de monitoramento ativo, com cuidados de suporte, incluindo psicoeducação para a criança e pais.[67][85][86][91]A depressão leve geralmente remite com tratamento inespecífico. Pode ser necessário interromper o período de monitoramento se os sintomas forem graves ou se agravarem.
Se a depressão se tornar grave, ou se o paciente desenvolver probabilidade de suicídio ou psicose, podem ser necessários tratamento ativo imediato e cuidados de mais alto nível (por exemplo, tratamento com o paciente hospitalizado).
Uma avaliação do estilo de vida e recomendações para alterações na dieta e exercício podem facilitar o tratamento e obter desfechos melhores. Há cada vez mais evidências corroborando o uso de exercício físico para prevenir e tratar transtornos depressivos. Vários estudos controlados demonstraram que o exercício tem eficácia comparável à terapia com antidepressivos, e eficácia superior em relação ao placebo na redução dos sintomas depressivos em adultos.[92] Um estudo indicou que exercício regular reduz significativamente o risco de distimia em adultos.[93] Uma metanálise de ensaios clínicos randomizados e controlados sobre o exercício (4 ensaios clínicos, 159 participantes) confirmou as análises prévias ao encontrar um efeito de tamanho médio do tratamento (tamanho do efeito -0.59, IC de 95% -1.08 a -0.10) a favor do exercício, mas os pesquisadores alertaram que existe alto risco de viés nos estudos incluídos.[94] Outra metanálise que incluiu ensaios clínicos randomizados e não randomizados sobre o exercício (10 ensaios clínicos, 431 participantes) encontrou um efeito de tamanho pequeno a médio na redução dos sintomas (tamanho do efeito -0.49, IC de 95% -0.71 a -0.24), mas novamente os autores alertaram que a qualidade dos estudos incluídos era baixa.[95]
Geralmente, não são necessárias terapias adicionais, exceto o manejo de transtornos comórbidos e sintomas específicos de indivíduos resistentes, salvo se a gravidade da depressão aumentar, ou se os sintomas persistirem.
Tratamento adjuvante
Tipicamente, medicamentos adjuvantes são introduzidos para o manejo de sintomas associados com a depressão leve (por exemplo, agitação) e são descontinuados quando o sintoma-alvo tratado se resolve. Pode ser necessária terapia adjuvante em qualquer estágio do tratamento para todos os níveis de gravidade da depressão. Uma questão importante é a duração do tratamento. Como alguns sintomas depressivos podem levar mais tempo para se resolver, certos pacientes podem necessitar de medicamentos adjuvantes logo no início ou durante a fase aguda do tratamento.
No caso da depressão psicótica ou agitação, pode ser utilizado um medicamento antipsicótico atípico concomitantemente com um antidepressivo. Isso só é necessário se a terapia antidepressiva não estiver controlando estes sintomas adequadamente. No caso de sintomas psicóticos leves e de baixo risco ou agitação, um antidepressivo pode ser suficiente, pois os sintomas psicóticos podem se resolver com a melhora da depressão.
Alguns destes medicamentos são considerados off-label em alguns países, e só devem ser prescritos por um especialista experiente no tratamento de transtornos psiquiátricos pediátricos nos referidos países. Estão disponíveis diretrizes para prescrição na América do Norte e no Reino Unido.[66][67][85]
Transtornos comórbidos
Esta é uma consideração importante em todos os estágios do tratamento. Transtornos de ansiedade e transtorno de deficit da atenção com hiperatividade (TDAH) são transtornos comórbidos comuns. A psicoterapia para o transtorno de ansiedade deve ser iniciada concomitantemente com o tratamento com antidepressivos. No entanto, não se recomenda iniciar um antidepressivo e outro medicamento para tratar o transtorno comórbido ao mesmo tempo. A doença primária, ou o transtorno que estiver causando o maior comprometimento funcional, deve ser tratado primeiro. Então, subsequentemente, se necessário, pode-se iniciar um segundo ou terceiro tratamento para os transtornos comórbidos (por exemplo, pode-se iniciar o uso de um estimulante após o antidepressivo).
A insônia é um sintoma comum da depressão e também é um sintoma residual frequente.[96] Os antidepressivos podem não resolver a insônia de maneira suficiente. As intervenções comportamentais são a base do tratamento. Em crianças maiores e adolescentes, a terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I) pode ser considerada, assim como em adultos. Os princípios específicos das intervenções comportamentais nesse grupo incluem:
Educação sobre práticas de saúde do sono, por exemplo, um ciclo regular de sono-vigília e orientações sobre o que constitui uma quantidade de sono adequada para o desenvolvimento
Evitar dispositivos eletrônicos com telas que emitem luzes pelo menos uma hora antes de deitar
Orientar a usar a cama apenas para dormir, e sair da cama se não conseguir adormecer
Técnicas de relaxamento
Ocasionalmente, medicamentos em combinação com terapia comportamental podem ser considerados para crianças e adolescentes cuja insônia não responda a intervenções comportamentais somente. Observe que a prescrição é considerada off-label na maior parte do mundo, a base de evidências em crianças é muito limitada e há grande variação nas prescrições geograficamente. Os médicos devem consultar os modelos de serviço locais, mas normalmente a consideração de medicação para insônia em crianças requer encaminhamento a uma clínica pediátrica do sono ou outro cenário especializado.
Depressão leve:
No caso de depressão leve que não responde ao monitoramento ativo, pode-se utilizar um ciclo de psicoterapia específica baseada em evidências, como terapia cognitivo-comportamental (inclusive TCC digital) ou psicoterapia interpessoal (PTI), se disponível e apropriado.[66][67][97][98] A TCC também mostrou ter efeitos de longo prazo na prevenção do início da depressão.[99] No Reino Unido, as diretrizes do National Institute for Health and Care Excellence recomendam considerar a terapia familiar baseada no apego para crianças com depressão, continuando após um período de vigilância ativa.[67]
Depressão moderada ou grave
Psicoterapias específicas ou inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), ou uma combinação de ambos, podem ser usados com crianças e jovens com depressão moderada ou mais grave como tratamento de primeira linha.[100]
As diretrizes dos EUA recomendam quaisquer das abordagens a seguir para jovens com depressão moderada ou mais grave:[64][66][85]
Psicoterapias específicas (terapia cognitivo-comportamental, terapia interpessoal, terapia comportamental dialética)
Medicamento ISRS
Uma combinação de psicoterapia específica e terapia com ISRS
Mudança de medicamento ou farmacoterapia combinada em caso de resposta inadequada.
As diretrizes do Reino Unido recomendam um estudo inicial de psicoterapia para todos os jovens com depressão moderada ou mais grave. Os antidepressivos só são recomendados em conjunto com a psicoterapia e, geralmente, após uma tentativa de psicoterapia; no entanto, a terapia combinada com fluoxetina e psicoterapia pode ser considerada para o tratamento inicial de depressão moderada a grave em jovens de 12 a 18 anos.[67] A diferença entre essas recomendações nacionais é que as diretrizes dos EUA incluem a monoterapia com ISRS como tratamento de primeira linha para depressão moderada a grave.
Estudos que dão suporte a essa recomendação incluem um ensaio clínico randomizado e controlado com adolescentes moderada a gravemente deprimidos, para os quais a TCC associada a ISRS não foi mais eficaz que a monoterapia com ISRS.[101] Não houve aumento na desinibição, irritabilidade e violência em relação à linha basal com qualquer dos tratamentos.[101] O tempo de resposta é menor com fluoxetina que com a terapia psicológica, mas comportamentos relacionados ao suicídio são mais comuns.[102]
A importância da psicoterapia concomitante ou de primeira linha é apoiada por resultados de longo prazo e desfechos de segurança. A terapia combinada pode diminuir a ideação suicida mais do que os medicamentos isolados.[103] Em uma metanálise da combinação de medicamento e psicoterapia versus somente medicamento, houve maior melhora no funcionamento global com o tratamento combinado, mas não houve diferença entre os grupos quanto à redução dos sintomas depressivos.[104]
Em suma, considerando evidências de curto e longo prazos dos benefícios relativos da monoterapia e da terapia combinada para depressão moderada a grave, é razoável considerar a monoterapia com um ISRS ou a psicoterapia específica como abordagem inicial e, se houver resposta inadequada, o tratamento pode ser intensificado e continuado com uma combinação de ISRS e psicoterapia. O ISRS fluoxetina normalmente é o tratamento de primeira escolha com base em dados de metanálises, embora observe-se que os efeitos do tratamento podem variar entre os indivíduos e, portanto, é necessária uma análise individualizada de risco:benefício ao se selecionar um ISRS.[105][106][107][108] Em particular, a fluoxetina é preferível a outros ISRSs quando o tempo de remissão é uma alta prioridade e pode ser complementada por avaliação regular do risco em relação à probabilidade de suicídio por qualquer profissional. A terapia psicológica é o tratamento de primeira escolha quando a manutenção da segurança for uma alta prioridade. Isso é evidente quando um jovem com transtorno depressivo maior tem ideação suicida proeminente, ou tiver se envolvido em autolesão.
ISRSs: considerações gerais
Os ISRS são o medicamento de primeira escolha em casos em que for necessário o uso de medicamentos, e geralmente são usados quando as tentativas de tratamento não farmacológicas falham.
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Uma metanálise incluindo 36 ensaios (6778 participantes) descobriu que os ISRSs parecem apresentar mais benefícios que o placebo para tratar crianças e adolescentes com depressão, mas que o tamanho do efeito foi pequeno. Os resultados sugerem que, para crianças e adolescentes com depressão, o efeito do placebo tem papel significativo na eficácia dos ISRSs.[109] A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA publicou uma advertência sobre a probabilidade de suicídio associada ao uso pediátrico de antidepressivos em crianças, em 2004.[110]
Ao discutir o uso de um ISRS para o tratamento da depressão, é importante estabelecer expectativas realistas para a criança e seu cuidador. Nem todas as crianças com depressão responderão a um ISRS. A resposta, se positiva, é sutil e gradual e requer acompanhamento médico. Nem todos os sintomas depressivos responderão a um ISRS; assim, é importante considerar intervenções adjuvantes, principalmente ambientais, para esses sintomas (por exemplo, cronogramas de sono e atividades prazerosas, nutrição e exercícios adequados e acomodações em sala de aula).
Além disso, ao iniciar o medicamento, assegure-se de que o cuidador compreenda a importância de monitorar a administração do medicamento e de mantê-lo em local seguro. Muitas crianças apresentam dificuldade com a adesão terapêutica e, às vezes, fazem uso ou tentam uma superdosagem dos medicamentos. Manter o medicamento em local seguro em casa ou usar embalagens para pequenas doses é essencial nesse sentido.
Fluoxetina
Os benefícios da fluoxetina são apoiados por um conjunto sólido de dados de metanálises tanto para crianças quanto para adolescentes.[105][106][107][108]
As doses podem ser aumentadas gradualmente após o regime inicial, se a melhora dos sintomas depressivos não for suficiente (<50% de redução da gravidade da depressão).[111] É mais provável que seja necessário aumentar a dose nos adolescentes que nas crianças.[112]
A fluoxetina pode apresentar uma eficácia maior e mais rápida no transtorno disfórico pré-menstrual.[113]
A fluoxetina tem a meia-vida mais longa dentre os ISRS recomendados (4-6 dias em adultos) e é um potente inibidor das enzimas 2D6 e 2C19 do citocromo P450. Quando são usados medicamentos concomitantes metabolizados por estas enzimas, deve-se considerar uma redução da dose.
Há evidências para sugerir que o uso de fluoxetina durante o primeiro trimestre de gestação pode estar associado a um ligeiro aumento do risco de malformações cardíacas congênitas no bebê. Em consideração a esse achado, o médico também deve considerar o risco conferido estabelecido ao feto e ao neonato quando a mãe adolescente tem depressão.[114]
Escitalopram
Pode ser usado como antidepressivo de primeira escolha para adolescentes, mas não para crianças. Um ensaio incluindo crianças e adolescentes demonstrou resultados positivos para o escitalopram em relação ao placebo no subgrupo adolescente.[115]
É o enantiômero-S ativo do citalopram, com o dobro da potência do citalopram. Tem uma meia-vida de 27 a 32 horas. Semelhante ao citalopram, é um inibidor fraco da 2D6 com interações medicamentosas mínimas.
Sertralina
Constatou-se que é mais eficaz que o placebo, apenas quando os resultados dos dois ensaios foram agrupados.[116]
Tem uma meia-vida de 26 horas e é um inibidor moderado da enzima P450, embora seja um potente inibidor da 2D6 em altas doses. Em altas doses, é preciso considerar interações medicamentosas. Forte evidência de eficácia em ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo.
Citalopram
Tem apenas um ensaio positivo.[117]
Seu efeito sobre o sistema da enzima P450 é mínimo, assim, as interações medicamentosas são limitadas. Tenha cuidado em doses mais altas devido ao risco de prolongamento do intervalo QT.
Devido à falta de eficácia e baixa tolerância em crianças, o uso de paroxetina não é recomendado nessa faixa etária.[66][118][119][120]
Não existem ensaios sobre depressão pediátrica para a fluvoxamina.
Efeitos adversos e segurança dos ISRSs
Em geral, a maioria dos ISRSs e não ISRSs (considerados para uso em estágios posteriores) são bem tolerados por crianças e adolescentes, e seus efeitos adversos são leves e de curta duração. No entanto, possíveis efeitos adversos e precauções devem ser amplamente discutidos com a criança e com os pais para garantir a segurança e melhorar a adesão. Crianças e adolescentes tratados para depressão com ISRSs (e inibidores da recaptação de serotonina–noradrenalina [IRSNs]) parecem sentir mais efeitos adversos (incluindo efeitos adversos graves) que aqueles tratados com placebo, indicando a necessidade de uma abordagem cuidadosa e individualizada à prescrição, que considere a relação entre benefício clínico previsto e possíveis efeitos colaterais.[109] A FDA publicou uma advertência sobre a probabilidade de suicídio associada ao uso pediátrico de antidepressivos em crianças, em 2004.[110] Os efeitos adversos comuns dos ISRSs incluem:
Cefaleia
Náuseas
Diarreia
Dor abdominal
Insônia
Sedação
Tremores
Aumento no tempo de sangramento.
Efeitos adversos sexuais relacionados aos ISRS são frequentes em adultos e adolescentes (até 40% dos pacientes), mas estes efeitos adversos nem sempre são discutidos na avaliação do paciente.
A maioria destes efeitos pode ser atenuada com estratégias simples, como:
Iniciar o medicamento com dose baixa
Titular lentamente
Tomar o medicamento com alimentos para evitar náuseas e desconforto gástrico
Tomar medicamentos sedativos ao deitar e medicamentos estimulantes pela manhã.
Eventos adversos incomuns mais preocupantes incluem:
Ativação
Indução de sintomas maníacos/hipomaníacos
Pensamentos e comportamentos suicidas.
Uma análise cuidadosa da história familiar, resposta de parentes de primeiro grau a medicamentos, história de medicamentos prévios e uso concomitante de outros medicamentos para avaliar possíveis interações medicamentosas pode preparar melhor o paciente, a família e o médico para evitar consequências negativas. Essas considerações também podem ajudar o médico a fazer a escolha do medicamento inicial.
Pensamentos suicidas são parte do quadro clínico da depressão e podem ocorrer antes ou durante o tratamento. Embora existam evidências insuficientes para dar suporte a sugestões de que os antidepressivos possam causar comportamento e ideação suicida, a análise da FDA e uma reavaliação de todos os ensaios controlados de terapia com antidepressivos indicaram uma associação elevada de ideação suicida, mas não tentativa de suicídio, com tratamento com antidepressivos comparativamente com placebo. Este risco é relativamente baixo, com aumento do risco de ideação suicida de somente 1% a 2% com o uso de antidepressivos (3% a 4%) em comparação com placebo (2%).[121][122] É onze vezes mais provável que jovens tratados com um antidepressivo responderão à medicação do que desenvolverão comportamento suicida.[121] Recomenda-se que as crianças e adolescentes sejam monitoradas rigorosamente durante as primeiras semanas do início do tratamento com antidepressivos e durante ajustes de dose. Podem ser usadas escalas de classificação para medir e monitorar efeitos adversos e eventos adversos durante o tratamento de depressão, como:
Formulário de Relato Uniforme de Monitoramento de Segurança (SMURF, Safety Monitoring Uniform Report Form)[123]
Escala de Efeitos Colaterais de Toronto (TSES, Toronto Side Effects Scale)[124]
Escala de Efeitos Colaterais de Neurolépticos da Universidade de Liverpool (LUNSERS, Liverpool University Neuroleptic Side Effects Scale)[125]
Ferramenta de Desfechos Terapêuticos em Saúde Mental (TOT, Mental Health Therapeutic Outcomes Tool).[126]
As crianças precisam ser monitoradas rigorosamente com um cronograma de acompanhamento mais frequente no início de um novo tratamento ou durante alterações de dose, pois há maior probabilidade de ocorrerem efeitos adversos e eventos adversos nesses períodos. É necessário um mínimo de 1 a 2 visitas (presencial ou virtual) a cada 4 semanas durante os meses iniciais do tratamento com antidepressivos.
Depressão moderada ou grave: melhora inadequada com o primeiro ISRS
Se, após 8 semanas ou mais de tratamento com dose adequada de um ISRS (como monoterapia ou combinado com psicoterapia específica), não houver resposta (ausência de alteração na gravidade da depressão ou no comprometimento funcional), ou se houver somente resposta parcial (menos que uma redução significativa na gravidade da depressão ou melhora funcional), recomenda-se trocar para outro ISRS. As opções de um segundo ISRS incluem fluoxetina, sertralina, citalopram e escitalopram (escitalopram é apenas para adolescentes), dependendo de qual foi usado inicialmente. Se a psicoterapia baseada em evidências não foi usada inicialmente, ela deve ser instituída ativamente neste momento do tratamento.[127]
Depressão moderada ou grave: manejo da resposta inadequada ao segundo ISRS realizando a troca para um não ISRS (tratamento especializado)
Se houver resposta inadequada após o segundo ISRS, o medicamento pode ser trocado para um medicamento não ISRS ou pode-se potencializar o ISRS. Deve-se observar que evidências atuais para dar suporte à troca para um não ISRS ou potencialização não existem para crianças e adolescentes. Desta forma, estes agentes só devem ser iniciados por especialistas experientes no manejo da depressão na infância.
Antes de iniciar este passo, deve-se fazer uma reavaliação cuidadosa para verificar o diagnóstico e eliminar outros fatores que podem contribuir, como doença comórbida não detectada ou emergente (por exemplo, transtorno relacionado ao uso de substâncias), inadequação da intervenção psicossocial, estresse não resolvido ou novo trauma.
As opções para troca incluem:
Venlafaxina
Mirtazapina
Bupropiona.
Os ISRSs parecem apresentar mais benefícios que o placebo para tratar crianças e adolescentes com depressão, embora o tamanho do efeito seja pequeno. Uma metanálise descobriu que crianças e adolescentes tratados com ISRSs relataram maior incidência de efeitos adversos que aqueles tratados com placebo, incluindo efeitos adversos graves, como probabilidade de suicídio, o que enfatiza a necessidade de uma análise cuidadosa e individualizada dos riscos e benefícios antes de considerar o tratamento.[109]
Venlafaxina
Um IRSN. Para avaliar a eficácia deste tratamento, foram realizados três estudos controlados e todos foram negativos. No entanto, quando os dados de dois estudos foram combinados, o subgrupo de adolescentes revelou que a venlafaxina foi superior ao placebo na redução da depressão.[128][129] A venlafaxina não é recomendada como opção de primeira linha. No entanto, o único ensaio controlado para depressão resistente ao tratamento indicou que a venlafaxina foi eficaz no tratamento da depressão em adolescentes que não responderam a um ISRS.[127] Na avaliação da FDA, a venlafaxina comparada a outros antidepressivos provocou significativamente mais eventos adversos relacionados a suicídio que o placebo.[122] Um estudo de coorte retrospectivo de 36,842 pacientes com idade entre 6 e 18 anos não demonstrou evidências de que o risco de tentativa de suicídio era diferente entre os antidepressivos ISRS e IRSN.[130] Recomenda-se a fórmula de liberação prolongada que ainda assim tem uma meia-vida relativamente curta de 10.3 horas. As diretrizes do Reino Unido recomendam que a venlafaxina não seja usada no tratamento para depressão em crianças e jovens.[67]
Mirtazapina
Um antagonista do receptor de serotonina 2 (5-HT2), com meia-vida de 20 a 40 horas. Os únicos dois ensaios multicêntricos pediátricos com a mirtazapina foram negativos, possivelmente devido à alta resposta ao placebo nos dois estudos.[131] O medicamento não inibe as enzimas do P450. Em dose mais baixa, a mirtazapina tem um forte efeito anti-histamínico e também pode causar sedação e ganho de peso.
Bupropiona
Um potente inibidor da 2D6 com meia-vida de 21 horas para a fórmula de liberação constante. Nenhum ensaio controlado foi realizado para a bupropiona, apesar de ela ser prescrita frequentemente.[110]
Depressão moderada ou grave: manejo da resposta inadequada ao segundo ISRS com estratégias de potencialização (tratamento especializado)
Uma abordagem alternativa à troca para um medicamento não ISRS é o uso de estratégias de potencialização, especialmente se houver resposta parcial ao segundo ISRS. Pode-se usar psicoterapia (por exemplo, terapia cognitivo-comportamental ou psicoterapia interpessoal) ou medicamento para potencialização.
Em adultos, lítio, tri-iodotironina, medicamentos antipsicóticos atípicos e bupropiona foram estudados com mais frequência, com algumas indicações de eficácia.[132][133][134][135][136][137][138] Antipsicóticos atípicos e bupropiona foram usados mais frequentemente na população pediátrica como agentes potencializadores que outros agentes. No entanto, não foram realizados ensaios pediátricos controlados. Estes agentes só devem ser iniciados por especialistas experientes no manejo da depressão na infância. O único ensaio da depressão pediátrica resistente ao tratamento revelou que adolescentes que tiveram mais de nove sessões de TCC, além de tratamento com um segundo ISRS ou venlafaxina, tinham maior probabilidade de uma resposta positiva que os adolescentes que tiveram menos sessões de TCC.[139]
A bupropiona é um dos agentes potencializadores usados com maior frequência, embora não tenham sido realizados ensaios pediátricos. A bupropiona de liberação constante pode ser usada para potencialização do tratamento.
Os antipsicóticos atípicos têm sido usados clinicamente para potencializar o efeito antidepressivo. A quetiapina, o aripiprazol e a ziprasidona são usados mais frequentemente nos contextos clínicos, pois a risperidona e a olanzapina podem causar ganho significativo de peso e efeitos metabólicos. Não foram realizados ensaios controlados em crianças deprimidas, embora uma análise dos registros médicos de 10 casos tenha indicado eficácia da adição de quetiapina ao tratamento de adolescentes deprimidos que não responderam a uma tentativa terapêutica adequada com um ISRS. Para todos os outros antipsicóticos atípicos, exceto a ziprasidona, o peso, o perfil lipídico e a glicemia de jejum devem ser monitorados.
A lamotrigina tem sido estudada no manejo de depressões unipolar e bipolar, mas os estudos são limitados. Em um estudo que incluía revisões de gráfico de 42 pacientes adolescentes com depressão resistente ao tratamento, 22 demonstraram melhora com a lamotrigina.[140]
O lítio foi estudado como um agente potencializador mais frequentemente em adultos, com mais de 10 ensaios controlados. Na maioria dos ensaios, o lítio foi usado como agente potencializador de antidepressivos tricíclicos (ADT). Somente dois ensaios abertos pediátricos também usaram o lítio para potencializar um ADT.[141][142] Os níveis séricos devem ser monitorados para evitar toxicidade. As funções tireoidiana e renal também devem ser monitoradas regularmente.
A levotiroxina foi estudada, mas sua eficácia é inconclusiva, segundo dados de depressão em adultos. Nenhum ensaio controlado ou aberto foi realizado com a população pediátrica. Os níveis de hormônio estimulante da tireoide devem ser monitorados para evitar biofeedback negativo.
Novas abordagens alternativas para crianças com depressão resistente ao tratamento (tratamento especializado)
Se a resposta continuar inadequada, apesar de todos os possíveis tratamentos descritos até este ponto, deve-se considerar tratamentos novos e alternativos. Estes agentes só devem ser iniciados por especialistas experientes no manejo da depressão na infância. Eles incluem:
Outros antidepressivos (por exemplo, ADTs e inibidores da monoaminoxidase [IMAOs])
Tratamentos biológicos (por exemplo, fototerapia e eletroconvulsoterapia [ECT]).
Outros antidepressivos, como ADTs ou IMAOs, podem ser utilizados em crianças e adolescentes que não tenham respondido a ISRSs ou a inibidores não seletivos da recaptação da serotonina. Os ADTs não são comprovadamente eficazes no tratamento da depressão pediátrica e tendem a produzir mais efeitos adversos.[143]
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As diretrizes do Reino Unido recomendam que os ADTs não sejam usados no tratamento para depressão em crianças e jovens.[67] Os IMAOs não foram recomendados para o uso na depressão pediátrica devido aos seus efeitos adversos e à dificuldade de manejo da dieta em crianças e adolescentes. No entanto, a apresentação em adesivo de um IMAO seletivo, a selegilina, pode suplantar esta preocupação e tornar-se um tratamento alternativo para jovens com depressão resistente a outros tratamentos. Um estudo que comparou o adesivo de selegilina e placebo em adolescentes com transtorno depressivo maior demonstrou a segurança do medicamento ativo, apesar das taxas de resposta terem sido semelhantes para ambos os grupos (58.6% versus 59.3%).[144]
Os tratamentos biológicos incluem fototerapia e eletroconvulsoterapia (ECT). A fototerapia é recomendada no transtorno afetivo sazonal (TAS) e sua eficácia foi demonstrada em uma série de poucos casos e em um estudo controlado com jovens com TAS.[145] Uma revisão e metanálise recente indica que a fototerapia pode ser eficaz na depressão não sazonal em adultos.[146]
Relatos de casos sobre a eficácia da ECT na depressão pediátrica apareceram há mais de 60 anos.[147] No entanto, nenhum ensaio controlado foi realizado com a população pediátrica. Relatos de séries indicam que a melhor resposta é em jovens com catatonia, psicose e depressão bipolar. Há uma percepção negativa sobre a ECT em alguns países, incluindo em vários estados dos EUA, onde o uso de ECT em crianças e adolescentes foi proibido. Isso, somado ao fato de medicamentos e psicoterapia serem em geral facilmente acessíveis, levou ao uso infrequente da ECT como modalidade de tratamento, mesmo para crianças e jovens com depressão resistente ao tratamento.
Tratamentos de medicina complementar e alternativa (MCA)
Embora a medicina complementar e alternativa seja frequentemente usada em todo o mundo para o tratamento da depressão pediátrica, inclusive nos EUA, existem evidências empíricas extremamente limitadas da sua eficácia.[148] As diretrizes do Reino Unido afirmam que a erva-de-São-João não deve ser prescrita para o tratamento da depressão em crianças e jovens, pois não há evidências suficientes de sua eficácia nem interações medicamentosas conhecidas.[67] As diretrizes dos EUA não discutem o uso de remédio naturais no manejo da depressão pediátrica.
Dentre os remédios naturais, os remédios mais estudados e usados na depressão incluem:
Erva-de-São-João
Ácidos graxos ômega-3
S-adenosil metionina (SAMe).
A erva-de-são-joão é o fitoterápico mais usado na depressão. É o antidepressivo mais prescrito para crianças na Alemanha.[149] Existem vários estudos controlados em adultos que indicam eficácia inconsistente no tratamento da depressão em adultos.[150][151] Nenhum estudo controlado foi realizado em crianças com depressão. Vários estudos abertos indicam que a erva de São João é bem tolerada pelas crianças, e que é eficaz no tratamento da depressão em crianças.[152][153][154] Todavia, ela não é recomendada para o tratamento de casos de depressão moderada a grave, devido à sua eficácia incerta. A erva de São João também tem sido associada com maior tempo de coagulação; além disso, aumenta o metabolismo de contraceptivos e pode resultar em gravidez indesejada. É necessário ter cuidado com o uso de medicamentos concomitantes, devido a possíveis interações medicamentosas. Esta é uma preocupação particularmente importante no uso concomitante de outros antidepressivos, devido ao risco de síndrome serotoninérgica.
Há indicações de que ácidos graxos ômega-3 são benéficos em diversos problemas de saúde. O uso de uma combinação de ácido eicosapentaenoico e ácido docosa-hexaenoico do óleo de peixe, em vez do uso de ácidos graxos ômega-3 de plantas, é eficaz. Resultados de estudos da depressão em adultos indicam benefícios na redução da depressão.[155] Somente um pequeno estudo controlado foi realizado com crianças deprimidas. Este demonstrou que 70% das crianças que receberam dose diária de 1000 mg de ômega-3 de óleo de peixe, em comparação com 0% das crianças que receberam placebo, apresentaram redução da gravidade da sua depressão.[156] Em geral, o óleo de peixe é bem tolerado, mas altas doses não são recomendadas devido ao seu efeito inibidor da agregação plaquetária e risco de causar sangramento. O óleo de peixe também pode interagir com anticoagulantes, portanto, o uso concomitante com tais medicamentos não é recomendado. Há preocupações sobre a contaminação do óleo de peixe com metais pesados e pesticidas. O ômega-3 de algas pode ser uma fonte mais pura de ácidos graxos ômega-3 que o óleo de peixe.
A SAMe é importante na síntese de neurotransmissores, como serotonina, noradrenalina (norepinefrina) e dopamina. Ensaios de SAMe na depressão em adultos indicaram eficácia superior ao placebo e comparável à eficácia dos ADTs.[157] A SAMe também pode ser eficaz como agente potencializador.[158] Não existem estudos disponíveis na depressão pediátrica, salvo relatos de casos que indicam a sua eficácia no tratamento da depressão em crianças e adultos.[159] As interações da SAMe com outros medicamentos parecem ser pouco frequentes.[151]
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