Abordagem

Os principais objetivos do tratamento são: reduzir os sintomas da abstinência, ajudar na abstinência de longo prazo e detectar e tratar afecções clínicas ou psiquiátricas concomitantes.[83] A identificação precoce dos sinais e sintomas de abstinência, e o tratamento imediato, podem reduzir o risco de evolução para síndrome da abstinência alcoólica (SAA) grave ou complicada.[5] O tratamento inclui manejo dos sintomas agudos da abstinência e a prevenção de recidivas. As recidivas podem ser tratadas por meio de estratégias de aconselhamento ou com farmacoterapia.

Se o quadro clínico do paciente permitir, o tratamento para transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas deve ser iniciado simultaneamente com o tratamento para abstinência alcoólica.[5]

Consulte o tópico Transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas.

Os cuidados de suporte são essenciais e devem incluir educação do paciente sobre o processo de abstinência alcoólica e os sintomas comuns, tranquilização regular e reorientação, cuidados de enfermagem adequados, bem como avaliação psicológica frequente e reavaliação do risco de suicídio.[5]

As decisões de tratamento devem basear-se na gravidade da SAA, usando uma escala de avaliação validada como a escala Clinical Institute Withdrawal Assessment for Alcohol, versão revisada (CIWA-Ar).[5] CIWA-Ar Opens in new window

Manejo ambulatorial

Os pacientes com SAA leve, com escore CIWA-Ar <10, podem ser tratados de maneira ambulatorial, embora isso não seja rotineiramente recomendado sem a avaliação e suporte adequados, devido aos prováveis riscos clínicos e à baixa probabilidade de sucesso.[12] Caso os pacientes sejam tratados na comunidade, eles requerem precauções claras de acompanhamento, encaminhamento imediato a um enfermeiro especialista em etilismo e contato regular agendado com um profissional da saúde para reavaliação física e psicossocial.[5][6][12]

O tratamento pode ser apenas de suporte, ou pode ser usada farmacoterapia.[5][6] Pacientes com SAA moderada a grave (CIWA-Ar >10) requerem farmacoterapia.[5][6] Pacientes com um ambiente doméstico instável ou SAA grave requerem manejo hospitalar consistindo em intervenções farmacológicas e de suporte.

Pessoas dependentes de álcool, mas que não estão internadas, devem ser orientadas a evitar redução súbita da ingestão de álcool; elas devem receber informações sobre como entrar em contato com os serviços locais de apoio ao etilista ou devem ser encaminhadas a um programa de tratamento adequado.[8]

Caso o paciente compareça ao pronto-socorro, pode ser direcionado para tratamento no ambulatório nos seguintes casos:[5]

  • os sintomas de abstinência são leves (CIWA-Ar <10) ou moderados (sem fatores complicadores)

  • o paciente não está intoxicado

  • não há história de abstinência alcoólica complicada ou convulsão por abstinência alcoólica

  • não há comorbidades clínicas ou psiquiátricas significativas

  • o paciente parece conseguir comparecer a consultas ambulatoriais e a consultas de acompanhamento.

Prescrições de medicamentos em curto prazo para controlar/prevenir a abstinência alcoólica podem ser fornecidas no pronto-socorro, quando necessário, e o acompanhamento deve ser agendado.[5]

Critérios de internação hospitalar

Os seguintes pacientes devem ser internados no hospital para receber assistência médica para a abstinência alcoólica:[8]

  • Aqueles com SAA moderada a grave, ou aqueles considerados de alto risco para desenvolver convulsão por abstinência alcoólica ou delirium por abstinência alcoólica (também conhecido como delirium tremens).

  • Indivíduos jovens (com menos de 16 anos de idade) com SAA moderada a grave (que também precisarão de avaliação física e psicossocial no hospital).

  • Algumas pessoas vulneráveis com SAA moderada a grave (por exemplo, aquelas que são frágeis, têm comprometimentos cognitivos ou múltiplas comorbidades, que não têm apoio social, que têm dificuldade de aprendizagem ou que estão na faixa dos 16 ou 17 anos de idade).

Além disso, pacientes com doença clínica descompensada, anormalidades eletrolíticas substanciais, escore CIWA-Ar >15 quando o etanol sérico é <20 mg/dL ou uma história de delirium por abstinência alcoólica ou convulsões por abstinência alcoólica devem ser considerados para internação.[84]

A internação hospitalar também deve ser considerada para pacientes que comparecem à unidade básica de saúde ou que foram tratados de maneira ambulatorial, com:[5][6]

  • Agitação ou tremor grave, não resolvidos com o tratamento clínico adequado, que requer monitoramento contínuo

  • Desenvolvimento de sinais ou sintomas de abstinência grave (por exemplo, vômitos persistentes, agitação acentuada, alucinações, confusão, convulsão, CIWA-Ar >19)

  • Deterioração de uma condição médica ou psiquiátrica existente

  • Sedação excessiva no tratamento clínico ambulatorial

  • Retomada do uso de bebidas alcoólicas

  • Qualquer evidência de instabilidade clínica (por exemplo, síncope, sinais vitais instáveis)

  • Pacientes gestantes.

Todos os pacientes hospitalizados precisam de monitoramento rigoroso para delirium, de acordo com as diretrizes locais, reposição de eletrólitos e infusão de fluidoterapia intravenosa conforme indicado, bem como sinais vitais regulares, ingestão e excreção de líquidos e eletrólitos séricos.[5]

Pacientes com SAA grave e quadros clínicos ou psiquiátricos associados exigem altos níveis de cuidados (por exemplo, possível internação em unidade de terapia intensiva [UTI] - consulte os critérios de internação na UTI abaixo) e doses elevadas de benzodiazepínicos. Morbidade e mortalidade são maiores entre esta população de pacientes. Um subconjunto de pacientes com SAA grave é resistente a benzodiazepínicos e pode requerer agentes adjuvantes para tratamento.[85][86] Clinicamente, considerada-se que pacientes que requerem ≥50 mg de diazepam intravenoso na primeira hora de tratamento apresentam SAA resistente a benzodiazepínicos.[87]

Outros grupos de pacientes que requerem monitoramento intensivo incluem:

  • Aqueles com convulsão por abstinência alcoólica; reavaliar a cada 1-2 horas por 6-24 horas.[5] Esses pacientes devem ser monitorados como pacientes hospitalizados por, pelo menos, 36-48 horas após a convulsão para assegurar que não haja convulsões adicionais nem desenvolvimento de delirium por abstinência alcoólica.[88]

  • Pacientes agitados ou delirantes; devem receber observação contínua e individualizada.[5]

  • Pacientes que precisam de farmacoterapia ou com SAA moderada a grave; monitore rigorosamente e reavalie a cada 1-4 horas, conforme indicação clínica.[5]

A redução gradual na frequência de monitoramento pode ocorrer quando o paciente estiver clinicamente estável. Em pacientes com sintomas leves e risco baixo de SAA grave ou complicada, o monitoramento pode ser suspenso após 36 horas, pois é muito improvável que ocorra uma abstinência mais grave.

Para obter mais informações sobre o monitoramento, consulte Monitoramento.

Critérios para internação na UTI

A internação na UTI é indicada para pacientes com instabilidade hemodinâmica, anormalidades eletrolíticas graves, doença cardíaca, desconforto respiratório, possíveis infecções graves, hipertermia persistente, sinais de patologia gastrointestinal, evidência de rabdomiólise, insuficiência renal, necessidade de doses frequentes ou altas de sedativos (inclusive benzodiazepínicos e barbitúricos), ou intubação endotraqueal, ou com sintomas de abstinência apesar da concentração elevada de etanol sérico.[89]

Farmacoterapia

Os benzodiazepínicos são agentes de primeira linha para o tratamento farmacológico dos sintomas da abstinência alcoólica e das convulsões relacionadas a esta.[5][7][15][18][89][90][91] [ Cochrane Clinical Answers logo ] [Evidência B] As diretrizes da European Academy of Neurology (EAN) para convulsões relacionadas ao álcool, e outras fontes, recomendam o lorazepam e o diazepam como medicamentos de primeira escolha.[7][89]

Em pacientes com convulsões devido à abstinência alcoólica, os benzodiazepínicos são mais eficazes que placebo.[92] [ Cochrane Clinical Answers logo ] [Evidência B] Nenhum benzodiazepínico isolado é superior a outro, embora alguns dados (não significativos) sugiram que o clordiazepóxido pode ser mais efetivo que outros agentes.[92][93] Os medicamentos por via oral são adequados para a abstinência leve, mas a administração intravenosa (IV) de benzodiazepínicos é preferível para a SAA moderada a grave. A administração intramuscular de lorazepam pode ser adequada antes de se obter um acesso IV. Em pacientes com insuficiência hepática, deve-se preferir o lorazepam ao clordiazepóxido, para se evitar o risco de sedação prolongada.[5]

As convulsões decorrentes da abstinência alcoólica são, geralmente, autolimitantes. Convulsões recorrentes ou estado de mal epiléptico devem ser tratados com benzodiazepínicos, mas também devem levar à investigação de outras causas das convulsões. Para o tratamento inicial do estado de mal epiléptico relacionado ao álcool, o lorazepam intravenoso é considerado seguro e eficaz.[7] O diazepam intravenoso é uma boa alternativa.[7][89]

Medicamentos antipsicóticos, como o haloperidol, não são recomendados, pois não demonstraram ser benéficos e têm o potencial de reduzir o limiar convulsivo.

As complicações da terapia com benzodiazepínicos incluem sedação excessiva e, com menos frequência, depressão respiratória. Portanto, uma avaliação frequente é necessária. Dá-se preferência aos benzodiazepínicos de ação prolongada, mas em pacientes com doença hepática, são usados os de ação curta para evitar a sobressedação.[6] Os médicos devem estar cientes dos riscos de efeitos viciantes dos agentes de ação mais prolongada; múltiplas doses administradas em um curto período podem causar sedação excessiva e depressão respiratória, principalmente em pacientes que fizeram uso de outros depressores respiratórios, como opioides.[5] Pode ocorrer obstrução das vias aéreas em indivíduos que perdem o tônus muscular faríngeo, principalmente se houver índice de massa corporal (IMC) elevado ou história de apneia obstrutiva do sono.[94]

Há três abordagens para o tratamento da SAA com benzodiazepínicos:[5][95]

  • Sintomas desencadeados: tratamento com medicamentos quando os escores CIWA-Ar estão acima de 8 pontos. Este é o método de dosagem de primeira escolha.[5]

  • Esquema de dosagem fixa: as doses são administradas em intervalos de tempo específicos, podendo-se administrar doses adicionais se necessário, de acordo com os sintomas.

  • Esquema de carga inicial para pacientes com alto risco de abstinência grave: uma alta dose de medicamento de ação prolongada é administrada para alcançar o controle rápido dos sintomas.[5] Os medicamentos recomendados para o esquema de carga inicial são diazepam ou clordiazepóxido.[5] Essa abordagem de tratamento demonstrou reduzir a incidência de convulsão por abstinência alcoólica e delirium em pacientes de alto risco.[5]

Um esquema de carga inicial pode ser recomendado para pacientes com alto risco de abstinência grave.[5] Pode ser administrada uma única dose para pacientes com história de SAA grave, queixa clínica ou cirúrgica aguda concomitante, doença arterial coronariana grave ou em pacientes que apresentam evidências clínicas de SAA com nível de etanol no sangue positivo.[5] Os pacientes com comorbidades cardiovasculares significativas precisam de tratamento agressivo para a abstinência, devido aos efeitos potencialmente prejudiciais da hiperatividade autonômica.[5]

Geralmente, os esquemas ambulatoriais são esquemas de dosagem fixa para reduzir o risco de sintomas súbitos ou de efeito rebote.[5] Nos pacientes cujo tratamento ambulatorial inicial falhar, podem ser necessárias doses mais elevadas de benzodiazepínicos ou medicamentos alternativos; os pacientes podem precisar ser internados para tratamento adicional.[5] Os pacientes internados precisarão de monitoramento cardíaco e oximetria de pulso contínuos e, possivelmente, atendimento na UTI.

Para minimizar o risco de dependência ou uso indevido de benzodiazepínicos, os pacientes tratados em ambiente ambulatorial devem receber prescrição da quantidade mínima de medicamentos; a prescrição deve ser descontinuada assim que o tratamento for concluído.[5]

Os pacientes que fazem uso de benzodiazepínicos devem ser informados sobre os efeitos colaterais, como torpor, e interações medicamentosas com outros depressores do sistema nervoso central e quando combinados com bebidas alcoólicas. Os pacientes também devem ser orientados a não dirigir ou operar maquinário pesado enquanto tomarem benzodiazepínicos.[5]

Terapias adjuvantes

Fenobarbital pode ser benéfico para pacientes que precisam de doses elevadas de benzodiazepínicos para controlar a SAA grave e/ou o delirium por abstinência alcoólica, quando houver alto risco de SAA grave ou complicada, e pode ser usado em conjunto com benzodiazepínicos ou como tratamento com agente único, se os benzodiazepínicos forem contraindicados.[5][85][96][97] Em alguns estudos, fenobarbital foi associado com a redução da necessidade de ventilação mecânica e com a redução nas internações em UTI e duração da estadia em UTI/hospital, embora outros dados não mostrem diferença significativa na evolução/desfecho clínico.[96][97][98][99] Fenobarbital parenteral só deve ser usado na UTI ou em áreas com alto nível de monitoramento.[5]

A dexmedetomidina, um agente sedativo (um agonista alfa-2-adrenérgico), pode ser usado como adjuvante ao benzodiazepínico para o tratamento da SAA na UTI, caso a hiperatividade autonômica, ansiedade e agitação/delirium não sejam controlados de maneira adequada com um benzodiazepínico isolado.[5][100] As evidências para o uso de dexmedetomidina na SAA são limitadas. Dados de um pequeno estudo randomizado sugerem que pacientes que recebem dexmedetomidina podem requerer doses reduzidas de benzodiazepínicos.[101] Achados semelhantes foram relatados em uma série de casos.[102] A dexmedetomidina não tem atividade no receptor do ácido gama-aminobutírico (GABA) e não reduz as convulsões relacionadas à abstinência. Um estudo demonstrou excesso de mortalidade adversa em pacientes em estado crítico com menos de 65 anos que receberam dexmedetomidina como sedação na UTI.[103] Portanto, a dexmedetomidina só deve ser prescrita como adjuvante de um benzodiazepínico, e seu uso é considerado de maneira cuidadosa.

O propofol, um agente anestésico, é reservado a pacientes resistentes à terapia com benzodiazepínico ou àqueles que necessitam de ventilação mecânica.[104] Ele parece ser efetivo, mas está associado a aumentos significativos nos cuidados clínicos, incluindo no tempo de permanência na UTI e no hospital.[18][105] O propofol pode causar depressão respiratória; pacientes que começaram a tomar propofol devem ser internados na UTI.

Suplementação vitamínica

A suplementação vitamínica deve ser considerada em pacientes com transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas e probabilidade de deficiências de vitaminas. A suplementação de tiamina reduz o risco de encefalopatia de Wernicke e da síndrome de Korsakoff.[5] O consumo crônico de álcool resulta na redução da absorção de tiamina; portanto, a administração intravenosa ou intramuscular é recomendada.[18] Os pacientes devem ser tratados em ambiente monitorado. Se houver suspeita de encefalopatia de Wernicke, uma alta dose de tiamina será administrada.[15] Todos os pacientes com SAA internados na UTI devem receber tiamina.[5]

A reposição de folato deve ser considerada em pacientes em estado crítico, pois os transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas estão associados com a hiper-homocisteinemia.[5]

Reposição de fluidos e eletrólitos

Corrija as anormalidades eletrolíticas, inclusive glicose, cálcio, potássio, fósforo e magnésio. A desidratação por vômitos, diarreia ou outras perdas insensíveis podem precisar de correção com fluidoterapia intravenosa.

Não há evidências para dar suporte ao uso de magnésio para o tratamento ou profilaxia da SAA.[5] No entanto, o magnésio deve ser usado para corrigir a hipomagnesemia em pacientes com transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas e é indicado para pacientes com arritmias cardíacas, anormalidades eletrolíticas (por exemplo, hipocalemia) ou história de convulsão por abstinência alcoólica.[5] Hipomagnesemia grave (<1 mg/dL) e pacientes sintomáticos nas situações de emergência podem necessitar de até 2 g/dia de sulfato de magnésio, administrados por infusão intravenosa. O paciente deve ser tratado em ambiente monitorado. Os reflexos tendinosos profundos, bem como a frequência e padrão respiratórios devem ser avaliados periodicamente para monitorar a hipermagnesemia. O manejo adicional da hipomagnesemia deve ser realizado sob os cuidados de um médico especialista e de um médico de atenção primária.

A reposição de fósforo é recomendada na presença de deficiência. Se a deficiência for leve, a reposição pode ser oral/alimentar, com suplementação intravenosa se os níveis estiverem abaixo de 1 mg/dL.

Manejo adicional

Após o manejo bem-sucedido dos sintomas de abstinência, os pacientes devem ser encaminhados à terapia cognitivo-comportamental, a um grupo de apoio ou tratamento clínico para evitar a continuidade do abuso de álcool.

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