Abordagem
Podem haver vários motivos para que pacientes com dependência alcoólica diminuam o consumo ou parem de beber, incluindo problemas financeiros ou sociais, uma iniciativa automotivada ou abstinência da bebida, ou uma afecção clínica aguda (por exemplo, pancreatite, infecção, trauma). Portanto, é essencial uma avaliação detalhada dos motivos e/ou das afecções clínicas subjacentes que possam gerar mudanças no comportamento de consumo de bebidas alcoólicas do indivíduo.
Os pacientes podem se apresentar horas a dias após a última dose, com um espectro de sinais e sintomas de síndrome da abstinência alcoólica (SAA), incluindo hiperatividade autonômica, tremor, inquietação, convulsões e, possivelmente, delirium por abstinência alcoólica (também conhecido como delirium tremens) com risco de vida. Os pacientes podem não ser capazes de fornecer informações precisas sobre o motivo para apresentação. Se possível, as informações devem ser obtidas de outras fontes disponíveis (por exemplo, com a família, amigos, colegas ou profissionais que prestaram atendimento pré-hospitalar) para descartar afecções que podem mimetizar a SAA.[5][10]
Avaliação clínica
Todos os pacientes requerem uma anamnese e um exame físico detalhados para avaliar a gravidade atual da abstinência, e para avaliar o risco de abstinência complicada ou de sintomas com risco de vida.[5] Os pacientes que apresentam convulsão também devem realizar um exame neurológico.[5] Os pacientes devem ser rastreados para transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas usando uma ferramenta de avaliação formal, como AUDIT-C Alcohol Use Disorders Identification Test - Consumption), CAGE ou FAST (Fast Alcohol Screening Test).[3][5][43] [ Questionário AUDIT para rastreamento do consumo de álcool Opens in new window ] Alcohol use disorders identification test consumption (AUDIT C) Opens in new window CAGE questionnaire Opens in new window Fast Alcohol Screening Test (FAST) Opens in new window
A história clínica e medicamentosa do paciente deve ser analisada para se procurarem outras doenças que podem mimetizar a SAA (por exemplo, cetoacidose diabética ou hipoglicemia), ou medicamentos que, potencialmente, podem mascarar os sinais/sintomas de SAA (por exemplo, betabloqueadores).[5] Caso o paciente apresente alucinações, procure identificar se elas estão relacionadas com delirium por abstinência alcoólica, transtorno psicótico induzido por bebidas alcoólicas (alucinose alcoólica) ou outra causa.[5] É importante lembrar que a abstinência alcoólica muitas vezes acompanha outra patologia, inclusive a abstinência de outras substâncias; os pacientes também devem ser rastreados para uso de outras substâncias e potencial síndrome de abstinência.[5] Pode ser útil avaliar o paciente para transtornos psiquiátricos associados, incluindo depressão, usando-se um questionário como o Questionário sobre a saúde do(a) paciente (PHQ-9) ou Transtorno de ansiedade generalizada (TAG 7).[5] O risco de suicídio deve ser avaliado como parte da avaliação inicial do paciente.[5]
A SAA pode ser classificada por tempo (precoce versus tardia) e intensidade (descomplicada versus complicada; e leve, moderada e grave). Além do julgamento clínico, um escore validado deve ser usado para avaliar a gravidade e orientar o tratamento; os exemplos incluem a escala do Clinical Institute Withdrawal Assessment for Alcohol, versão revisada (CIWA-Ar), a Prediction of Alcohol Withdrawal Severity Scale (PAWSS) e a matriz de avaliação de risco dos critérios da ASAM.[5] CIWA-Ar Opens in new window PAWSS Opens in new window
Nenhuma escala demonstrou ser mais efetiva que as outras, mas a avaliação CIWA-Ar é a mais usada.[5] A CIWA-Ar pode ser realizada em aproximadamente 5 minutos, mas requer relatos subjetivos do paciente.[11][24][52] Portanto, pode ser difícil administrar a CIWA-Ar a pacientes agudamente agitados, sedados ou com barreiras linguísticas. Escalas de avaliação simplificadas, como a Brief Alcohol Withdrawal Scale (BAWS), foram desenvolvidas para tratar dessas limitações, mas não foram extensivamente avaliadas.[53] As ferramentas de predição clínica baseadas em combinações de sintomas e sinais podem ser úteis na predição do desenvolvimento de SAA moderada a grave nos pacientes clinicamente doentes/hospitalizados. Uma revisão sistemática avaliou a utilidade preditiva dos sinais e sintomas na identificação dos pacientes em risco para SAA grave e considerou a Prediction of Alcohol Withdrawal Severity Scale (PAWSS) mais útil.[50]
Apresentação por gravidade
SAA leve a moderada (escore CIWA-Ar <10 [leve], 10-19 [moderado]):[5][6]
Náuseas e vômitos
Taquicardia
Anorexia
Ansiedade e agitação
Instabilidade emocional
Insônia
Irritabilidade
Diaforese
Cefaleia
Tremor fino
Agitação.
SAA grave/complicada (CIWA-Ar >19):[5][47][54]
Agravamento do CIWA-Ar ou de outro escore usado para avaliar a gravidade.
Ausência de melhora após duas doses de um benzodiazepínico.
Temperatura alterada, ou pressão arterial alterada, ou glicemia alterada, em conjunto com qualquer característica de abstinência alcoólica.
A hipertensão e a febre são mais comumente observadas que a hipotensão e a hipotermia.
Alucinações visuais, auditivas e táteis
Normalmente são assustadoras e envolvem insetos na pele ou animais rondando o leito.
Ocorrem em cerca de 25% dos pacientes com SAA.
Geralmente se iniciam 12-24 horas após a redução ou interrupção do consumo de bebidas alcoólicas.[5][12]
Nem sempre evoluem para delirium por abstinência alcoólica e, geralmente, remitem em 24-48 horas se nenhum outro sinal ou sintoma de delirium por abstinência alcoólica se desenvolver.[5]
Delirium por abstinência alcoólica[1][2][6]
É uma emergência médica e está presente em cerca de 5% dos pacientes com SAA.[11] O delirium por abstinência alcoólica tende a começar 48-72 horas após a última dose de bebida alcoólica consumida pelo paciente, e os sintomas atingem a intensidade máxima em 5 dias.[1][5][6] As características do delirium por abstinência alcoólica incluem:
Convulsões por abstinência alcoólica:
Normalmente ocorrem nas primeiras 12-48 horas após a última dose de bebida alcoólica, com intensidade máxima em cerca de 24 horas.[1][2][5][12]
Os sinais de uma convulsão iminente podem incluir tremor, hipertensão, taquicardia, febre e hiper-reflexia, embora as convulsões por abstinência alcoólica possa ocorrer na ausência de outros sinais ou sintomas clínicos de abstinência aguda.[5]
Os pacientes com história de convulsão por abstinência alcoólica ou aqueles que tiverem apresentado convulsão em decorrência de abstinência alcoólica aguda têm alto risco de convulsões recorrentes.[5]
Os fatores de risco para abstinência alcoólica grave ou complicada incluem:[5]
Comorbidades clínicas ou cirúrgicas, em particular lesão cerebral traumática (LCT).
Idade acima de 65 anos, embora isso possa ser confundido pela associação da idade com o número e a complexidade maiores das comorbidades.
Duração do consumo de bebidas alcoólicas - o consumo regular e excessivo de bebidas alcoólicas por um período prolongado pode aumentar o risco de abstinência grave, embora isso possa estar associado com a idade e a presença de comorbidades.
Convulsões durante o episódio vigente ou prévio de abstinência. Após uma convulsão, o risco de uma nova convulsão e evolução para delirium por abstinência alcoólica é elevado.
Apresentação com hiperatividade autonômica significativa com escore CIWA-Ar acima de 10.
Dependência concomitante de medicamentos ou outras substâncias, em particular o uso de benzodiazepínicos ou barbitúricos, com dependência fisiológica.
Dependência fisiológica de outra substância aditiva vigente ou abstinência de outra substância.
Sinais e sintomas de abstinência com nível detectável de álcool no sangue estão associados com a SAA grave e complicada, pois a SAA normalmente só se desenvolve quando os níveis de etanol no sangue caem em um período de abstinência alcoólica ou redução do consumo.
Evidências clínicas de transtorno psiquiátrico ativo coexistente.
Exames laboratoriais e de imagem
Não há exames laboratoriais ou estudos de imagem específicos para o diagnóstico da SAA; ela é um diagnóstico clínico. Exames laboratoriais básicos, como hemograma completo, eletrólitos, teste da função hepática (por exemplo, aspartato aminotransferase e alanina aminotransferase) e nível de glicose devem ser obtidos para descartar outras causas da apresentação do paciente (como encefalopatia urêmica), infecções, hipoglicemia, anormalidades eletrolíticas associadas ao uso de bebidas alcoólicas ou desidratação (por exemplo, em paciente com delirium) e para orientar o tratamento clínico; por exemplo, na presença de função hepática comprometida, que precisaria de ajuste da dosagem de medicamentos.[5] Estudos por imagem, como radiografia torácica e tomografia computadorizada (TC) cerebral, podem ser obtidos para se descartarem patologias cardiopulmonares e intracranianas que mimetizem uma abstinência alcoólica. Caso o paciente apresente um novo episódio de convulsão, ou caso haja um novo padrão de convulsão em um paciente com história de convulsão por abstinência, um eletroencefalograma (EEG) e/ou neuroimagem podem ser indicados.[5] A avaliação inicial também pode incluir o rastreamento de doenças com alto índice de ocorrência concomitante com abstinência alcoólica, como hepatite, tuberculose e HIV.[5]
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