Abordagem

A encefalite é uma emergência médica, portanto, o manejo consiste em medidas básicas de reanimação para assegurar a adequação das vias aéreas, a respiração e a circulação, e em terapia antiviral empírica em casos de suspeita de encefalite viral concomitante às etapas do diagnóstico.[48]

Todos os casos suspeitos de encefalite devem ser hospitalizados e totalmente avaliados. Alguns pacientes com sinais e sintomas mais brandos podem ser manejados em uma unidade de cuidados regulares, com acesso a um leito de unidade de terapia intensiva (UTI), caso necessário. Todos os outros pacientes, em especial aqueles com complicações (por exemplo, anormalidades eletrolíticas significativas, acidente vascular cerebral [AVC], hipertensão intracraniana [PIC], edema cerebral, coma, convulsões ou estado de mal epiléptico), devem ser manejados em uma UTI, de preferência em uma unidade de cuidados neurointensivos.[33][84]

O isolamento imediato é necessário para todas as formas de encefalite até que a etiologia seja determinada; encefalites com transmissão por via aérea ou contato para hospedeiros imunocompetentes (vírus do herpes simples [HSV], varicela, caxumba, rubéola, enterovírus, infecções virais das vias respiratórias superiores) requerem isolamento de acordo com os regulamentos locais. O laboratório de microbiologia deve ser alertado se houver suspeita de organismos incomuns (por exemplo, Treponema pallidum, espécies de Listeria, espécies de Mycoplasma, Rickettsia rickettsii), para os quais procedimentos microbiológicos especiais são necessários.[26]​ A maioria dos casos de encefalite infecciosa envolve colaboração estreita entre os médicos responsáveis pelo tratamento e a equipe de infectologia.

A etiologia é frequentemente desconhecida e, portanto, não existem opções de tratamento específicas para a maioria dos casos. No entanto, para os casos em que o diagnóstico seja razoavelmente seguro, o tratamento é direcionado para o agente desencadeante subjacente, se disponível (por exemplo, antivirais para encefalite viral; medidas anti-infecciosas apropriadas em infecções bacterianas, fúngicas ou parasitárias).

Medidas de suporte

Os cuidados de suporte são a base do tratamento na maioria dos casos. Isso pode incluir intubação endotraqueal e ventilação mecânica, suporte circulatório e de eletrólitos, prevenção e manejo das infecções bacterianas secundárias, profilaxia de trombose venosa profunda e profilaxia gastrointestinal (úlcera). A terapia antirretroviral é um tratamento importante em todos os casos de encefalite associada ao HIV (seja devido ao próprio HIV ou a uma infecção oportunista); na encefalite por CD8, os pacientes respondem bem aos corticosteroides.[85][86]​ Para certas infecções oportunistas, como criptococo, a terapia antirretroviral deve ser protelada com base nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde.[87][88]​​[89]

Em pacientes com PIC elevada, as medidas iniciais são elevação da cabeceira da cama em 30° a 45°, evitando compressão das veias jugulares e breves episódios de hiperventilação.[90]​ Subsequentemente, a terapia hiperosmolar com manitol em bolus ou solução salina hipertônica pode ser usada para reduzir a PIC.[91]​ Em crianças com PIC elevada, manter a pressão de perfusão cerebral ≥60 mmHg, usando soro fisiológico em bolus e dopamina em terapia vasoativa, pode ser melhor que manter a pressão intracraniana <20 mmHg, usando-se a osmoterapia enquanto se garante uma pressão arterial normal, na redução da mortalidade e morbidade.[92]

Terapias antivirais

Todos os casos de suspeita de encefalite viral adquirida na comunidade são tratados inicialmente com aciclovir empiricamente até que a causa seja determinada.[13] Como a maioria dos casos esporádicos de encefalite viral são secundários ao HSV, essa é uma boa prática clínica sustentada por ensaios clínicos randomizados e controlados que utilizaram biópsias comprovativas, tendo demonstrado redução da mortalidade.​[48][93]​​ Atrasos no início do tratamento de mais de 48 horas após a internação hospitalar estão associados a um desfecho pior em crianças e adultos.​[13][94]​ Em um paciente imunodeprimido, a encefalite por citomegalovírus (CMV) pode ser considerada. Em caso de suspeita, administrar ganciclovir e foscarnete com aciclovir até que a reação em cadeia da polimerase do HSV esteja disponível. Se a encefalite por HSV for descartada, o aciclovir poderá ser descontinuado. Em alguns casos, os achados da ressonância nuclear magnética e as características clínicas sugerem fortemente um diagnóstico de encefalite por CMV. Assim, o aciclovir pode não ser necessário.

Vírus específicos e medicamentos usados contra eles são:[95]

  • HSV-1 e HSV-2: aciclovir.

  • Vírus da varicela-zóster (VZV): aciclovir.

  • CMV: ganciclovir associado a foscarnete.

  • Vírus Epstein-Barr (EBV): aciclovir é a terapia de primeira linha em suspeita de encefalite viral. Porém, quando o diagnóstico de encefalite por EBV é confirmado, o cidofovir é uma alternativa possível.

  • Vírus do herpes B: ganciclovir ou aciclovir (terapia intravenosa pode ser preferível em vez da terapia oral). Para a profilaxia pós-exposição, o valaciclovir é o agente de escolha.

  • Herpes humano 6: o ganciclovir ou o foscarnete devem ser usados em pacientes imunocomprometidos. No entanto, o uso desses agentes em pacientes imunocompetentes também pode ser considerado, mas não há dados de qualidade quanto à sua efetividade.

Corticosteroides

O papel dos corticosteroides na encefalite viral para reduzir a inflamação associada à infecção é uma área de estudo em andamento.[96]​ Até o momento, há dados limitados sobre o benefício dos corticosteroides adjuvantes para o tratamento da encefalite viral e as diretrizes não dão suporte ao seu uso rotineiro.​[13]​​​[48][97]​ Uma metanálise (n=281 pacientes com encefalite viral; 120 receberam corticosteroides) não encontrou benefício do tratamento com corticosteroides na sobrevida.[98]​ Os resultados de um ensaio clínico randomizado e controlado multicêntrico sobre encefalite por HSV são atualmente aguardados.[99]

​Corticosteroides intravenosos em altas doses são considerados terapia de primeira linha para encefalomielite disseminada aguda (EMDA).[18]​ Corticosteroides em altas doses também são recomendados para encefalite autoimune, uma vez que a infecção seja descartada com base nos resultados básicos do LCR (por exemplo, número de células) e se a biópsia para linfoma primário do SNC ou neurossarcoidose não for uma consideração. Nesses pacientes, recomenda-se imunoterapia com corticosteroide em altas doses.[39]​ A duração da corticoterapia deve ser curta (3 a 7 dias) para minimizar os efeitos adversos (por exemplo, sangramentos gastrointestinais, predisposição a infecções bacterianas secundárias, distúrbios neuropsiquiátricos).[39]​ OS corticosteroides não devem ser prescritos antes da consulta com especialistas.

Intervenção cirúrgica

Dispositivos de monitoração, como cateter ou pinos, podem ser usados para medir a pressão intracraniana (PIC). O uso de shunt (derivação) ou descompressão cirúrgica (por craniectomia) é indicado em alguns casos nos quais o tratamento clínico (corticosteroides, manitol) tenha falhado no controle da hipertensão intracraniana e em hérnia uncal iminente.[100] Isso pode ser considerado independentemente da etiologia da encefalite; entretanto, a maioria dos dados de desfecho foram publicados para encefalite viral. Em alguns casos de encefalite por HSV, foi demonstrado que a descompressão cirúrgica melhora o desfecho.[101]

Terapia para etiologias não virais

Se o quadro clínico e testes iniciais sugerirem uma encefalite infecciosa não viral (bacteriana, fúngica, parasitária), a terapêutica antimicrobiana apropriada é iniciada.

Quando a avaliação inicial não dá suporte a uma causa infecciosa e há suspeita de uma causa autoimune, deve-se considerar imunoterapia agressiva com corticosteroides intravenosos, imunoglobulina ou plasmaférese.​[1][102]​​​ A decisão de combater a infecção ou suprimir o sistema imunológico precisa ser balanceada em cada caso.

Infecções hemogênicas podem raramente ser transmitidas por imunoglobulina. Pacientes deficientes em imunoglobulina (Ig)A correm risco de reações alérgicas (atualmente isso é um problema menor, já que as tecnologias usadas para preparar imunoglobulina garantem a remoção da maior parte de IgA). A plasmaférese é realizada colocando-se um cateter de duplo lúmen em uma veia central, filtrando e substituindo mecanicamente o plasma do paciente por um pool de plasma de doadores. Isso é feito em uma consulta a um hematologista.

Casos com estado mental persistentemente alterado sem resposta clínica à terapia de primeira linha devem ser tratados com rituximabe e/ou ciclofosfamida.[31][51][52][103][104]​​​​ Na maioria dos casos recém-diagnosticados, é difícil determinar clinicamente se a encefalite autoimune é mediada por anticorpos ou por células antes que os resultados dos anticorpos estejam disponíveis.[105] Algumas pistas clínicas podem ajudar o médico a chegar a uma hipótese preliminar sobre a etiologia (por exemplo, anticorpos anti-proteína 1 rica em leucina inativada por glioma estão associados a convulsões distônicas faciobraquiais, como movimentos rápidos da face e/ou braço e ombro ipsilaterais, enquanto pacientes com risco de câncer conhecido ou aumentado têm maior probabilidade de ter encefalite autoimune mediada por células).[39] Com base nessas pistas, os médicos podem decidir usar rituximabe ou ciclofosfamida como agente de segunda linha se os resultados de anticorpos estiverem atrasados ou se não houver acesso ao teste de anticorpos.[39] O rituximabe agora é geralmente a escolha em relação à ciclofosfamida se a monoterapia for usada em casos de autoimunidade mediada por anticorpos altamente suspeitos (por exemplo, encefalite antirreceptor N-metil-D-aspartato).[106] O rituximabe é menos tóxico que a ciclofosfamida.[39][107]​ A ciclofosfamida pode ser considerada se o rituximabe for contraindicado ou não estiver disponível nesses casos.[106] Alguns pacientes podem ser tratados com uma combinação de rituximabe e ciclofosfamida.[105] A ciclofosfamida pode ser considerada na autoimunidade mediada por células conhecida ou altamente suspeita (por exemplo, síndrome paraneoplásica clássica), uma vez que o rituximabe pode não ser tão eficaz para a inflamação mediada por células.[39] Alguns pacientes podem ser tratados com uma combinação de ciclofosfamida e rituximabe.[105]

O manejo da encefalite autoimune associada à neoplasia maligna (ou seja, encefalite paraneoplásica) envolve testes de diagnóstico e tratamento do tumor subjacente. No entanto, para evitar o risco de sequelas permanentes, o tratamento direcionado à síndrome paraneoplásica não deve ser protelado pela falha em identificar o tumor subjacente. A ooforectomia é indicada como tratamento agudo se teratomas ovarianos estiverem presentes. A ressecção do tumor está associada a uma taxa mais rápida de recuperação e à redução da taxa de recidiva.[31][108]

Os corticosteroides em altas doses são indicados por especialistas para pacientes com encefalomielite disseminada aguda.​[109]​​[110]​ Em casos nos quais os corticosteroides não demonstram qualquer benefício, a plasmaférese ou a imunoglobulina podem ser consideradas.​[109]

Reabilitação

Os resultados de uma revisão sistemática sugeriram que intervenções de reabilitação, incluindo terapia cognitiva, terapia comportamental e fisioterapia, podem ajudar a melhorar a funcionalidade em crianças e adultos após encefalite infecciosa. No entanto, a maioria dos estudos incluídos foi de natureza observacional.[111]

Um estudo retrospectivo baseado em 8 pacientes observou que, ainda que os pacientes com encefalite possam obter alguns ganhos funcionais com terapia de reabilitação aguda, a taxa de recuperação varia e é geralmente menor que a de AVC e de lesão cerebral traumática.[112] Os tratamentos não farmacológicos mais frequentemente usados para tratar demência e apatia após a encefalite são musicoterapia e reabilitação cognitiva.[113]

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