Abordagem
A encefalite é uma emergência médica.[33] Um início agudo ou subagudo de uma doença febril, estado mental alterado, anormalidades neurológicas focais e convulsões levantam suspeitas dessa condição.[13][48] O principal diferencial para se fazer a distinção é a encefalopatia secundária a distúrbios metabólicos ou tóxicos, que está mais associada a sintomas sistêmicos e generalizados (como mioclonia ou asterixis [flapping]) e normalmente não apresenta os achados focais observados na encefalite. Quando uma doença primária do sistema nervoso central for suspeita, a abordagem diagnóstica é direcionada para determinação da etiologia e terapia apropriada (isto é, encontrar os agentes antivirais ou antibacterianos adequados versus imunoterapia).
Avaliação clínica
A história pode oferecer fatores de diferenciação. Idade (extremidades etárias), cronicidade da doença e estado imune (HIV, transplante de órgão, medicamentos imunossupressores) são aspectos importantes a serem analisados. A época do ano (verão), a localização geográfica, o histórico de viagens recentes e outros históricos de exposição (incluindo ocupacional, vetorial, animal, contatos doentes, água, sexual) são considerações adicionais.[26] Outros fatores a serem considerados são doença viral recente, vacinação ou uma história de distúrbios autoimunes ou neoplasias malignas.
Aspectos gerais no exame físico, como erupções cutâneas e/ou picadas, parotidite ou comprometimento do trato respiratório superior, podem sugerir um agente etiológico específico. O estado mental alterado é típico, e varia de alterações sutis no grau de resposta aos estímulos e anormalidades no comportamento ao coma. Letargia, torpor, confusão e desorientação podem ser observados.[13] Achados neurológicos focais são comuns e incluem hemiparesia, ataxia, sinais piramidais (reflexos tendinosos vivos, reflexos cutâneo-plantares em extensão), deficits em nervos cranianos, movimentos involuntários (mioclonia e tremores) podem ocorrer.
Problemas comportamentais cognitivos frequentemente ocorrem e incluem: personalidade alterada, isolamento, mutismo acinético, comportamento bizarro, problemas de memória e estado de amnésia. Convulsões de todas as variedades ocorrem; crises parciais complexas são mais comumente observadas. Sinais de meningoencefalite (por exemplo, cefaleia, fotofobia, rigidez de nuca) estão presentes em pacientes com inflamação das meninges. Os sintomas e sinais de doença sistêmica, como febre ou sintomas do trato respiratório superior ou gastrointestinais, podem preceder ou ocorrer concomitantemente às outras características observadas. Outros sinais e sintomas menos comuns incluem distúrbios autonômicos e hipotalâmicos, pericardite/miocardite, artrite, retinite e paralisia flácida aguda, dependendo do patógeno causador.[13]
A encefalite autoimune associada a anticorpos anti-superfície direcionados a antígenos de superfície neuronal ou sinápticos apresenta uma ampla gama de características, mas ocorrem síndromes clínicas bem reconhecidas. Geralmente, a encefalite límbica com anticorpos contra a proteína 1 rica em leucina inativada por glioma (LGI1) afeta pacientes idosos e está associada com convulsões distônicas faciobraquiais (por exemplo, espasmos rápidos no rosto e/ou braço e ombro ipsilateral) antes de desenvolver convulsão franca, alterações comportamentais e comprometimento cognitivo.[49][50] A encefalite límbica associada com anticorpos contra proteína 2 associada à contactina (CASPR2) está relacionada com o comprometimento do sistema nervoso periférico, inclusive neuromiotonia e síndrome de dor neuropática. A encefalite anti-receptor N-metil-D-aspartato (Anti-NMDA-R) é marcada por início rápido (menos de três meses) e afeta principalmente pacientes jovens, com predominância do sexo feminino.[31] Suas características incluem comportamento e cognição anormais no início, deficit de memória, distúrbio da fala, convulsão, movimentos anormais (por exemplo, discinesia orofacial, dos membros ou do tronco), redução do nível de consciência e disfunção autonômica ou hipoventilação central.[51] Sintomas psiquiátricos, incluindo agitação, alucinações, delírios e catatonia, são sintomas de apresentação comuns.[52]
Investigações necessárias para todos os pacientes
A punção lombar é recomendada para pacientes com suspeita de encefalite, desde que não haja contraindicação.[13] As contraindicações à punção lombar incluem efeito de massa que pode causar hérnia, coagulopatia, preocupação com abscesso na coluna lombar ou lesão cutânea aberta no local de entrada. Geralmente, três ou quatro tubos de líquido cefalorraquidiano (LCR) são coletados por punção lombar para estudos diagnósticos. O primeiro tubo tem o maior potencial de contaminação com a flora da pele e não deve ser enviado ao laboratório de microbiologia para esfregaços diretos, cultura ou estudos moleculares.[26] Um mínimo de 0.5 a 1.0 mL de LCR deve ser enviado imediatamente após a coleta ao laboratório de microbiologia em um recipiente estéril para teste bacteriano.[26] Volumes maiores (5-10 mL) aumentam a sensibilidade da cultura e são necessários para a identificação ideal de micobactérias, fungos ou neoplasia maligna.[26] O LCR não deve ser refrigerado.[26]
As investigações de rotina em todos os pacientes devem incluir:[26][33]
Líquido cefalorraquidiano (LCR):
Pressão de abertura
Celularidade
Proteína
Glicose
coloração de Gram
Cultura bacteriana
Reação em cadeia da polimerase para vírus do herpes simples-1/2
Reação em cadeia da polimerase do enterovírus
Sarampo, caxumba (se não vacinado)
Eritrovírus B19
Gripe (influenza) (dependendo da época)
Armazene a amostra residual para exames adicionais.
Soro:
Hemograma completo
Eletrólitos séricos/teste da função hepática
Hemoculturas (dois conjuntos)
Guardar para testes adicionais
Exame de imagem:
Radiografia torácica
Neuroimagem (RNM com contraste é o estudo de escolha; no entanto, a TC pode estar mais prontamente disponível e produzir imagens de melhor qualidade em um paciente não cooperativo)
O eletroencefalograma pode ser indicado para investigar convulsões, estado de mal epiléptico e alterações de comportamento ou consciência.[13][48]
Investigações adicionais são necessárias para grupos específicos
Adultos
LCR
Reação em cadeia da polimerase para vírus da varicela-zóster (VZV), IgG/IgM anti-VZV
Coloração para antígenos criptocócicos e/ou tinta nanquim
Bandas oligoclonais e índice de IgG
Venereal Disease Research Laboratory (VDRL), teste de absorção do anticorpo treponêmico fluorescente (FTA-ABS)
Teste do vírus do Nilo Ocidental (IgM contra Nilo Ocidental)
Soro
Sorologia para HIV (considerar ácido ribonucleico [RNA])
Teste não treponêmico (VDRL, reagina plasmática rápida, teste do antígeno recombinante de sífilis de ensaio de imunocaptura), com teste treponêmico em caso de resultados positivos/duvidosos (FTA-ABS, ensaio imunoenzimático ou ensaio de micro-hemaglutinação)
Garganta
Testes de detecção de antígeno e reação em cadeia da polimerase são realizados em swabs de garganta para detectar enterovírus, poliovírus, citomegalovírus, adenovírus, caxumba, sarampo, gripe (influenza) e parainfluenza[13]
Crianças
LCR
Rotavírus (se não vacinada)
Soro
Sorologia do vírus Epstein-Barr (EBV) (IgG e IgM anti-antígeno do capsídeo viral e IgG anti-antígeno nuclear de EBV)
IgM e IgG de Mycoplasma pneumoniae
Aspirado de nasofaringe/trato respiratório
Reação em cadeia da polimerase para gripe (influenza)/adenovírus
Pacientes imunossuprimidos
LCR
Reação em cadeia da polimerase para citomegalovírus
Reação em cadeia da polimerase do vírus Epstein-Barr
Reação em cadeia da polimerase para herpes-vírus humano do tipo 6/7
Reação em cadeia da polimerase para HIV
Reação em cadeia da polimerase para vírus JC
Sorologia para Toxoplasma gondii e/ou reação em cadeia da polimerase
Teste de Mycobacterium tuberculosis (reação em cadeia da polimerase para TB e cultura de BAAR)
Exame para fungos
Outros exames a serem considerados
Anticorpos IgG/IgM específicos para o vírus no LCR e reação em cadeia da polimerase sérica (se houver suspeita de etiologia viral).[26]
Sequenciamento do gene do RNA ribossômico (rRNA) 16S sérico para bactérias, bacilos álcool-ácido resistentes, fungos.
Soro para anticorpos contra LGI1 ou CASPR2 e anticorpos contra o receptor NMDA. Positividade do canal de potássio dependente de voltagem, na ausência de anticorpos contra LGI1 ou CASPR2, pode não ser um marcador real da doença.[1][53]
Teste de anticorpos paraneoplásicos no LCR e no soro se houver suspeita clínica.[54] Até 14% dos pacientes com encefalite associada a anticorpos contra o receptor N-metil-D-aspartato (NMDA) apresentam anticorpos no LCR, mas não no soro. A evolução clínica para estar mais relacionada com anticorpos no LCR que com anticorpos séricos.[55]
A análise do LCR para anticorpos contra o receptor NMDA pode ser útil em pacientes com sintomas recidivantes após encefalite devida ao vírus do herpes (HSE), se a suspeita de encefalite autoimune der suporte a isso. Em 20% dos pacientes com HSE, podem ser desencadeados anticorpos contra o receptor NMDA.[56][57][58] Esses pacientes podem apresentar resposta à imunoterapia.[59]
Coprocultura (obtida com mais frequência em crianças quando os sintomas gastrointestinais precedem a encefalite, ou quando há suspeita de enterovírus).
Cultura de escarro (para micoplasma, tuberculose [coloração álcool-ácido resistente] e infecções fúngicas).
Reação em cadeia da polimerase no escarro (em crianças, para Mycoplasma pneumoniae e enterovírus).
Exame de arbovírus: se houver suspeita de infecção por arbovírus, deve-se buscar orientações específicas sobre o teste, como as definidas pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças. CDC: Division of vector-borne diseases (DVBD) Opens in new window
Ensaio de conversão induzida por estremecimento em tempo real (RT-QuIC) no LCR se houver suspeita de doença do príon. Consulte Doença do príon.
Biópsia cerebral: apesar de ser o teste diagnóstico mais específico, a biópsia cerebral não é realizada rotineiramente devido à sua natureza invasiva, à disponibilidade restrita e ao fato de que hoje existem técnicas de amplificação de DNA amplamente disponíveis para identificar causas virológicas. Quando o diagnóstico é incerto e o prognóstico continua ruim, a biópsia cerebral pode ser essencial. Importante para o diagnóstico e tratamento, a biópsia cerebral também pode fornecer uma pista etiológica.[60] As diretrizes do Reino Unido recomendam considerar a biópsia estereotáxica em pacientes com suspeita de encefalite nos quais nenhum diagnóstico foi feito após a primeira semana, especialmente se houver anormalidades focais na imagem e nenhuma melhora clínica.[13]
Tomografia computadorizada (TC) do corpo inteiro e tomografia por emissão de pósitrons (PET) do corpo inteiro (realizadas se houver suspeita de câncer subjacente).
A ultrassonografia abdominal/pélvica pode ser útil se houver suspeita de encefalite r as associada a anticorpos contra o receptor NMDA; até 58% das pacientes jovens do sexo feminino apresentam teratoma ovariano.[52]
Se o rastreamento de neoplasia maligna for negativo, pode-se considerar repetir o exame após 3 a 6 meses caso o autoanticorpo encontrado esteja fortemente associado com malignidade.[1][52]
Testes adicionais (geralmente restritos a centros acadêmicos)
Espectroscopia por ressonância magnética
Técnicas de imagem avançadas fornecem dados metabólicos que podem ser usados para esclarecer as áreas anormais do cérebro e identificar a etiologia. Elas são obtidas em pacientes com um diagnóstico clínico de encefalite, mas nos quais a etiologia é desconhecida, ou quando há suspeita de diagnóstico de encefalite, mas que não pode ser diferenciada de tumor cerebral (por exemplo, por exames de primeira linha).
Sequenciamento de próxima geração de LCR
Ao contrário da amplificação por reação em cadeia da polimerase direcionada de um número selecionado de alvos, uma tecnologia agora está disponível para detectar organismos de uma maneira não sujeita a vieses. O material genético é isolado dos organismos e sequências selecionadas de DNA e RNA podem ser amplificadas com iniciadores universais. Em seguida, a sequência é comparada com sequências disponíveis publicamente para identificar o organismo. Além disso, o sequenciamento sem viés de nova geração fornecerá uma ferramenta poderosa para identificar potencialmente novos agentes infecciosos e/ou potencialmente tratáveis.
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