Abordagem

O tratamento do carcinoma hepatocelular (CHC) é afetado pelo grau de disfunção hepática e pela capacidade funcional do paciente, além da carga tumoral.[3]​ Ressecção hepática, transplante de fígado e terapias ablativas são consideradas opções de tratamento curativo para o CHC. [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​ Dados comparativos de ensaios clínicos randomizados são limitados ou ausentes, e as decisões sobre o tratamento adequado para o paciente individual baseiam-se nos índices de cura descritos em séries de casos.

As terapias não curativas, como quimioembolização transarterial (TACE), radioembolização transarterial (TARE) e quimioterapia sistêmica, visam retardar a progressão do tumor e, consequentemente, prolongar a sobrevida.

Para obter detalhes sobre o sistema de estadiamento da Barcelona Clinic Liver Cancer (BCLC), consulte Critérios diagnósticos.

BCLC estádio 0-A (muito precoce 0, ou doença em estágio inicial A): possível candidato cirúrgico (boa função hepática)

A ressecção cirúrgica é o tratamento curativo ideal para CHC em pacientes com CHC solitário sem invasão vascular e funções normais da síntese hepática sem evidência de hipertensão portal.[6][7][56][84]​ A American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD) recomenda que a ressecção cirúrgica seja o tratamento de primeira escolha para o CHC localizado na ausência de cirrose subjacente.[3]​ Ela também pode ser considerada nos pacientes com cirrose com carga tumoral limitada, cirrose bem compensada sem hipertensão portal clinicamente significativa e um futuro remanescente hepático adequado (tipicamente >40%).[3]​ A ressecção hepática também é a opção de primeira escolha para pacientes com CHC induzido pela hepatite B sem cirrose. Os critérios para a ressecção com base no estadiamento da BCLC incluem:[84]

  • Um CHC solitário confinado ao fígado

  • Nenhuma evidência radiográfica de invasão das vasculaturas hepáticas

  • Nenhuma evidência radiográfica de qualquer metástase contígua ou distante

  • Função hepática bem preservada sem hipertensão portal.

Estabelecer reserva hepática suficiente antes de considerar a ressecção do CHC é importante; existe o risco de potencial insuficiência hepática após ressecção em fígados cirróticos. A taxa de sobrevida em 5 anos é de até 90% em pacientes cuidadosamente selecionados.[85] A hemorragia pós-operatória e a insuficiência hepática são as complicações mais comuns após a ressecção. Essas complicações são mais comuns em pacientes com cirrose e com reserva funcional deficiente. Metanálises mostraram que a hepatectomia laparoscópica é segura e praticável em pacientes selecionados de CHC; os pacientes que a fizeram têm menos necessidade de transfusão de sangue, permanências mais curtas no hospital e menos complicações pós-operatórias.[86][87]​​ O tratamento dos pacientes com comorbidades deve ser decidido com base em cada caso e depende da gravidade da comorbidade e do estado funcional do paciente.

A ablação por radiofrequência (ARF) é um tratamento curativo que pode ser considerado como uma terapia alternativa de primeira linha para CHC em estádio muito precoce (BCLC-0) e precoce (BCLC-A).[3][6][7]​​​​​[80]​​ Uma metanálise constatou que a sobrevida global em 5 anos e as taxas de recorrência foram semelhantes em pacientes com CHC em estádio muito precoce tratados com ARF, em comparação com pacientes tratados com ressecção cirúrgica.[88] Uma revisão Cochrane não encontrou evidências de diferenças na mortalidade por todas as causas no acompanhamento máximo entre a cirurgia e a ARF em indivíduos com CHC em estádio muito inicial ou inicial que eram elegíveis para cirurgia.[89] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​​ A mortalidade relacionada ao câncer foi menor no grupo da cirurgia, em comparação com o grupo da ARF (razão de chances 0.35, intervalo de confiança [IC] de 95% 0.19 a 0.65). Os eventos adversos graves foram maiores no grupo da cirurgia, em comparação com o grupo da ARF (razão de chances 17.96, IC de 95% 2.28 a 141.60). De maneira geral, a qualidade das evidências foi baixa, e recomenda-se a realização de ensaios clínicos randomizados e controlados adicionais.[89] A ablação por micro-ondas (AMO) é uma forma alternativa de ablação térmica. A AMO é menos afetada pelo efeito dissipador de calor, em comparação com a ARF, significando que a eficácia do tratamento é menos afetada por vasos localizados perto do tumor.[90] Até o momento, nenhuma boa evidência favorece uma forma de ablação térmica em detrimento da outra. Uma metanálise, a qual incluiu apenas ensaios clínicos randomizados e controlados, constatou que a AMO pode reduzir a recorrência distante e melhorar a sobrevida a 5 anos, em comparação com a ARF.[91]​ Outra metanálise constatou que há maior ablação total e menor progressão do tumor local com AMO, em comparação com a ARF, sem diferença nas duas modalidades de sobrevida.[92]

Os desfechos da AMO laparoscópica e percutânea e da AMO e ARF foram comparados em pacientes com CHC e metástases hepáticas colorretais com lesões <5 cm.[93][94]​​​ Embora as evidências sejam limitadas, perfis de segurança e viabilidade semelhantes foram observados para AMO e ARF, e qualquer uma das técnicas pode ser considerada em pacientes adequadamente selecionados.[94]​ Desfechos semelhantes foram observados com AMO laparoscópica e percutânea.[93][94]​ Enquanto a AMO laparoscópica apresentou melhor controle local, a AMO percutânea apresentou menores taxas de complicação, sugerindo que qualquer abordagem pode ser usada dependendo de fatores específicos do paciente.[94]

Estádio 0-A da BCLC (doença muito inicial 0 ou inicial A): não candidato à ressecção hepática

Transplante de fígado

O transplante de fígado possibilita ao paciente a cura do câncer e da doença hepática subjacente. É uma opção para os pacientes que têm um alto escore no modelo para doença hepática terminal (Model End-Stage Liver Disease, MELD), com CHC dentro dos critérios de Milão.

Os pacientes são selecionados para o transplante de fígado de acordo com os critérios de Milão (adotados pela United Network for Organ Sharing):[3][69]

  • Uma lesão única entre 1 e 5 cm

  • Ou 2-3 lesões entre 1 e 3 cm

  • Sem evidência de invasão vascular macroscópica

  • Sem linfonodo regional ou metástase extra-hepática distante, e

  • Com boa capacidade funcional de atividade.

Muitos pacientes elegíveis para o transplante de fígado podem se tornar inelegíveis devido a uma deterioração no quadro clínico (como consequência do período prolongado de espera na lista de espera de doador cadáver). Portanto, o transplante de doador vivo é uma alternativa. Uma revisão sistemática contatou que o transplante de fígado de doador vivo para CHC tem desfechos de sobrevida e perioperatórios comparáveis ao da doação de doadores falecidos.[95]

Ablação por radiofrequência (ARF)

A ARF é o padrão de cuidados para CHC em estádio muito inicial ou inicial em pacientes que não são candidatos a ressecção ou transplante.[6][7][80] A ARF pode ser usada como terapia-ponte para minimizar o risco de evolução do tumor enquanto os pacientes aguardam o transplante, principalmente se o tempo de espera for superior a 3-6 meses.[6][7]

O princípio básico é a geração de calor, que induz a necrose coagulativa do tumor. A ablação térmica é mais eficaz em tumores ≤3 cm e é contraindicada em lesões em locais específicos, como no domo do fígado, perto de grandes vasos, perto da árvore biliar ou perto de órgãos como a vesícula biliar, devido ao risco de lesão a essas estruturas.[6][7]

Quimioembolização transarterial (TACE)

A TACE pode ser usada como terapia-ponte para minimizar o risco de evolução do tumor enquanto os pacientes aguardam o transplante, principalmente se o tempo de espera for superior a 3-6 meses.[6][7]

A TACE também pode beneficiar pacientes assintomáticos selecionados com função hepática mantida (estádio A da BCLC a estádio B da BCLC de doença inicial intermediária) com carga tumoral baixa, que não são candidatos à cirurgia ou ablação local.[6]

A TACE usa gelatina para obstruir o suprimento de sangue arterial do tumor e induzir a necrose isquêmica do tumor.

Radioembolização transarterial (TARE)

A TARE (também conhecida como radioterapia interna seletiva [SIRT]) com ítrio-90 é outra terapia transarterial que pode ser usada para reduzir o estágio ou como ponte para pacientes antes do transplante ou ressecção. A TARE envolve uma injeção transarterial de microesferas marcadas com ítrio-90 que emitem partículas beta prejudiciais; isso causa a morte celular induzida por radiação local, minimizando os danos ao tecido circundante.[90] Em um ensaio clínico multicêntrico e de fase 3 realizado na França, os pacientes com CHC localmente avançado inoperável (Child-Pugh classes A5 a B7) randomizados para TARE versus sorafenibe não apresentaram diferenças na sobrevida global; no entanto, a TARE foi associada a taxas de resposta maiores, progressão mais lenta do tumor no fígado, e menos eventos adversos.[96] Outro estudo multicêntrico na Ásia relatou resultados semelhantes.[97]

Injeção percutânea de etanol (IPE)

A IPE é uma alternativa razoável para pacientes com CHC em estádio 0-A da BCLC que não são candidatos para cirurgia ou ablação térmica.​[80][87]

O princípio básico da IPE é a destruição do tumor por substâncias químicas.

A IPE é eficaz para CHC menor de 2 cm; pode não causar necrose suficiente de grandes tumores devido ao tamanho e volume. Constatou-se que 96% dos pacientes com tumores ≤2 cm alcançam resposta completa à IPE, em comparação com 78% dos pacientes com tumores de 2.1 cm a 3.0 cm e 56% dos pacientes com tumores >3 cm.[98]

BCLC de estádio B: doença intermediária

A TACE geralmente é o tratamento para os pacientes com CHC multinodular sem invasão vascular ou disseminação extra-hepática e com função hepática relativamente bem preservada (ou seja, doença em estádio B da BCLC).[3]

Dados sugerem que a embolização branda é tão efetiva quanto a quimioembolização.[88] A TACE melhorou a sobrevida em 2 anos em pacientes com cirrose compensada e bom status funcional.[99] A trombose da veia porta, a doença hepática descompensada e o câncer hepático em estádio terminal são contraindicações para TACE.

A injeção de agentes quimioterápicos localizados (cisplatina, doxorrubicina ou mitomicina C) por TACE eleva os níveis desses agentes dentro do tumor, enquanto minimiza a toxicidade sistêmica. Uma microesfera farmacológica (DC Bead®) foi desenvolvida para melhorar a administração do medicamento no tumor e reduzir a disponibilidade sistêmica.[100] Ainda é controverso se a TACE com microesfera farmacológica é melhor que a TACE convencional com base lipoide, mas dados parecem sugerir superioridade e perfil de segurança melhor da TACE com microesfera farmacológica nos casos de doença mais avançada.[101]

A combinação de TACE com a ablação percutânea, a qual inclui a IPE ou a ARF, também é usada nos pacientes com CHC. Uma metanálise demonstrou que a TACE combinada com o tratamento de ablação percutânea melhorou a sobrevida global em 1, 2 e 3 anos em comparação com a monoterapia.[102]

A TARE é outra opção de tratamento para pacientes com CHC multifocal.[3]​ Estudos que compararam a TARE e a TACE mostraram taxas de sobrevida e de complicações semelhantes, com potencialmente menos dor e toxicidade pelo procedimento com a TARE.[90]

BCLC de estádio C: doença avançada

Terapia de primeira linha

O atezolizumabe associado ao bevacizumabe é recomendado como tratamento de primeira linha de escolha para pacientes com CHC avançado, doença hepática de classe A de Child-Pugh, capacidade funcional 0-1 do Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG) e tratamento subsequente de varizes esofágicas, quando presentes.[3][6][7][64]​​​​​​​​[103][104]​​[105]​​[106]​ Um estudo de fase 3 (IMbrave150) em pacientes com CHC localmente avançado ou metastático constatou que atezolizumabe associado a bevacizumabe aumentou significativamente a sobrevida global e a sobrevida livre de progressão após 12 meses, em comparação com sorafenibe.[107]​​[108]​​​​​ Em um acompanhamento mediano de 15.6 meses, a sobrevida global mediana com a terapia combinada foi significativamente melhor (19.2 vs. 13.4 meses, razão de riscos estimada para morte de 0.66, IC de 95%: 0.52 a 0.85).[109] O atezolizumabe/hialuronidase subcutâneo pode substituir o atezolizumabe intravenoso.[64]

O durvalumabe associado ao tremelimumabe também é recomendado como opção de terapia sistêmica de primeira linha de escolha para o tratamento de CHC avançado.[64][106]​​ Os resultados positivos foram relatados em um estudo de fase 3, randomizado, aberto e multicêntrico que comparou durvalumabe associado a tremelimumabe, durvalumabe isolado e sorafenibe isolado, para pacientes com CHC irressecável que não receberam terapia sistêmica prévia e que não são elegíveis para terapia locorregional.[110] O durvalumabe associado ao tremelimumabe demonstrou melhorar significativamente a sobrevida global versus sorafenibe.[111]

Outros esquemas terapêuticos de primeira linha recomendados que podem ser oferecidos a pacientes com CHC avançado incluem durvalumabe isolado, lenvatinibe, sorafenibe, tislelizumabe ou pembrolizumabe.[64]​​​​​​​ O sorafenibe pode ser considerado em pacientes selecionados com doença hepática de classe B de Child-Pugh.[112] O sorafenibe melhora a sobrevida global, com um perfil de toxicidade aceitável.[112][113]​ Em um grande ensaio clínico multicêntrico randomizado de fase 3, o lenvatinibe não foi inferior ao sorafenibe em relação à sobrevida global em pacientes com CHC avançado não tratado.[114] As taxas de eventos adversos foram similares entre os outros grupos, mas a hipertensão foi mais comum entre os pacientes tratados com lenvatinibe que com sorafenibe.[114] Levatinibe é recomendado no Reino Unido para pacientes com CHC avançado não tratado apenas se tiverem insuficiência hepática com classe de Child-Pugh A e capacidade funcional do ECOG de 0 ou 1.[115]

Doença avançada: evolução apesar da terapia de primeira linha

Caso os pacientes apresentem evolução com o tratamento de primeira linha, a terapia de segunda linha com inibidor de tirosina quinase (ou seja, sorafenibe, lenvatinibe, cabozantinibe ou regorafenibe) pode ser adequada.[6][7]​​[64][106]

O pembrolizumabe ou o nivolumabe intravenoso associado a ipilimumabe também são opções razoáveis de segunda linha após a progressão na terapia de primeira linha.​[64][106]​​​[116]​​​ O nivolumabe está disponível como formulação intravenosa e formulação subcutânea; no entanto, a formulação subcutânea (nivolumabe/hialuronidase) não é aprovada para uso concomitante com ipilimumabe intravenoso.[64]

A escolha da terapia de segunda linha pode depender do que foi usado na primeira linha.

Regorafenibe, nivolumabe, pembrolizumabe e cabozantinibe fornecem benefício de sobrevida quando prescritos como segunda linha para pacientes que progridem com sorafenibe.[117][118][119][120][121]​​​ No Reino Unido, o regorafenibe é recomendado para o tratamento do CHC avançado irressecável em adultos que tiverem recebido sorafenibe, mas apenas se apresentarem comprometimento hepático de classe A de Child-Pugh e uma capacidade funcional do ECOG de 0 ou 1.[122] Além disso, com base em evidências de ensaio clínico sobre a eficácia de cabozantinibe e na comparação indireta de cabozantinibe com regorafenibe, cabozantinibe é recomendado como alternativa a regorafenibe para o tratamento de CHC avançado em adultos que receberam sorafenibe, desde tenham insuficiência hepática com classe de Child-Pugh A e capacidade funcional do ECOG 0 ou 1.[123]​ Nenhuma terapia sistêmica demonstrou ser eficaz como terapia adjuvante no CHC após ressecção ou ablação.

A TARE tem sido usada em alguns pacientes com doença avançada para prolongar a sobrevida. Mostrou-se segura na presença de invasão tumoral limitada da veia porta.[64]​​​​ A função hepática subjacente, a capacidade funcional e/ou a derivação hepatopulmonar podem limitar o uso dessa técnica. Os pacientes com doença multifocal geralmente necessitam de tratamento lobar em estágios, o que pode aumentar o risco de doença hepática induzida por radiação.[90]

BCLC de estádio D: doença em estágio terminal

Os pacientes em estádio D da BCLC com função hepática desfavorável, mas carga tumoral limitada dentro dos critérios de Milão, podem ser candidatos para o transplante de fígado. Caso contrário, não existe tratamento específico para o CHC em estágio terminal e estes pacientes são normalmente encaminhados para cuidados paliativos.

Recorrência

A recorrência do tumor pode ser causada pela falta de resposta completa ao tratamento, disseminação intra-hepática do CHC originalmente tratado ou pela oncogênese de novo resultante da doença hepática subjacente.

Os preditores mais importantes da disseminação intra-hepática são a invasão vascular e as lesões em satélite, encontradas na patologia após a ressecção do tumor. O tratamento da recorrência segue princípios e recomendações das diretrizes semelhantes aos da doença primária. A resposta e a tolerabilidade do tratamento prévio também devem ser levadas em consideração. Além disso, a doença hepática subjacente deve ser tratada para reduzir o risco de oncogênese "de novo".

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