Etiologia
É provável que a EH reflita uma combinação de encefalopatia metabólica, atrofia cerebral e/ou edema cerebral, e não uma única entidade clínica. Os mecanismos exatos causadores da disfunção cerebral em pacientes com insuficiência hepática ainda não estão bem compreendidos.
A amônia é vista como neurotoxina na patogênese da doença, já que os níveis de amônia ficam significativamente elevados em pacientes com insuficiência hepática crônica.[6] No entanto, uma falta de correlação mais forte entre os níveis séricos de amônia e o grau da encefalopatia em determinados pacientes sugere que outros fatores também podem afetar esse desenvolvimento.[7]
Para pacientes com doença hepática crônica, os fatores precipitantes podem incluir hemorragia digestiva, infecção, uso de sedativos/tranquilizantes, hipocalemia, alcalose, aumento do consumo de proteínas e obstipação. A presença de anastomoses portossistêmicas facilita a ocorrência de EH e está associada a formas mais graves.[2]
A hemorragia digestiva e o aumento do consumo de proteínas causam um aumento na produção de amônia. A hipocalemia geralmente é acompanhada pelo movimento dos íons de hidrogênio do líquido extracelular para dentro das células, a fim de manter a neutralidade elétrica. Acredita-se que a subsequente alcalose metabólica estimule a conversão de íons de amônio (NH4+) (partículas carregadas que não cruzam a barreira hematoencefálica) em amônia não ionizada (NH3), que consegue cruzar a barreira hematoencefálica e, assim, promover a doença. Nesses pacientes, as causas precipitantes devem ser rapidamente identificadas e tratadas.[8]
Fisiopatologia
A EH ocorre através de uma combinação de mecanismos fisiopatológicos. O intestino é a fonte primária da amônia absorvida na circulação pelo sistema venoso portal. A amônia é um subproduto do catabolismo bacteriano colônico de fontes de nitrogênio, como o nitrogênio das proteínas ingeridas e da ureia secretada. Ela também é produzida pelos enterócitos a partir da glutamina. Danos nas funções hepáticas comprometem o clearance da amônia. Além disso, a cirrose causa anastomose portossistêmica, que reduz ainda mais a depuração da amônia.
A hiperamonemia pode alterar a concentração cerebral de aminoácidos e, assim, afetar a síntese dos neurotransmissores.[9] A hiperamonemia também pode levar ao aumento da osmolaridade do astrócito intracelular, induzindo o edema astrocitário e raramente ocasionando aumento da pressão intracraniana.[10] Níveis elevados de amônia sérica também podem alterar a atividade elétrica neuronal.[11]
O aumento da ativação do sistema inibidor do neurotransmissor ácido gama-aminobutírico (GABA)-benzodiazepínico e as alterações da função glutamatérgica também estão envolvidos na patogênese da EH.[12]
Pacientes com cirrose hepática descompensada apresentam microbioma intestinal alterado. Há uma redução no número de bactérias benéficas que produzem ácidos graxos de cadeia curta, e supercrescimento relativo de bactérias potencialmente patogênicas, principalmente bactérias Gram-negativas.[13] A disfunção da barreira intestinal na cirrose permite o transporte de antígenos bacterianos como endotoxinas, componentes da parede celular e DNA. Esses produtos estimulam o sistema imunológico inato, levando à produção de citocinas pró-inflamatórias, como interleucina (IL)-1, IL-6, IL-8 e fator de necrose tumoral.[14] A inflamação sistêmica ativa a micróglia no cérebro, produzindo neuroinflamação. A barreira hematoencefálica também demonstra aumento da permeabilidade em diversos modelos animais com insuficiência hepática aguda, causando aumento da exposição a substâncias neurotóxicas.[15]
Classificação
As diretrizes que representam a posição da American Association for the Study of Liver Diseases e da European Association for the Study of the Liver descrevem um sistema de classificação de quatro fatores para a EH:[1][2]
1) Doença subjacente
Tipo A: EH associada à insuficiência hepática aguda
Tipo B: EH associada predominantemente à derivação ou anastomose portossistêmica
Tipo C: EH associada à cirrose
2) Grau de manifestações de EH e descrição clínica (critérios de West Haven)
Sem comprometimento: sem encefalopatia, sem história de EH
Mínimo (oculto): alterações psicométricas ou neuropsicológicas de testes que exploram a velocidade psicomotora/função executiva ou alterações neurofisiológicas sem evidência clínica de alteração mental
Grau 1 (oculto): diminuição da atenção normal, euforia ou ansiedade, tempo de atenção encurtado, comprometimento da adição ou subtração, ritmo do sono alterado
Grau 2 (evidente): letargia ou apatia, desorientação em relação ao tempo, alteração de personalidade óbvia, comportamento inadequado, dispraxia, asterixis (flapping)
Grau 3 (evidente): sonolência a semiestupor, com resposta clínica ao estímulo, confusão, desorientação aguda, comportamento estranho
Grau 4 (evidente): coma
Pacientes com EH de grau 3 ou 4 também devem ser monitorados com a escala de coma de Glasgow.[2]
3) Tempo
EH episódica
EH recorrente (≥2 episódios em 6 meses)
EH persistente (alterações comportamentais que estão sempre presentes e são intercaladas com episódios de EH evidente)
4) Existência de fatores desencadeantes; a EH é:
Não desencadeada
Desencadeada (pode ser identificada em quase todos os episódios de EH tipo C)
Para ver a discussão sobre o manejo da encefalopatia hepática do tipo A, consulte nosso tópico Insuficiência hepática aguda.
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