Abordagem
De maneira geral, o câncer de pâncreas se apresenta tardiamente, quando a doença já está avançada. Os sintomas incluem dor inexplicada na parte superior do abdome, icterícia obstrutiva indolor, perda de peso e, nos estágios mais avançados, dorsalgia. Todos os pacientes com suspeita de câncer de pâncreas devem ser examinados e tratados de imediato por uma equipe de especialistas para assegurar o diagnóstico imediato e tratamento precoce.
Anamnese e exame físico
Os médicos devem avaliar a possibilidade de câncer de pâncreas em todos os pacientes que apresentam dor inexplicada na parte superior do abdome, icterícia obstrutiva indolor, perda de peso e dorsalgia. O câncer de pâncreas pode se apresentar na forma inicial ou avançada.
Doença inicial
Nos estágios iniciais, quando não há obstrução do trato biliar, a doença apresenta sintomas inespecíficos como mal-estar, dor abdominal, náuseas ou perda de peso.[36]
Doença avançada
Nos casos de doença avançada, tumores na cabeça do pâncreas geralmente obstruem o ducto colédoco, apresentando sintomas de icterícia obstrutiva como fezes claras, urina escura e/ou prurido. Tumores no corpo e na cauda do pâncreas tendem a se apresentar mais tarde, com mais frequência acompanhados de dor, geralmente epigástrica, com radiação para as costas; e icterícia, que nesses pacientes é causada por metástases hepáticas ou hilares. A dorsalgia persistente se relaciona com metástase retroperitoneal.
Uma extensa infiltração pancreática, ou obstrução de ductos pancreáticos importantes também pode causar disfunção exócrina, resultando em má absorção e esteatorreia ou episódios não explicados de pancreatite. 20% a 47% dos pacientes apresentam disfunção endócrina, culminando no diagnóstico inicial de diabetes, cujos sintomas são sede, poliúria, noctúria e perda de peso.[37] O câncer de pâncreas deve ser considerado em pacientes adultos (50 anos de idade ou mais) com diagnóstico inicial de diabetes, mas sem fatores de predisposição ou história familiar positiva de diabetes mellitus.[1][5]
Outros sinais de doença avançada incluem perda de peso, anorexia, fadiga, massa abdominal no epigástrio, hepatomegalia, sinal positivo de Courvoisier (vesícula biliar palpável indolor e icterícia) ou sinais de coagulação intravascular disseminada: petéquias, púrpura, hematomas. Um grande tumor ou edema peritumoral pode comprimir o estômago ou duodeno, causando náuseas e saciedade precoce.[36]
Uma vez que pacientes com câncer de pâncreas apresentam aumento do risco de doença tromboembólica, a trombose venosa ou a tromboflebite migratória (sinal de Trousseau) também pode ser a primeira manifestação do câncer de pâncreas.[7][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Sinal de Trousseau em paciente com adenocarcinoma pancreáticoPunithakumar EJ et al. Síndrome de Trousseau no carcinoma pancreático. Surgery. 2021;169(2):E3-4; usado com permissão [Citation ends].
Exames laboratoriais
Não há exames de sangue que permitam diagnosticar o câncer de pâncreas. As investigações laboratoriais cuja realização é apropriada nos exames diagnósticos incluem:
Testes da função hepática (TFH): TFHs anormais estão relacionados com o grau de icterícia obstrutiva, mas não conseguem distinguir a obstrução biliar (de qualquer causa) das metástases hepáticas.[38]
Biomarcadores: os biomarcadores disponíveis, como o antígeno de câncer (CA) 19-9 ou antígeno carcinoembrionário, não possuem a sensibilidade e especificidade desejadas para a detecção precoce.[39] O CA19-9 apresenta sensibilidade de 70% a 90% e especificidade de 90%.É comum obter falsos-positivo no caso de icterícia obstrutiva benigna ou pancreatite crônica.O CA19-9 é especialmente útil como ferramenta de estadiamento pré-operatório, pois identifica a recorrência em pacientes submetidos à ressecção, e também na avaliação da resposta ao tratamento nos casos de doença avançada.[18] No entanto, o uso do CA19-9 por si só para prever a capacidade de ressecção cirúrgica não é recomendado.[40]
Coagulograma e hemograma completo: distúrbios nos fatores de coagulação dependentes da vitamina K levam ao prolongamento do tempo de protrombina. Deve-se realizar hemograma completo e coagulograma antes de quaisquer procedimentos diagnósticos invasivos.
Exames de imagem não invasivos
A tomografia computadorizada (TC) é usada para diagnosticar e estadiar o câncer de pâncreas e para determinar se um tumor é ressecável.[1][41]
TC com base em protocolo pancreático
Todos os pacientes, com suspeita inicial de câncer de pâncreas devem ser submetidos a avaliação por tomografia computadorizada (TC) de fase dinâmica helicoidal ou espiral de acordo com protocolo pancreático específico (ou seja, imagem transversal trifásica e cortes finos, e no aspecto específico de fase venosa, do contraste intravenoso).[1][42][43] Esse procedimento demonstrou obter taxas diagnósticas de 97% na detecção do câncer de pâncreas com predição precisa de possibilidade de ressecção em 80% a 90% dos pacientes.[18][44][45]
No Reino Unido, a TC urgente (ou ultrassonografia, se a TC não estiver disponível) é recomendada para pacientes ≥60 anos de idade com perda de peso e qualquer um dos seguintes fatores: diarreia, dorsalgia, dor abdominal, náuseas, vômitos, constipação ou novo episódio de diabetes.[46] Pacientes ≥40 anos de idade com icterícia devem ser encaminhados diretamente para uma consulta hospitalar de urgência.[46]
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tomografia computadorizada abdominal com contraste mostrando (A) uma grande massa na cabeça do pâncreas com encarceramento da artéria mesentérica superior (seta branca) e (B) ductos intra-hepáticos dilatados (pontas de seta pretas) e encarceramento da veia mesentérica superior (seta branca)Takhar AS et al. BMJ. 2004;329:668 [Citation ends].
Ultrassonografia
A ultrassonografia transabdominal consegue detectar tumores >2 cm de dimensão e possível disseminação extrapancreática (principalmente metástases hepáticas) ou dilatação do ducto colédoco; a sensibilidade é menor na doença em estágio inicial ou nos tumores no corpo ou na cauda do pâncreas.[18] Contudo, ultrassonografias abdominais com resultados normais não descartam o câncer de pâncreas, já que é impossível avaliar o pâncreas de forma adequada com essa modalidade de exame.O gás intestinal sobrejacente ou o biotipo podem prejudicar a visualização do pâncreas.[47]
Ressonância nuclear magnética
A ressonância nuclear magnética (RNM) produz resultados semelhantes aos da TC, podendo se mostrar útil no caso de pacientes que não podem receber contraste intravenoso. A RNM do fígado pode ser usada para esclarecer lesões hepáticas ambíguas, especialmente na presença de obstruções biliares.[41] A RNM ponderada por difusão demonstrou especificidade elevada (91%) na diferenciação de lesões pancreáticas, podendo ser considerada um exame útil na diferenciação das lesões pancreáticas malignas e benignas, especialmente em combinação com a tomografia por emissão de pósitrons (PET) com fluordesoxiglucose-fluorina 18/CT, cuja sensibilidade é de 87% a 90%. Contudo, é necessária a realização de estudos adicionais para estabelecer o papel preciso da RNM ponderada por difusão e da PET-CT no diagnóstico do câncer de pâncreas.[48][49][50]
Tomografia por emissão de pósitrons/TC
A TC combinada com uma tomografia por emissão de pósitrons (PET) pode ser usada como adjuvante à TC com base em protocolo pancreático para auxiliar na detecção de metástases extrapancreáticas em pacientes de alto risco. Indicadores de alto risco são alta carga de sintomas, doença ressecável limítrofe, grande tumor primário, grandes linfonodos regionais e CA 19-9 acentuadamente elevado.[1] Sensibilidade de PET-CT de 61% foi relatada para a detecção de doença metastática.[51]
PET/CT ou PET/RNM podem ser consideradas para detectar metástases extrapancreáticas em pacientes com doença de alto risco, mas não devem ser usadas como substitutas da TC com contraste.[1]
Colangiopancreatografia por ressonância magnética/angiografia
Um método não invasivo para avaliação do trato biliar, a colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) fornece informações detalhadas dos ductos sem os riscos da colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) invasiva.[52][53] A CPRM não avalia a ampola tão claramente quanto a CPRE.[54]A angiografia por ressonância magnética (ARM) demonstra a anatomia vascular.[55]
A European Society for Medical Oncology recomenda avaliação por imagem 4 semanas antes do início do tratamento.[41] Em pacientes com icterícia devido a câncer de pâncreas obstrutivo na cabeça, exames de imagem devem ser realizados antes da drenagem biliar ou da colocação de stent.[41]
Exames imagiológicos invasivos
A ultrassonografia endoscópica (USE) é altamente sensível na detecção de pequenos tumores (até 2-3 mm) e da invasão de estruturas vasculares importantes (embora seja menos precisa na exibição da artéria mesentérica superior), bem como na caracterização das lesões císticas pancreáticas.[56]
A aspiração com agulha fina guiada por USE (AAF-USE) para citologia tem uma sensibilidade de 85% a 91% e uma especificidade de 94% a 98% para o diagnóstico de câncer de pâncreas.[57][58] A aspiração com agulha fina de manguitos de tecidos moles perivasculares pode detectar metástases migratórias extravasculares que não são visíveis na TC ou RNM.[59] Os riscos da AAF-USE incluem perfuração, infecção, pancreatite iatrogênica, sangramento, peritonite biliar e semeadura maligna.[60]
A CPRE facilita a coleta de amostras para citologia ou histologia e colocação de endoprótese para paliar a obstrução biliar quando a cirurgia não é uma opção ou deve ser protelada.[18] A CPRE não deve ser usada apenas para exames de imagem.[18]
A laparoscopia, incluindo a ultrassonografia laparoscópica e as lavagens peritoneais, consegue detectar lesões metastáticas ocultas no fígado e na cavidade peritoneal não identificadas pelas modalidades imagiológicas (especialmente lesões no corpo ou na cauda do pâncreas ou em pacientes com maior risco de doença disseminada: casos no limite de ressecção, grande tumor primário ou alto CA19-9).[61][62][63] Contudo, os critérios de seleção para identificação dos pacientes nos quais a laparoscopia de estadiamento apresentaria alta precisão diagnóstica precisam ser verificados em novos estudos prospectivos.[62][63]
Não há consenso quanto ao uso de outras tecnologias de estadiamento. O uso seletivo de CPRE e/ou CPRM (e ocasionalmente ARM) define com precisão o tamanho e a infiltração do tumor, bem como a presença de doença metastática. A USE é indicada especialmente em pacientes cuja TC não mostre lesões ou apresente comprometimento vascular ou de linfonodos questionável. Dependendo da experiência do serviço, o estadiamento com laparoscopia pode ser apropriado para alguns pacientes.[1][64]
Diagnóstico tecidual
Não é necessário diagnóstico mediante exame histológico antes da ressecção cirúrgica; biópsias não diagnósticas não devem retardar o tratamento cirúrgico em caso de grau elevado de suspeita clínica de câncer de pâncreas.[1] Por outro lado, biópsia confirmatória é necessária em pacientes com doença avançada e irressecável selecionados para tratamento paliativo.[65] Todos os pacientes devem ser encaminhados a um centro especializado no tratamento de doenças pancreáticas independente de biópsia.
A biópsia guiada ou a aspiração com agulha fina por USE, a citologia por escova do ducto pancreático ou a biópsia por CPRE são preferíveis à abordagem transperitoneal transcutânea guiada por ultrassonografia ou TC em pacientes com doença não metastática.[1] As duas principais preocupações quanto às técnicas transperitoneais são o risco de falsos-negativos e de disseminação de células tumorais ao longo do percurso da agulha ou no peritônio.[66] A prova de neoplasia maligna por biópsia não é necessária antes da ressecção cirúrgica, e uma biópsia não diagnóstica não deve atrasar a ressecção se a suspeita clínica de câncer de pâncreas for alta.[1] Idealmente, a doença metastática deve ser confirmada por punção por agulha grossa (core biopsy) de um local metastático.[1]
Teste genômico
O teste para mutações genômicas acionáveis é recomendado, se disponível, em pacientes selecionados com câncer de pâncreas metastático.
Os resultados são usados para selecionar o tratamento de segunda linha mais adequado. Testes de linha germinativa e tumoral são recomendados. Alterações genômicas de interesse incluem instabilidade de microssatélite/deficiência no reparo de erro de pareamento, mutações em BRCA e fusões gênicas em NRTK.[43]
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