Abordagem

Os transtornos relacionados ao uso de anfetaminas e metanfetamina são condições crônicas e recidivantes, associadas com comportamentos compulsivos de busca e uso de drogas, que resultam em alterações funcionais e do sistema nervoso central negativas em longo prazo. A metanfetamina tem efeitos adversos mais prolongados e mais graves no sistema nervoso central do que a anfetamina.[4]​ Em comum com todos os transtornos relacionados ao uso de substâncias, o diagnóstico se baseia na avaliação clínica por meio de uma combinação de entrevista com o paciente, história colateral e revisão de registros médicos disponíveis.

Vários sinais e sintomas, além de exames laboratoriais, podem fornecer evidências adicionais de uso de substâncias recente ou em longo prazo, ou de abstinência do uso. Para todos os pacientes que podem ter usado anfetamina/metanfetamina recentemente, é importante que os profissionais da saúde reconheçam os sinais de alerta iniciais de toxicidade aguda sugestiva de complicações cerebrovasculares e cardiovasculares, os quais podem indicar risco agudo de vida (consulte "Toxicidade aguda: avaliação clínica", abaixo).[6]

Toxicidade aguda: avaliação clínica

A avaliação inicial deve incluir uma avaliação básica dos sinais vitais, para ajudar a identificar quaisquer problemas agudos que sugiram a necessidade de assistência médica urgente.[14]

Características de alerta precoces que sugerem a necessidade de monitoramento rigoroso devido a um potencial risco iminente à vida incluem:[6]

  • dispneia

  • angina

  • palpitações

  • tosse e hemoptise.

Os sintomas acima sugerem a necessidade de observação clínica rigorosa, com consideração de transferência precoce a um ambiente de medicina intensiva (por exemplo, cuidados intensivos), conforme o caso.[6] As outras características que sugerem a necessidade de internação hospitalar (muitas vezes na unidade de cuidados intensivos) incluem sintomas hiperadrenérgicos (taquicardia, hipertensão, hipertermia e agitação), crise hipertensiva, vasculite, hemorragias cerebrais e toxicidade ao sistema nervoso central (isto é, agitação intensa, convulsões).[14][24]

Normalmente, a toxicidade aguda de uma overdose se manifesta como efeitos "normais" da droga exagerados. A anamnese e o exame físico podem ser desafiadores devido a agitação, paranoia e/ou psicose.[49] Inicialmente pode haver longos períodos sem alimentação ou sono. Os seguintes sinais e sintomas podem estar presentes: estimulação simpática com hipertensão, taquicardia, hipertermia e aumento de efeitos no sistema nervoso central (SNC), incluindo euforia, energia elevada, estado de alerta e atenção exaltada, insônia, ansiedade, tremores, alucinações, psicose (normalmente muito parecida com o observado na esquizofrenia), paranoia, comportamento fisicamente nocivo em relação aos demais, ranger dos dentes e libido elevada.[24][49] Normalmente, essa fase de ação é seguida por uma fase de reação ou recuperação, que se caracteriza por exaustão e fadiga que dão lugar a longos períodos de sono e períodos de fome extrema. Para obter mais informações sobre o diagnóstico e o tratamento da toxicidade aguda, consulte Overdose de anfetamina.

Exame do estado mental

Isto é recomendado como parte de uma avaliação inicial abrangente e deve identificar sintomas ou condições psiquiátricas concomitantes, incluindo aqueles que sugerem a necessidade de assistência psiquiátrica urgente. Os sintomas podem incluir:[14]

  • Psicose

  • Risco de automutilação ou dano a terceiros

  • Transtorno do humor

  • Comprometimento cognitivo

  • Transtorno de deficit da atenção com hiperatividade (TDAH)

Indicadores de risco de automutilação ou dano a terceiros, como agitação ou psicose, sinalizam a necessidade de encaminhamento urgente para avaliação psiquiátrica abrangente, voluntária ou involuntariamente, a depender do quadro clínico do indivíduo.[14]

Transtorno relacionado ao uso de anfetamina e metanfetamina: história

O transtorno por uso de anfetaminas e metanfetamina é um padrão relacionado ao uso de anfetamina que causa incapacidade ou sofrimento clinicamente significativos, definido pela presença de pelo menos 2 de 11 sintomas durante um período de 12 meses. Normalmente, o ciclo do transtorno relacionado ao uso de anfetaminas e metanfetamina caracteriza-se por períodos repetidos de uso intenso, com períodos intermitentes de abstinência e recaídas.[1][50] Os indivíduos expostos a substâncias do tipo de anfetamina podem desenvolver transtorno relacionado ao uso de estimulantes em apenas 1 semana, embora o início não seja sempre tão rápido.[1] Em particular, o uso por meio do fumo ou por via intravenosa está associado com a evolução rápida para transtorno por uso de estimulantes de nível grave.[1] Com um uso repetido ocorre tolerância. Os sintomas de abstinência incluem hipersonia, aumento do apetite e disforia, e podem intensificar a fissura. A maioria das pessoas com transtorno por uso de estimulantes já apresentou tolerância ou abstinência.[1]

Considere perguntar aos pacientes sobre o contexto do uso de estimulantes.[14] Os motivos podem incluir perda de peso, melhora acadêmica e de desempenho, permanência acordada e chemsex (sexo intencionalmente sob a influência de drogas psicoativas). As pessoas que usam essas drogas quando mais jovens (por exemplo, adolescentes) têm maior probabilidade de começarem a usar anfetamina/metanfetamina para fins recreativos e de melhora de desempenho, como para ajudar com trabalhos escolares ou no desempenho esportivo. Aqueles que iniciam o uso em idade mais avançada (adultos) têm maior probabilidade de se "automedicarem" em resposta a eventos adversos ou estressantes.[51] Adolescentes do sexo feminino são o grupo demográfico com maior probabilidade de usar anfetaminas ou metanfetamina para a perda ou manutenção do peso.[52]

Perguntas sobre o seguinte orientam a avaliação de risco e informam as medidas de redução de danos:[14][49]

  • Quantidade e frequência do uso, incluindo uso massivo.

  • Via de administração, que pode ser por inalação, intravenosa, intramuscular ou transmucosa (oral/nasal).

  • Uso de estimulantes sem a presença de outras pessoas.

  • Uso concomitante com bebidas alcoólicas ou outras drogas (por exemplo, bebidas alcoólicas, opioides, benzodiazepínicos, cannabis). O uso concomitante de metanfetamina e opioides é cada vez mais comum, e aumenta o risco de mortalidade. Algumas pessoas usam metanfetamina como substituto de um opioide, para obter um efeito sinérgico ou para equilibrar os efeitos dos opioides.[53]

  • História de overdose.

  • História de idas a prontos-socorros e hospitalizações relacionadas aos estimulantes.

  • Comportamentos sexuais de risco.

Uma avaliação biopsicossocial é recomendada, incluindo a idade de início do uso de substâncias, a história familiar de problemas relacionados ao uso de substâncias, riscos contínuos relacionados ao uso de substâncias e comportamentos associados, história e desfechos do tratamento, funcionamento psicossocial e fatores que possam orientar as necessidades de tratamento e apoio à recuperação. Isso inclui os determinantes sociais da saúde, como o acesso a habitação segura, o bem-estar econômico e os desafios para o transporte.[14]

Transtorno relacionado ao uso de anfetaminas e metanfetamina: exame físico

Os efeitos físicos associados com o uso em longo prazo podem incluir:​​[24][49][54][55]

  • Disfunção cardiovascular (por exemplo, hipertensão, dissecção da aorta, síndrome coronariana aguda, hipertensão pulmonar, cardiomiopatia)

  • Caquexia

  • Aparência mais velha que a idade cronológica

  • Lesões ou infecções de pele (normalmente por cutucar/arranhar a pele para remover insetos imaginários)

  • Marcas de agulhas, ou celulite em locais de injeção (por uso intravenoso)

  • Vermelhidão nasal (por uso nasal)

  • Queimaduras químicas

  • Higiene dental comprometida/ranger dos dentes/dentes quebrados.

Outros efeitos raros, porém relatados, do uso prolongado incluem hemorragia cerebral, vasculite, úlceras gástricas gigantes e várias arritmias cardíacas.[56]

Os efeitos psicológicos e neuropsiquiátricos associados ao uso em longo prazo incluem:[24][49]

  • psicose (às vezes persistente)

  • paranoia

  • ansiedade

  • insônia

  • declínio neurocognitivo

  • confusão

  • deterioração social e profissional

  • depressão induzida pela exposição

  • cansaço excessivo (anergia e fadiga)

  • parkinsonismo

  • anedonia (após abstinência)[24]

Investigações iniciais

Alterações na função renal, hepática e muscular são associadas ao uso agudo e prolongado de anfetaminas e de metanfetamina.

Os testes iniciais recomendados incluem:[14][49]

  • Bioquímica sérica (ou seja, hemograma completo, eletrólitos, testes das funções hepática e renal e enzimas musculares) para avaliar as complicações clínicas do uso de substâncias; observe que as arritmias cardíacas induzidas por anfetaminas estão associadas com níveis de potássio baixos.

  • Testes de toxicologia ou cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa (CG/MS) da urina, para informar o diagnóstico para os pacientes nos quais o uso de anfetamina/metanfetamina for duvidoso, ou para identificar o uso de substâncias que possam produzir interações medicamentosas ao considerar a farmacoterapia para controlar a intoxicação ou a abstinência de estimulantes.

  • Eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações e marcadores cardíacos sanguíneos, para avaliar disfunção cardíaca, particularmente se houver dor torácica, hipertensão e/ou arritmia.

  • Radiografia torácica, por exemplo, se houver suspeita de pneumotórax ou pneumonia.

Uma radiografia abdominal simples ou TC abdominal pode ser realizada se houver suspeita de ocultação de pacotes de drogas em cavidades corporais ou de ingestão de pacotes de drogas. Embalagens de metal como o papel alumínio facilitam a identificação radiográfica, mas pode ser mais desafiador determinar radiologicamente a presença de sacolas de plástico e preservativos.

Alguns medicamentos são metabolizados para anfetaminas. A selegilina é metabolizada em L-anfetamina e L-metanfetamina e causa um resultado falso-positivo na CG/EM. A análise quantitativa dos isômeros pode distinguir o isômero L do R. O clobenzorex, um medicamento anorexígeno do México, é metabolizado em D-anfetamina e fornece rastreamento positivo, confirmação por CG/EM e análise qualitativa do isômero.

Após a estabilização, os pacientes devem ser avaliados para doenças infecciosas, caso ainda não tenha sido realizada, independentemente da via de administração do uso da droga, incluindo testes para HIV, hepatite B e C e outras ISTs, bem como para tuberculose.[57]​​ O local dos testes para clamídia e gonorreia é determinado por todos os sítios de potencial exposição. Embora faltem evidências, este conselho é baseado na opinião de especialistas, dada a maior prevalência dessas doenças nos pacientes com transtornos por uso de estimulantes, independentemente da via de administração.[14]

Investigações subsequentes

A análise da toxicologia do sangue e os exames de confirmação devem ser realizados quando houver necessidade da confirmação forense ou para concentrações de drogas e metabólitos tóxicos específicos. Frequentemente esses exames são realizados no momento de um contato com o sistema de justiça criminal ou morte associados.

Testes para complicações

Uma ecocardiografia é recomendada para avaliar lesões valvares e hipertensão pulmonar em indivíduos com história de uso prolongado de anfetaminas/metanfetamina.

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