Abordagem

O diagnóstico de PV deve ser considerado em qualquer paciente com história ou apresentação de sangramento ou trombose, particularmente aqueles de meia-idade ou mais velhos (aproximadamente 63% dos pacientes têm idade ≥60 anos no momento do diagnóstico).[11]

Os critérios de diagnóstico para PV relatados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Classificação de Consenso Internacional de neoplasias mieloides e leucemias agudas exigem:[7][8]

  • níveis de hemoglobina/hematócrito >165 g/L/49% (>16.5 g/dL/49%) em homens ou >160 g/L/48% (>16.0g/dL/48%) em mulheres,

  • biópsia de medula óssea mostrando hipercelularidade para a idade com proliferação de todas as três linhagens e

  • presença de uma mutação em JAK2 associada à PV ou eritropoetina sérica abaixo do normal.

A biópsia de medula óssea pode não ser necessária se houver eritrocitose absoluta sustentada (níveis de hemoglobina/hematócrito >185 g/L/55.5% [>18.5 g/dL/55.5%] em homens e >165 g/L/49.5% [>16.5 g/dL/49.5%] em mulheres) na presença de uma mutação JAK2 e eritropoietina sérica baixa. Consulte Critérios.

Uma vez feito o diagnóstico de PV, é importante realizar uma avaliação de risco para informar o prognóstico e orientar o tratamento.

Anamnese e exame físico

Uma história cuidadosa e exame físico devem ser realizados para identificar sinais e sintomas associados à PV e para identificar possíveis causas de hemoglobina elevada.

Pergunte ao paciente sobre:[13][67]​​​​[68]

  • História familiar de PV ou outro distúrbio hematológico

  • Fatores de estilo de vida (por exemplo, tabagismo, consumo de álcool)

  • Condições comórbidas (particularmente aquelas associadas a risco cardiovascular, como hipertensão, diabetes, hiperlipidemia)

  • Medicamentos/drogas concomitantes (prescritos e recreativos)

Sinais e sintomas

​Na apresentação inicial, 12% a 39% dos pacientes apresentam trombose importante (por exemplo, AVC, infarto do miocárdio, embolia pulmonar, tromboflebite superficial, trombose venosa profunda) e 1.7% a 20% apresentam sangramento importante.[2][12]​​​​ A pele e as membranas mucosas são locais comuns de sangramento; hemorragia digestiva é menos frequente, mas pode ser grave.[2]

Outros sintomas ou sinais de apresentação comuns incluem cefaleia, fraqueza/fadiga generalizada, esplenomegalia, prurido (particularmente aquagênico), pletora/cianose avermelhada e eritromelalgia (sensibilidade ou queimação dolorosa e/ou vermelhidão nos dedos, palmas das mãos, calcanhares, pododáctilos ou rosto/ pescoço).[14][69][70][71]​​​​​​​​​

Fadiga (em 85% dos pacientes), prurido (65%), sudorese noturna (49%) e dor óssea (43%) foram os sintomas mais comumente relatados em uma pesquisa realizada na internet com pacientes com PV.[69] Em um grande estudo internacional, esplenomegalia palpável, prurido e sintomas vasomotores estiveram presentes em aproximadamente um terço dos pacientes com PV.[14]

Alguns pacientes podem apresentar zumbido, visão embaçada, artralgia, desconforto abdominal e hiperidrose.[13]

Os pacientes frequentemente são assintomáticos, e o nível elevado de hemoglobina é descoberto em um hemograma realizado por outros motivos.

Investigações iniciais

A avaliação inicial em qualquer paciente com sintomas ou sinais sugestivos de PV consiste nos seguintes exames de sangue.[72]

  • Hemograma completo (incluindo hemoglobina, hematócrito, contagem leucocitária, contagem plaquetária e volume corpuscular médio): um nível elevado de hemoglobina, detectado na apresentação inicial ou incidentalmente, exige uma investigação adicional. Um nível elevado de hemoglobina tem boa sensibilidade diagnóstica (com algumas exceções), mas baixa especificidade. Hemoglobina ou hematócrito elevados são necessários para o diagnóstico de PV; ambos devem ser examinados.[7][8]

  • Esfregaço de sangue periférico: em pacientes com PV, os eritrócitos são abundantes e geralmente normocrômicos e normocíticos, embora os estoques de ferro possam estar esgotados, causando eritrócitos hipocrômicos e microcíticos. Um esfregaço de sangue leucoeritroblástico sugere progressão da doença.

  • Testes da função hepática (TFHs): a função hepática geralmente é normal em pacientes com PV. Anormalidade da bilirrubina, aminotransferases ou fosfatase alcalina deve exigir o rastreamento em busca de trombose das veias hepática ou porta.

  • Ferritina sérica: realizada para rastrear deficiência de ferro se for constatado um baixo volume corpuscular médio. A deficiência de ferro pode mascarar a eritrocitose em pacientes com PV.

Características sugestivas de PV seriam pancitose (particularmente eritrocitose), esplenomegalia e deficiência inexplicada de ferro.

Investigação de causas secundárias

É fundamental descartar causas secundárias de eritrocitose.

  • A hipóxia crônica causada por tabagismo ou doença pulmonar é uma causa secundária comum.[73][74]​​​ A gasometria arterial pode ser avaliada nos casos ambíguos.

  • A apneia do sono pode ser considerada uma possível causa. Embora seja improvável que produza eritrocitose de forma isolada, a apneia do sono com doença pulmonar subjacente pode causar eritrocitose.

  • O uso de esteroide anabolizante ou testosterona também pode causar eritrocitose.[75][76]

Uma investigação adicional para um distúrbio hematológico primário é necessária se as causas secundárias forem descartadas.

Confirmação do diagnóstico

O teste molecular do sangue ou da medula óssea para mutações Janus quinase 2 (JAK2) V617F é recomendado para todos os pacientes com suspeita de NMP.[72] O nível sérico de eritropoetina deve ser medido.[72]

A presença de uma mutação em JAK2 e de eritropoetina sérica baixa em um paciente com eritrocitose absoluta sustentada confirma o diagnóstico de PV.[7][8]

Teste de mutação do gene JAK2

A mutação JAK2 V617F está presente em aproximadamente 95% dos pacientes com PV.[3][4][5][6]​​​​​​​ No entanto, essa mutação não é específica para PV, pois é encontrada em outras NMPs (trombocitemia essencial, mielofibrose primária), leucemia mielomonocítica crônica e leucemia mieloide aguda.[32][77]​​​​ Além disso, está entre as mutações mais comuns detectadas naqueles com "hematopoiese clonal de potencial indeterminado", que não têm determinado fenótipo hematológico.[78]

Os testes quantitativos para a carga do alelo mutante JAK2 V617F podem adicionar informações prognósticas importantes. Pacientes com maior carga alélica de JAK2 V617F parecem ter maior risco de trombose e progressão mielofibrótica.​[49][50][51]​​

Se a mutação JAK2 V617F não for detectada, um diagnóstico de PV é menos provável. No entanto, alguns pacientes apresentam mutações no exon 12 de JAK2 (aproximadamente 3% dos pacientes com PV).[29]​ O teste para a mutação no exon 12 de JAK2 deve ser realizado em pacientes com suspeita de PV que são negativos para a mutação JAK2 V617F.[72]

Níveis de eritropoetina

Podem ser interpretados da seguinte forma.

  • Eritropoietina baixa: sugere fortemente PV, embora isoladamente não seja diagnóstica. A eritropoietina baixa também é relatada em pacientes com policitemia congênita e familiar primária associada a mutações de receptor de eritropoietina com ganho de função.[79] O encaminhamento para um hematologista é apropriado.

  • Eritropoetina alta: compatível com a eritrocitose secundária.[67] Na ausência de uma causa secundária óbvia de eritrocitose, os pacientes são rastreados para tumores secretores de eritropoetina (radiografia torácica, imagens abdominais e RNM ou TC do cérebro). Se o diagnóstico ainda não estiver claro, o encaminhamento para um hematologista é apropriado; um distúrbio hematológico primário é improvável.

  • Eritropoetina normal: a PV é improvável, mas não pode ser descartada. O nível de eritropoetina retorna ao normal em alguns pacientes com PV após flebotomia. O encaminhamento para um hematologista é indicado.

Síndrome de Budd-Chiari (SBC)

Uma proporção significativa de pacientes com SBC (particularmente mulheres jovens) que apresentam hematócrito normal e nível normal de eritropoetina desenvolverá eventualmente um fenótipo de PV.[13][15][66]

A prevalência estimada de neoplasias mieloproliferativas (NMP) em pacientes com SBC é de 30% a 50%; a maioria sendo PV.[66] Nesse caso, é razoável pesquisar a mutação JAK2 V617F. Se o paciente tiver a mutação, o encaminhamento para um hematologista será indicado.

Biópsia da medula óssea

​Obrigatória segundo os critérios de diagnóstico para PV, a menos que haja eritrocitose absoluta sustentada na presença de uma mutação em JAK2 e de baixo nível de eritropoetina sérica.​[7][8][80][81]

A biópsia da medula óssea permite a análise do cariótipo e a avaliação da fibrose reticulínica. O cariótipo anormal é um marcador de sobrevida inferior na PV.[14]​ Fibrose de reticulina medular na apresentação (mielofibrose inicial) se correlaciona com um aumento do risco de mielofibrose pós-PV.​[8][80][82]

Várias características histológicas (por exemplo, aumento da celularidade da medula óssea e aumentos em todas as três linhagens celulares primárias) podem distinguir policitemia secundária de PV e discriminar entre as várias NMPs.[83]​ Por exemplo, o exame de medula óssea é fundamental para fazer a distinção entre "PV mascarada" e trombocitemia essencial.[18]​ Também pode ajudar a distinguir PV precoce com trombocitose concomitante de trombocitemia essencial.[18]

Outros testes

Pode-se considerar testes adicionais dependendo do cenário clínico ou do resultado de estudos anteriores (por exemplo, teste de mutação JAK2 V617F).[72][77]​​​

Ácido úrico

Comumente elevado devido à rápida renovação celular da hematopoiese expandida. Níveis elevados predispõem a gota e cálculos de urato nos rins.

Testes mutacionais adicionais

Realizados para descartar diagnósticos diferenciais e para fins de prognóstico.[37][84]

O teste para mutações do receptor de calreticulina (CALR) e trombopoietina (MPL) pode ser realizado se a trombocitose for a manifestação clínica predominante e o teste de JAK2 V617F e exon 12 em JAK2 for negativo.[72] Uma mutação em CALR ou MPL positiva geralmente descarta PV e sugere um diagnóstico de trombocitemia essencial ou mielofibrose primária.[85][86][87][88]​​​ No entanto, há relatos de mutações em CALR em pacientes com PV.[89]

Ensaios de sequenciamento de próxima geração podem testar múltiplas mutações genéticas simultaneamente (incluindo JAK2, CALR, MPL).[72][77]​​

Mutações em SRSF2, ASXL1 e IDH2 estão associadas à sobrevida global inferior e à sobrevida livre de mielofibrose inferior.[37]

Testes citogenéticos e moleculares: BCR::ABL1

Hibridação fluorescente in situ (FISH) ou reação em cadeia da polimerase (PCR) para BCR::ABL1 (cromossomo Filadélfia) deve ser realizada para descartar leucemia mieloide crônica (LMC).[72]​ O prognóstico e o manejo da LMC diferem consideravelmente dos da PV.

Exames de imagem

Os exames de imagem abdominal podem ser realizados se houver suspeita de esplenomegalia, mas o exame físico for duvidoso. A ultrassonografia pode ser preferencial para evitar a exposição à radiação.

Sintomas sugestivos de trombose da veia esplâncnica também devem levar a exames de imagem.

Os pacientes com PV têm uma alta frequência de trombose, tanto em locais comuns como incomuns. A imagiologia vascular (TC ou RNM) é realizada se houver quaisquer sintomas ou achados de exame físico sugestivos de trombose.

As tromboses de vasos abdominais devem ser descartadas em pessoas com testes de função hepática anormal, dor abdominal recorrente ou evidências de SBC.

O rastreamento de rotina não é indicado em pacientes assintomáticos.

Medição da massa eritrocitária

A massa eritrocitária é sempre elevada na PV. A medição da massa eritrocitária pode ser considerada se a hemoglobina/hematócrito for ambígua ou afetada por certas condições clínicas (por exemplo, sobrecarga de volume).[53] Este teste não é comumente realizado e não está mais incluído nos critérios de diagnóstico da OMS. No entanto, pode ter um papel se o diagnóstico não puder ser estabelecido definitivamente por outros testes.​[8]

PV mascarada

Alguns pacientes podem apresentar PV com confirmação patológica e molecular, sem elevações evidentes na hemoglobina ou no hematócrito.[16] É conhecida como "PV mascarada", pois o diagnóstico não é óbvio a partir da hemoglobina/hematócrito do paciente. Os pacientes com PV mascarada são mais frequentemente do sexo masculino e tendem a apresentar contagens plaquetárias mais altas e aumento da fibrose de reticulina na medula óssea.[16]​​​Os pacientes apresentam o mesmo espectro de complicações da PV manifesta. No entanto, eles têm pior sobrevida (particularmente entre aqueles com idade >65 anos e aqueles com leucocitose) e taxas mais altas de progressão para mielofibrose e leucemia aguda.[16][17]

A PV mascarada requer distinção patológica cuidadosa da trombocitemia essencial quando acompanhada de trombocitose.[18] O reconhecimento tardio/não realizado e uma menor intensidade de tratamento da PV mascarada podem contribuir para desfechos mais desfavoráveis.[19] Alta vigilância clínica para um possível diagnóstico de PV é essencial na presença de sintomas sugestivos ou complicações (por exemplo, trombose de outra forma inexplicável).[18]

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