Etiologia
A deficiência de alfa 1-antitripsina (AAT) é causada por redução dos níveis de AAT plasmática circulante, decorrente da herança dos alelos variantes do gene SERPINA1.[29] O padrão de herança é autossômico, e a expressão dos alelos é codominante. Isso significa que todos os indivíduos têm dois alelos AAT, e é a expressão de ambos que contribui para a variância fenotípica. Especificar o genótipo pelo formato PI*[alelo A][alelo B] garante maior precisão quando se faz referência à condição de pacientes específicos.[4]
A inflamação pulmonar na deficiência de AAT é exacerbada pelo tabagismo, que desencadeia a degradação da matriz extracelular por elastases secretadas por neutrófilos na ausência de um contrabalanço pelas antiproteases. A caracterização da inflamação em camundongos transgênicos e em pulmões humanos explantados demonstrou que os polímeros do fenótipo ZZ invocam uma resposta pró-inflamatória, o que sugere que alterações enfisematosas na deficiência de AAT são causadas por mais que um mero desequilíbrio entre a AAT e as elastases.[30]
O efeito do tabagismo em indivíduos heterozigóticos AAT foi quantificado em um estudo conduzido em famílias no qual a função pulmonar de indivíduos PI*MZ foi comparada à de indivíduos PI*MM. Não houve diferença na função pulmonar (% de volume expiratório forçado no primeiro segundo [VEF1] predito, razão VEF1/capacidade vital forçada [CVF]) entre indivíduos PI*MM e PI*MZ que nunca fumaram. Entre aqueles que já fumaram, a função pulmonar foi significativamente pior em indivíduos PI*MZ (razão VEF1/CVF 0.71 versus 0.77, p=0.001; % de VEF1 predito: 84.6 versus 96.4, p=0.0006). Esses dados sugerem uma influência importante do tabagismo na função pulmonar em indivíduos heterozigóticos.[31] Em dois grandes coortes realizados com pacientes com DPOC, os indivíduos com o fenótipo PI*MM tiveram volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1)/capacidade vital forçada (CVF) mais altos que os com fenótipo PI*MZ. Além disso, entre aqueles com baixa exposição ao tabagismo (<20 maços-ano), os indivíduos PI*MZ tiveram enfisema mais grave no exame por tomografia computadorizada (TC) que indivíduos PI*MM.[32]
Há dados limitados sobre o tabagismo de produtos sem tabaco e de cigarros eletrônicos na função pulmonar de indivíduos com deficiência de AAT, mas, devido ao mecanismo de desequilíbrio da inflamação causada pelo tabagismo, presume-se que tenham o mesmo risco para indivíduos PI*MZ e PI*ZZ.
Fisiopatologia
A deficiência de AAT resulta de mutações alélicas no gene SERPINA1 no locus do inibidor da protease (IP). As mutações de alelos causam atividade ineficaz do inibidor da protease da alfa 1-antitripsina. O mecanismo que reduz os níveis de alfa 1-antitripsina (AAT) plasmática depende da mutação específica do alelo do inibidor da protease.
O alelo Z é caracterizado por uma mutação pontual que causa polimerização da proteína em folha-beta e subsequente agregação no fígado, no qual a maior parte das enzimas é produzida.[33] Em alelos de deficiência grave (incluindo o alelo Z e os raros alelos Siiyama e Mmalton), aproximadamente 70% da AAT mutante é degradada dentro dos hepatócitos, 15% é secretada e 15% forma polímeros ordenados.[29] A retenção de polímeros no fígado pode causar icterícia, hepatite, cirrose e, em casos graves, carcinoma hepatocelular e morte na primeira década de vida.
A não secreção de AAT funcional na circulação também reduz a quantidade de AAT disponível para a atividade de proteases no pulmão, causando dano pulmonar sem oposição decorrente da elastase neutrofílica e outras metaloproteinases da matriz.[34][35][36]
O alelo S (o outro alelo anormal comum) também ocorre por uma mutação pontual, mas a patogênese resulta no processamento pós-translacional insuficiente, o que resulta em proteólise intracelular e níveis plasmáticos circulantes reduzidos.[4]
Níveis séricos reduzidos, por qualquer mecanismo, fazem com que as respostas inflamatórias dentro do pulmão sejam menos controladas, o que aumenta a suscetibilidade a infecções e a danos estruturais.[29] Isso costuma ser iniciado com o tabagismo e envolve a degradação da matriz extracelular do pulmão por elastases secretadas por neutrófilos na ausência de um contrabalanço pelas antiproteases. Como resultado, há alterações enfisematosas.
Classificação
Nível da enzima funcional alfa 1-antitripsina (AAT)
O nível sérico de AAT medido usando o padrão purificado desenvolvido pelo National Institutes of Health dos EUA (o método de teste mais comum nos EUA) é classificado da maneira a seguir:[5][6]
Normal: níveis normais de AAT plasmática circulante (>20 micromoles/L).
Deficiência: AAT plasmática circulante reduzida (<20 micromoles/L).
Nulo: AAT plasmática circulante não detectável.
Disfuncional: níveis normais de AAT plasmática circulante, mas a atividade da enzima é reduzida.
Limiar de proteção: considera-se que níveis de AAT <11 micromoles/L ofereçam proteção inadequada contra doenças pulmonares inflamatórias.
O valor exato do limite varia de acordo com o método de teste e a orientação regional; as diretrizes regionais adequadas devem ser consultadas para interpretação dos níveis séricos de AAT.[5][7][8][9]
Designação alfabética dos alelos[4][10]
Todos os indivíduos têm dois alelos para a AAT. Cada alelo, normal ou anormal, é designado por uma letra de A a Z. A letra atribuída a cada alelo é uma indicação da taxa de migração no gel de eletroforese em relação aos outros >120 alelos conhecidos da AAT. A letra "A" representa a variante de movimento mais rápido no gel de eletroforese, e a letra "Z" representa a variante mais lenta. Especificar o fenótipo pelo formato PI*[alelo A][alelo B] garante maior precisão quando se faz referência à condição de pacientes específicos.
O alelo normal é designado 'M'. Assim, duas cópias normais seriam MM. Um exemplo de fenótipo portador seria PI*MZ, e um exemplo de paciente com deficiência de AAT seria PI*ZZ.
Em razão do grande número de alelos possíveis, há centenas de possíveis genótipos e fenótipos. O alelo mais comumente associado à deficiência clínica de AAT é o alelo Z. O alelo S é outra variante comum que resulta em expressão reduzida de AAT funcional, embora não tão grave quanto com o alelo Z.
Deficiência de alfa 1-antitripsina (AAT) clínica
Qualquer combinação de alelos cuja expressão resulte em níveis de AAT abaixo do limiar protetor no pulmão tem maior probabilidade de contribuir para doenças pulmonares. O fenótipo PI*ZZ é uma manifestação específica conhecida por causar doença pulmonar. Porém, fenótipos intermediários também predispõem à doença. Por exemplo, indivíduos PI*MZ têm um alelo com expressão normal de AAT, mas um alelo que resulta em uma quantidade significativamente reduzida de proteína funcional. A natureza codominante dos alelos da AAT significa que o fenótipo resultante fica entre o esperado em um paciente com níveis normais de AAT e o esperado em um paciente com deficiência grave de AAT, como se observa com o genótipo PI*ZZ. O alelo Z também é a causa da doença hepática na deficiência de AAT (em função do acúmulo de proteína variante). Há poucas evidências que sustentam a contribuição de outras proteínas AAT variantes para a doença hepática, exceto para as raras mutações Mmalton e Siiyama.[11]
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal