Complicações
Apresenta-se com sintomas crônicos, como cansaço excessivo, fatigabilidade, dispneia no esforço físico, palidez e diminuição da tolerância a exercícios.
O transtorno relacionado ao uso de opioides pode ocorrer em qualquer paciente que tome opioides por um período longo. Os pacientes que tomam opioides para dor crônica devem ser informados sobre esta complicação, mas ela não deve influenciar a decisão sobre a oferta de analgesia com opioides aos pacientes. Por causa da dependência e da tolerância, pode ser necessário mudar o opioide ou aumentar a dose para se manter um controle adequado da dor.
A exposição crônica a transfusões de sangue pode acarretar dano a órgão-alvo em indivíduos com doença falciforme. Pacientes em um programa de transfusão crônica devem ser monitorados quanto à sobrecarga de ferro. Os pacientes que tiverem recebido mais do que 50 unidades de eritrócitos devem ser avaliados quanto à sobrecarga de ferro. As recomendações para a avaliação da sobrecarga de ferro em pacientes submetidos a transfusões crônicas incluem ferritina sérica, avaliação do ferro hepático por ressonância nuclear magnética quantitativa ou biópsia hepática uma vez ao ano, além de um ecocardiograma anual.[70][146][147]
O tratamento da sobrecarga de ferro pode ser feito com desferroxamina, deferiprona ou deferasirox. A deferiprona foi aprovada pela Food and Drug Administration dos EUA especificamente para o tratamento da sobrecarga férrica transfusional causada pela doença falciforme.[148] O deferasirox tem se mostrado tão eficaz quanto a desferroxamina. O deferasirox e a deferiprona estão disponíveis por via oral, o que pode propiciar uma melhor adesão.[149][150]
Icterícia e hepatomegalia são comuns, assim como sobrecarga de ferro.[123][124]
A hemólise crônica que afetou os pacientes de doença falciforme causa uma alta incidência de cálculos biliares; 50% a 70% dos pacientes podem ter cálculos de bilirrubina.[125]
Foi mostrado que a colecistectomia laparoscópica é segura e eficaz no tratamento de cálculos biliares sintomáticos em crianças e adultos.[126][127]
Causada por trombose dos vasos endarteriais, frequentemente causando dor intensa e distúrbio da marcha. Por causa da doença articular degenerativa progressiva resultante, esses pacientes necessitam de tratamento contra dor crônica, fisioterapia e de manejo cirúrgico.[92] Ocorre em 10% a 50% dos adultos com anemia falciforme ou HbSC.
Limitada a lactentes e crianças pequenas.
Causada por hipóxia da medula óssea nas mãos e nos pés.
O tratamento se concentra em cuidados de suporte, incluindo analgesia e hidratação. A hidroxiureia mostrou reduzir a frequência de dactilite em lactentes.[49]
Podem variar de leves e pequenas a grandes e graves. Geralmente ocorrem em crianças com mais de 10 anos de idade. Outros fatores de risco incluem sexo masculino, deleção dos genes alfa, alto nível de hemoglobina total e altos níveis de hemoglobina F (HbF).[35]
O manejo é similar ao de outras úlceras da perna, incluindo elevação e curativos de pressão com sulfato de zinco.[134]
Em virtude da febre recorrente e da anemia crônica, podem ocorrer em alguns pacientes cardiomegalia, precórdio hiperdinâmico e sopro de fluxo. São usados tratamentos padrão para hipertensão e insuficiência cardíaca congestiva.
Entre 12-20 anos de idade, quase 90% dos pacientes do sexo masculino com doença falciforme apresentarão um ou mais episódios de priapismo, frequentemente ocasionando impotência permanente.[142][143] Episódios com duração de 4 horas ou mais são considerados emergências médicas e é indicada a avaliação urológica. Analgesia, hidratação e medidas locais (aspiração urológica, descompressão) são os fundamentos da terapia.
Não há ensaios clínicos randomizados e controlados sobre tratamentos para a detumescência.[144]
Apresenta-se com esplenomegalia, palidez, taquicardia, letargia e choque, causado pelo aprisionamento intraesplênico dos eritrócitos e pela queda resultante nos níveis de hemoglobina.
Tratado com transfusões de emergência.[35]
Episódios repetidos (crises de sequestro) no baço acarretam fibrose e autoesplenectomia.
A esplenectomia pode ser considerada para pacientes com sequestro esplênico recorrente ou hiperesplenismo sintomático, embora as evidências sejam escassas.[35][128]
Em crianças com mais de 8 anos de idade e em adultos, a ultrassonografia abdominal pode ser usada para documentar o tamanho do baço e a presença de cálculos biliares.
Pacientes com autoesplenectomia ou esplenectomia devem ser vacinados contra gripe (influenza), pneumococos e meningococos. CDC: immunization schedules Opens in new window
Pacientes com doença falciforme que não seja HbSS comumente apresentam esplenomegalia.
A evidência ecocardiográfica do aumento da pressão pulmonar ocorre em 30% a 40% dos adultos com doença falciforme.[135] A anemia hemolítica intravascular de longa duração acarreta uma deficiência relativa de óxido nítrico (NO), causada pela liberação de hemoglobina e arginase de eritrócitos submetidos à lise que varrem o NO. A hipertensão pulmonar resultante da deficiência relativa de NO causa vasoconstrição pulmonar, disfunção endotelial, hipertensão pulmonar e trombose potencial.[13] O diagnóstico da hipertensão arterial pulmonar verdadeira deve ser confirmado por cateterismo cardíaco direito antes de qualquer tratamento.[136]
O tratamento padrão é semelhante ao administrado a outros pacientes com hipertensão pulmonar e inclui a infusão contínua de prostaciclina.[137][138][139]
Os vasos sanguíneos na medula renal são altamente suscetíveis a danos decorrentes de falcização, em decorrência do ambiente anóxico e acidêmico da medula. Crises recorrentes podem acarretar insuficiência renal. Uma vez que os pacientes hipersecretam creatinina, ela é uma medida inadequada de doença renal. Os pacientes devem ser submetidos a rastreamento anual para verificação da presença de aumento na excreção de albumina urinária. Em caso de proteinúria, sugere-se o tratamento com inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA).[141]
Os pacientes com doença renal crônica ou insuficiência renal em estágio terminal devem ser encaminhados para consideração de transplante de rins.[141]
O traço falciforme está associado a aumento do risco de hematúria, proteinúria, doença renal crônica e doença renal em estágio final.[14]
Uma análise das tendências de crescimento mostrou que as crianças ficam cada vez mais fora da curva de crescimento à medida que ficam mais velhas, sendo os meninos mais afetados que as meninas. As curvas da velocidade do crescimento para uma série de 13 adolescentes mostraram um retardo no início do estirão de crescimento puberal.[145]
Os deficits neurológicos súbitos incluem: dificuldade na fala, escrita e/ou leitura; convulsões; deficits motores e sensoriais; e alteração do nível de consciência. As probabilidades de ocorrência de um primeiro AVC aos 20-45 anos de idade são de 11% e 14%, respectivamente, para pacientes com HbSS, e de 2% e 10%, para pacientes com HbSC.[114]
Estudos dopplerfluxométricos realizados por meio de ultrassonografia com Doppler transcraniano (DTC) em vasos intracranianos ajudam a avaliar o risco de AVC causado por lesões dos vasos principais (carótida interna e artérias cerebrais anterior e média).[115] O rastreamento por DTC em crianças com HbSS é recomendado para prevenção primária de AVC, começando aos 2 anos de idade e prosseguindo anualmente, caso o DTC seja normal, ou a cada 4 a 6 meses, caso o DTC seja marginal.[31] As crianças com resultados anormais são testadas novamente em até 2 a 4 semanas.[32][33] Crianças com velocidades de Doppler transcraniano (DTC) anormais têm sido tradicionalmente mantidas na terapia de transfusão crônica, o que reduz o risco de AVC. O ensaio clínico TWiTCH demonstrou que crianças com anemia falciforme que receberam, pelo menos, 1 ano de transfusões para DTC elevado, e não apresentaram vasculopatia grave de alto risco definida por angiografia por ressonância magnética, podem mudar de forma segura para o tratamento com hidroxiureia.[116] A American Society of Hematology recomenda vigilância para o comprometimento cognitivo usando questões de sinalização simplificadas (forte recomendação) e rastreamento com RNM cranioencefálica sem sedação para detectar infartos cerebrais silenciosos pelo menos uma vez em crianças em idade escolar inicial e em adultos com talassemia HbSS e Hb0 ( recomendação condicional).[31]
Em crianças que sofreram AVC evidente, recomenda-se a terapia de transfusão crônica.[117][118]
[ ]
Entretanto, um estudo demonstrou que as crianças com AVC prévio submetidas à terapia de transfusão crônica permaneceram com risco de sofrer infartos cerebrais progressivos (tanto infartos aparentes quanto infartos silenciosos), que ocorreram em 45% das 40 crianças estudadas.[119] Em adultos, existem poucos dados disponíveis para orientar o manejo, de maneira que o tratamento de AVC agudo é semelhante ao de qualquer outro paciente de AVC.
Deve ser considerada a prevenção envolvendo o uso de transfusões de sangue regulares para manter a hemoglobina S (HbS) no máximo em 30%.
Crianças e adultos com deficits neurológicos agudos, inclusive ataque isquêmico transitório, devem receber transfusão imediatamente quando do reconhecimento dos sintomas. A exsanguineotransfusão é preferida, mas uma transfusão simples deverá ser realizada se a Hb for ≤8,5 g/dL e a exsanguineotransfusão não estiver disponível até 2 horas após a apresentação para cuidados médicos.[31]
A lesão neurológica mais comum em crianças é o infarto cerebral silencioso. Crianças com AVCs silenciosos apresentam risco maior de AVC aparente e baixo sucesso acadêmico. Há evidências de que a terapia com transfusão crônica pode diminuir significativamente o risco de AVC clínico e outras complicações relacionadas à doença falciforme (síndrome torácica aguda e crises dolorosas) em crianças de alto risco (por exemplo, com velocidades de DTC anormais ou infarto cerebral silencioso prévio).[120][121]
[ ]
[
]
Adultos com anemia falciforme podem apresentar significativa disfunção neurocognitiva não reconhecida. Em um estudo com 149 adultos com anemia falciforme, o desempenho médio no índice de quociente de inteligência (QI) na Escala de Inteligência Wechsler para Adultos (WAIS-III) de pacientes com anemia falciforme foi significativamente mais baixo do que o de pacientes controles. A piora da função cognitiva foi associada à anemia e à idade.[122]
Uma revisão sistemática constatou que a prevalência de doenças pneumocócicas invasivas em crianças com doença falciforme é de 1.9%. A apresentação mais comum foi a septicemia, seguida por infecção do trato respiratório inferior e meningite. A maioria dos casos foi causada por sorotipos pneumocócicos que não estão incluídos na vacina pneumocócica conjugada 13-valente (PCV13); o risco pode ser mitigado pela adesão rigorosa à profilaxia com penicilina.[129]
O infarto crônico pode ser acompanhado por hemorragias do vítreo e cegueira, em decorrência de neovascularização.
Os pacientes que se queixam do aparecimento súbito de moscas volantes ou da perda aguda da visão precisam de avaliação imediata por um oftalmologista para verificar a presença de sinais de hemorragia retiniana ou de oclusão da artéria retiniana.[130]
Os pacientes precisam de exames anuais da retina para rastreamento de retinopatia proliferativa. O rastreamento para retinopatia com exame com a pupila dilatada começando aos 10 anos de idade. 45% dos pacientes apresentam maculopatia detectável com tomografia de coerência óptica; a prevalência aumenta com a idade.[131]
Foi mostrado que a nifedipina melhora a perfusão e visão das cores.[132]
Laserterapia deve ser considerada como opção terapêutica para pacientes com evidência de retinopatia proliferativa ou perda da visão e hemorragia vítrea.[133] Outras terapias, como a injeção intravítrea de antifatores de crescimento endotelial vascular, ainda não foram amplamente estudadas.
Uma revisão sistemática constatou que o traço falciforme está associado a aumento do risco de embolia pulmonar. A razão de riscos para embolia pulmonar com ou sem trombose venosa profunda em pessoas com traço falciforme foi de 2.24 (intervalo de confiança 1.28 a 3.95).[14]
A interrupção transitória da produção de eritrócitos, frequentemente desencadeada por uma infecção viral, é caracterizada por palidez, taquipneia e taquicardia sem esplenomegalia. Ela é mais comumente associada à infecção por parvovírus. As contagens de reticulócitos são geralmente <1%. Tratada com transfusões de eritrócitos.[35]
A incidência de infecção por Plasmodium falciparum em pessoas que vivem na África com anemia falciforme demonstrou ser mais baixa que nas pessoas sem a doença. Entretanto, as manifestações de malária podem ser mais graves naqueles com doença falciforme.
Um ensaio clínico randomizado e controlado demonstrou que o tratamento preventivo intermitente com artesunato-mefloquina foi mais eficaz na prevenção da malária do que a profilaxia diária com proguanil.[140]
O traço falciforme está associado ao aumento do risco de rabdomiólise por esforço.
Um estudo realizado com militares ativos relatou uma razão de riscos de 1.54 (intervalo de confiança 1.12 a 2.12) para rabdomiólise por esforço em pessoas com traço falciforme.[151]
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal