Abordagem

O isolamento do fungo junto com achados clínicos e/ou radiológicos típicos formam a base do diagnóstico.

A inalação de esporos é considerada a via primária de inoculação, resultando em envolvimento pulmonar com potencial de disseminação sistêmica subsequente. Em pacientes imunossuprimidos, a disseminação hematogênica pode ocorrer em diversos órgãos, incluindo sistema nervoso central (SNC) e meninges, pele, próstata, olhos, ossos, trato urinário e sangue.[1] A infecção extrapulmonar, especialmente se envolver o SNC, traz risco de vida e deve ser sempre considerada, sobretudo em pacientes imunodeficientes, mesmo se não houver sinais clínicos específicos de infecção disseminada.

Quadro clínico

O quadro clínico da criptococose varia de infecção assintomática a pneumonia com risco de vida, e é diferente em pacientes infectados com vírus da imunodeficiência humana (HIV) e não infectados com HIV.[1][2]

Características da apresentação

  • Pacientes com criptococose pulmonar aguda apresentam pirexia, tosse produtiva, dispneia, dor torácica, perda de peso e fadiga. Eles também podem apresentar insuficiência respiratória aguda.

  • Cefaleias, febre, neuropatias cranianas, alterações da consciência, letargia, irritação meníngea e coma representam envolvimento do SNC, e podem se apresentar por vários dias ou meses. Deve-se manter um alto índice de suspeita em pacientes infectados por HIV e pacientes imunocomprometidos, mesmo quando apresentarem somente cefaleia, devido ao início subagudo e à apresentação inespecífica da meningoencefalite nesses pacientes. As convulsões podem ser um fator de apresentação em 15% dos pacientes com meningite criptocócica relacionada ao HIV.[34]

  • A criptococose associada à infecção por HIV é caracterizada por maior envolvimento extrapulmonar e do SNC e por apresentar uma carga maior de organismos.[1] Ela também está associada a uma baixa reação inflamatória no local da infecção.[1]

  • Em pacientes com HIV-positivo, os sintomas geralmente ocorrem em um período de 1 a 2 semanas ou mais. Pacientes sem infecção por HIV apresentam sintomas por um período mais longo, geralmente vários meses, antes do diagnóstico.

Obter a história médica pregressa e de medicamentos, pois a doença sintomática geralmente se desenvolve em pacientes imunocomprometidos e naqueles com comorbidades graves.

  • Infecção por HIV, transplante de órgãos, linfocitopenia CD4 idiopática, doença hepática, lúpus eritematoso sistêmico, diabetes mellitus, neoplasias hematológicas e medicamentos imunossupressores, como corticosteroides ou anticorpos monoclonais (por exemplo, alentuzumabe e infliximabe), podem permitir a reativação de uma infecção criptocócica.[1]

Exame físico

Macicez à percussão, diminuição dos murmúrios vesiculares e estertores no lado afetado representam derrame pleural, infiltrados intersticiais e alveolares difusos ou lesões endobrônquicas.

Observa-se irritação meníngea caracterizada por rigidez da nuca, fotofobia e vômitos em um quarto a um terço dos pacientes HIV-positivos com meningoencefalite.[1][2][4][35] Também pode ocorrer paralisia de nervos cranianos.

O papiledema é um sinal de aumento da pressão intracraniana, que pode resultar de inflamação meníngea, criptococoma ou hidrocefalia. Ele ocorre em quase 50% dos pacientes HIV-negativos e HIV-positivos com meningite criptocócica, e complica o manejo, causando perda auditiva ou visual.[35]

As manifestações oculares mais comuns incluem hemorragias retinianas e peripapilares, e outras lesões retinianas, todas podendo resultar em perda da visão.[1]

Infecções cutâneas resultantes da inoculação direta ou secundária à doença disseminada são o terceiro local clínico mais comum de criptococose, sobretudo em pacientes imunocomprometidos. Lesões cutâneas comuns em pacientes HIV-positivos são lesões do tipo molusco contagioso e acneiformes. Também foram descritos púrpura, vesículas, nódulos, abscessos, úlceras, granulomas, drenagens sinusais e celulite.[1]

Antígeno polissacarídeo capsular criptocócico (CRAG) e culturas

O exame direto do fungo Cryptococcus em fluidos corporais, junto com citologia, histopatologia dos tecidos infectados, estudos séricos e cultura, é necessário para o diagnóstico da criptococose e deve ser realizado em todos os pacientes.

O CrAg pode ser detectado no sangue, líquido cefalorraquidiano (LCR) e líquido pleural usando testes rápidos de antígenos. O rápido diagnóstico é facilitado pelo ensaio do fluxo lateral (LFA) para detecção do antígeno criptocócico (CrAg) em soro e LCR, complementando a microscopia tradicional (tinta nanquim) e técnicas de cultura.[32][36]

  • Um ensaio de fluxo lateral (LFA) é um teste de diagnóstico rápido remoto que fornece resultados em 10 minutos. Pode-se testar uma amostra de plasma, soro, sangue total ou LCR.[37] A validação de um LFA para CrAg disponível mostrou sensibilidade de 99.3% e especificidade de 99.1%.[38]

  • A aglutinação em látex (partículas de látex revestidas com anticorpos policlonais para a cápsula criptocócica), um ensaio direto de detecção do antígeno, é realizada no sangue, no LCR ou fluidos corporais, como amostras de líquido pleural e de lavagem broncoalveolar. A sensibilidade da aglutinação em látex varia de 97.0% a 97.8% e a especificidade de 85.9% a 100%.[38] Resultados falso-positivos podem ocorrer devido à presença de fator reumatoide ou infecções por Trichosporon beigelii, Stomatococcus mucilaginosus, Capnocytophaga canimorsus ou Klebsiella pneumoniae.[39][40][41] Resultados falso-negativos são causados por uma baixa carga fúngica.

  • Em geral, o CrAg sérico é universalmente positivo nos pacientes com infecção por HIV e meningite criptocócica, e o envolvimento do LCR se torna cada vez mais provável à medida que os títulos séricos de CrAg aumentam acima de 1:160 (LFA). A um título sérico >1:1280, ou >1:640 (LFA) em pacientes com HIV, mesmo se o LCR for negativo para CrAg, o envolvimento do parênquima cerebral no SNC deve ser presumido.[20][42] Na criptococose pulmonar, o CRAG sérico geralmente é negativo caso a infecção esteja confinada ao pulmão com um nódulo de ≤1 cm. Um resultado positivo pode indicar doença disseminada. A flutuação serial nos títulos de CRAG sérico não deve ser usada para guiar o tratamento, pois a cinética da eliminação do CRAG continua desconhecida.[1][43]

  • Um aumento nos títulos de CRAG no LCR durante a terapia supressora está associado à recidiva em pacientes HIV-positivos com meningite criptocócica.[1] Existe uma correlação entre os títulos iniciais de antígenos no LCR e a carga de levedura no SNC em culturas quantitativas.[1][2][4] A presença de CRAG no líquido pleural pode ser útil quando as culturas forem negativas.[44]

  • Os títulos de CrAg, em geral, não podem ser acompanhados ao longo do tempo para monitorar a resposta ao tratamento. O CrAg pode se manter positivo por anos.[43]

Culturas

  • O Cryptococcus neoformans e o Cryptococcus var. gattii podem ser cultivados a partir de amostras biológicas, e colônias são observadas em placas de ágar sólido após 48 a 72 horas de incubação a temperaturas entre 30°C (86°F) e 35°C (95°F) em condições aeróbias.[1] Amostras de pacientes tratados com terapia antifúngica sistêmica podem requerer mais tempo para produzir colônias visíveis.

  • As hemoculturas podem ser positivas em até 50% dos pacientes com meningite criptocócica associada ao HIV.[20] As culturas de LCR negativas em pacientes com meningite criptocócica podem ser causadas por uma baixa carga fúngica. As secreções brônquicas e a urina podem estar contaminadas por muitos micro-organismos que podem mascarar o crescimento dos criptococos, sobretudo em pacientes com AIDS. A massagem prostática pode aumentar a detecção fúngica na cultura de urina.

  • Embora as espécies de Cryptococcus não sejam consideradas como fazendo parte da flora respiratória habitual em humanos, elas ocasionalmente podem colonizar o trato respiratório de pacientes com doença pulmonar, e as culturas da expectoração podem ser positivas. Em pacientes imunocomprometidos, todos os isolados devem ser considerados significativos, pois eles apresentam potencial para causar disseminação.

anticorpos antivírus da imunodeficiência humana (anti-HIV)

Como a meningite criptocócica de novo ou a doença disseminada em geral ocorrem em pacientes HIV-positivos, recomendam-se testes para anticorpos anti-HIV em pacientes com sorologia para HIV desconhecida que apresentam meningite criptocócica ou doença disseminada.[32]

Radiografia torácica e TC do tórax

As características radiológicas da criptococose pulmonar variam bastante de acordo com o estado imunológico do paciente, incluindo nódulos, consolidação, cavitação, infiltrados lobares, linfadenopatia hilar, linfadenopatia mediastinal, derrames pleurais e colapso. A tomografia computadorizada (TC) do tórax revela características radiológicas mais detalhadas e pode ser indicada em todos os pacientes, especialmente naqueles imunocomprometidos nos quais se suspeita de criptococose pulmonar. Pacientes imunocompetentes se apresentam com nódulos distintos, enquanto infiltrados alveolares e intersticiais, cavitações, doença pleural e colapso são mais comumente observados em pacientes imunocomprometidos.[1][4][45][46][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Lesões bilaterais em bala de canhão secundárias a Cryptococcus neoformansDo acervo do departamento de radiologia do The Prince Charles Hospital, Chermside, Brisbane, Austrália; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5ac08e1c[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Nódulos pulmonares no lobo inferior direito e lobo inferior esquerdo secundários a Cryptococcus neoformansDo acervo do departamento de radiologia do The Prince Charles Hospital, Chermside, Brisbane, Austrália; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@73bdf8a6[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Consolidação pneumônica bibasal secundária a Cryptococcus neoformansDo acervo do departamento de radiologia do The Prince Charles Hospital, Chermside, Brisbane, Austrália; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@47cb2246[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Opacificação irregular bilateral nas regiões central a inferior secundária a Cryptococcus neoformansDo acervo do departamento de radiologia do The Prince Charles Hospital, Chermside, Brisbane, Austrália; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@4b77e214

Neuroimagem

A ressonância nuclear magnética do cérebro detecta significativamente mais lesões relacionadas à criptococose do que a TC.[47][48]

As características radiológicas incluem lesão de massa focal única ou múltipla no criptococoma, granulomas sem efeito de massa significativo, cistos (pseudocistos gelatinosos), hidrocefalia, dilatação dos espaços de Virchow-Robin e aumento dos nódulos corticais. O Cryptococcus na variante gattii tem predileção por causar doenças no parênquima cerebral em vez de nas meninges, resultando em criptococomas cerebrais (representados por lesões de massa focal única ou múltipla) ou hidrocefalia.[1]

Punção lombar

O exame microscópico direto do LCR para a presença de leveduras encapsuladas com tinta nanquim é um teste diagnóstico rápido e baratos para a meningite criptocócica.[1][2][4] No entanto, muitos laboratórios não realizam mais o teste de coloração com tinta nanquim e sua utilidade no tratamento da meningite criptocócica é limitada.[20] A coloração com tinta nanquim permite a detecção de leveduras em uma amostra de LCR quando mais de 10³ leveduras/mL estão presentes, e mostra levedura encapsulada em 60% a 80% dos casos.[20] Na meningite criptocócica não associada a infecção por HIV, a sensibilidade é de 30% a 50%, enquanto na meningite criptocócica associada ao HIV é de até 80%.[20] Glóbulos de mielina, gotículas de gordura, linfócitos lisados e células de tecido lisadas podem causar resultados falso-positivos.[1]

A análise laboratorial do LCR geralmente revela níveis de proteína levemente elevados, níveis de glicose de baixos a normais e, às vezes, leucocitose.[20]

Devem ser obtidas imagens radiológicas do cérebro com TC ou RNM antes da punção lombar em pacientes com sinais neurológicos focais ou papiledema, para identificar lesões de massa que possam contraindicar a punção lombar.[1][2]

Pacientes imunocompetentes assintomáticos com criptococose pulmonar e um CRAG sérico negativo não precisam necessariamente de uma punção lombar para excluir doença no SNC. Os pacientes imunocomprometidos devem ser submetidos a uma punção lombar independente dos sintomas, principalmente quando o título do CRAG sérico for ≥1:160, e ter o LCR testado para CRAG a fim de descartar uma infecção concomitante no SNC.[42]

A hipertensão intracraniana, definida como uma pressão de abertura de >20 cm H₂O, medida com o paciente na posição de decúbito lateral, ocorre em até 80% dos pacientes com meningite criptocócica e está associada a uma resposta clínica mais desfavorável.[23]​​[49][50][51] Pressões de abertura ≥25 cm H₂O podem ser detectadas em 60% a 80% dos pacientes HIV-positivos com meningite criptocócica.[20] As diretrizes dos EUA recomendam medir a pressão de abertura ao diagnóstico em todos os pacientes com suspeita de meningite criptocócica.[20]

Broncoscopia

Os testes de CRAG e as culturas das amostras de lavagem broncoalveolar podem ser positivos na criptococose pulmonar.[4]

Os testes de CRAG em amostras de lavagem broncoalveolar são altamente eficazes no diagnóstico da pneumonia criptocócica com um título de >1:8, tendo sensibilidade de 100% e 98% de especificidade.[4]

Biópsia

Também é possível realizar um exame histológico do pulmão, pele, medula óssea, cérebro ou tecido prostático a fim de detectar disseminação sistêmica. Os espécimes obtidos por meio da aspiração com agulha fina (AAF) dos linfonodos e glândulas adrenais podem ser usados para estudo citológico. Pode-se realizar uma AAF transtorácica percutânea dos nódulos pulmonares ou das lesões infiltrativas, guiada por ultrassonografia ou TC, a fim de diagnosticar uma criptococose pulmonar. Outros espécimes para o exame citológico incluem líquido da lavagem broncoalveolar, LCR centrifugado, aspiração do humor vítreo e líquido seminal.[1][2][4][36]

Novas investigações

O ensaio de reação em cadeia da polimerase BioFire® FilmArray® está disponível nos EUA para a detecção de infecção criptocócica no LCR.[20] O ensaio pode fornecer resultados falso-negativos se a carga fúngica for baixa, portanto, não deve ser usado como teste diagnóstico de maneira isolada.[20]

A reação em cadeia da polimerase provavelmente será mais útil na diferenciação de um segundo episódio de meningite criptocócica (reação em cadeia da polimerase positiva) da síndrome inflamatória de reconstituição imune (reação em cadeia da polimerase negativa) nos pacientes com HIV.[20]

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