Abordagem

A doença de Wilson é tratada com farmacoterapia ao longo da vida e restrições alimentares.[4][5][24][25][41][42] O objetivo do tratamento é reduzir os níveis totais de cobre no corpo para, em última análise, manter um equilíbrio de cobre. O tratamento é dividido em inicial e de manutenção para cada categoria de manifestação.

As recomendações atuais são o uso de quelação ou zinco para remover o excesso de cobre do corpo através das fezes, urina ou potencialmente ambos.[5] Dependendo do quadro clínico e se o paciente está na fase inicial do tratamento ou na fase de manutenção, os esquemas de tratamento podem variar.

Uma abordagem multidisciplinar ao tratamento (nutricionista, psiquiatra, neurologista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo) é essencial devido aos efeitos sistêmicos da doença.

Terapia farmacológica

A terapia farmacológica inclui os quelantes orais penicilamina (como o isômero D) e trientina, que aumentam a excreção urinária de cobre, e sais de zinco, que diminuem a absorção alimentar de cobre.[4] Os quelantes são geralmente usados como primeira linha.[5][24][25][42] Faltam dados comparativos de ensaios clínicos prospectivos comparativos.[4]

Penicilamina

A penicilamina é absorvida no trato gastrointestinal, mas pode ocorrer diminuição da absorção se ingerida com uma refeição. Um agravamento paradoxal dos sintomas neurológicos pode ocorrer em 10% a 50% dos pacientes que iniciam o tratamento com penicilamina.[5] Os efeitos adversos iniciais incluem febre, linfadenopatia, trombocitopenia e proteinúria, e as reações de sensibilidade devem levar à descontinuação dos medicamentos. Outros efeitos adversos em longo prazo incluem nefrotoxicidade, toxicidade da medula óssea e alterações dermatológicas. Aproximadamente 30% dos pacientes descontinuam o tratamento com penicilamina devido a efeitos adversos.[5]

A resposta ao tratamento é avaliada pela medição da excreção urinária de cobre em 24 horas. Ela pode exceder 16 micromol/dia (1000 microgramas/dia) inicialmente, estabilizando para 3-8 micromol/dia (200-500 microgramas/dia) no tratamento de manutenção. A concentração de cobre não ligado à ceruloplasmina se normaliza com o tratamento efetivo. Uma excreção de cobre na urina <1.6 micromoles/dia (<100 microgramas/dia) pode indicar excesso de tratamento ou não adesão.[5]

Trientina

A trientina, como a penicilamina, é um quelante oral que promove a excreção renal de cobre. A trientina está associada a um risco muito menor de agravamento dos sintomas neurológicos após o início da terapia, em comparação com a penicilamina.[5] As diretrizes recomendam o uso de trientina para pacientes intolerantes à penicilamina.[5][24][42][43][44] A trientina é cada vez mais utilizada como terapia inicial, devido ao seu melhor perfil de efeitos adversos.[45] Os efeitos adversos raros de trientina incluem pancitopenia, colite, deficiência de ferro, lúpus eritematoso sistêmico, distonia, espasmo muscular e miastenia gravis.[45][46]

A resposta ao tratamento é avaliada pela medição da excreção urinária de cobre em 24 horas. Ela pode exceder 16 micromol/dia (1000 microgramas/dia) inicialmente, estabilizando para 2.4 a 8 micromoles/dia (150-500 microgramas/dia) no tratamento de manutenção.[5]

Zinco

O zinco inibe a absorção intestinal de cobre. Tem efeitos adversos mínimos. A irritação gástrica é o principal efeito adverso.[5] Mudar para um sal de zinco diferente pode ajudar a aliviar os sintomas.[42][47]

O zinco parece ter eficácia comparável à penicilamina e é mais bem tolerado.[48] O agravamento paradoxal dos sintomas neurológicos que pode ocorrer com quelantes é raro com a terapia com zinco.[5][49][50]​ Foi relatado um caso de deterioração fatal da doença de Wilson hepática após o início da terapia com zinco.[51] A terapia combinada com zinco e um quelante tem sido usada em pacientes com doença grave.

A meta de excreção urinária de cobre em 24 horas é de <1.6 micromol/dia (<100 microgramas/dia).[5]

Terapia de manutenção

Após o tratamento inicial com um agente quelante, os pacientes estáveis podem continuar tomando uma dose menor de agente quelante ou mudar para o tratamento com zinco à dose completa.[5] O zinco é mais seletivo para remover o cobre do que a penicilamina ou a trientina e está associado a menos efeitos adversos.[5] Os pacientes geralmente terão recebido 1-5 anos de terapia inicial antes da estabilização. Os pacientes podem mudar para o zinco quando estiverem clinicamente bem e tiverem função sintética hepática normal, e as concentrações séricas de aminotransferase e cobre não ligado à ceruloplasmina estiverem na faixa normal. A excreção urinária de cobre em 24 horas deve ser de 1.6 micromol/dia (<100 microgramas/dia).[5]

Manifestações hepáticas

Cerca de 20% dos pacientes com doença de Wilson apresentam insuficiência hepática aguda (icterícia, coagulopatia, ascite, insuficiência renal e encefalopatia).[24] Adultos e crianças com insuficiência hepática aguda devido à doença de Wilson devem ser encaminhados com urgência para um centro de transplante de fígado.[5][24]​ Os escores como o escore de Nazer e o Novo Índice de Wilson (NIW; também chamado de índice prognóstico de DW revisado ou escore do King's College revisado) podem ser úteis na triagem de pacientes que apresentam insuficiência hepática aguda.[52][53]​ O escore pode fornecer informações sobre a necessidade de transplante de fígado versus terapia de resgate com tratamento de quelação.

O escore de Nazer se baseia na gravidade da anormalidade de aspartato aminotransferase (AST) sérica, bilirrubina e tempo de protrombina (TP) na internação.[52] Um escore de 0 a 4 é atribuído para cada parâmetro sanguíneo, dependendo do grau de anormalidade. O escore máximo é 12.

Escore de Nazer:[52]

  • 0: bilirrubina <100 micromoles/L; AST <100 unidades/L; TP <4

  • 1: bilirrubina de 100-150 micromoles/L; AST de 100-150 unidades/L; TP de 4-8

  • 2: bilirrubina de 151-200 micromoles/L; AST de 151-200 unidades/L; TP de 9-12

  • 3: bilirrubina de 201-300 micromoles/L; AST de 201-300 unidades/L; TP de 13-20

  • 4: bilirrubina >300 micromoles/L; AST >300 unidades/L; TP >30

O transplante é recomendado para pessoas com escore de Nazer ≥10. Pessoas com escore de Nazer ≤6 devem ser tratadas com terapia farmacológica. Aqueles com escore de 7 a 9 são avaliados usando julgamento clínico.[52]

O NIW foi desenvolvido com base em casos pediátricos da doença de Wilson e foi validado em coortes de adultos.[53] O escore incorpora valores de bilirrubina, razão normalizada internacional (INR), AST, contagem de leucócitos e albumina para fornecer um escore entre 0 e 20. Um escore ≥11 sugere alta mortalidade sem transplante.[53][54]​ A dificuldade na utilização do Nazer e do NIW ocorre em torno do ponto de corte (Nazer: 6-7 pontos, NIW: 10-11 pontos) em relação a se é preferível transplante ou terapia de resgate com terapia de quelação. Nesses casos, a tendência do escore pode ser útil.

O principal objetivo do tratamento naqueles que recebem tratamento farmacológico é alcançar o equilíbrio de cobre, limitando qualquer inflamação ou lesão adicional no fígado.

Adultos e crianças com insuficiência hepática descompensada, mas sem encefalopatia hepática, muitas vezes podem ser tratados com sucesso com terapia farmacológica.[5][25] Em pacientes com insuficiência hepática candidatos ao tratamento farmacológico, a terapia é uma combinação de um quelante (trientina ou penicilamina) associado ao zinco.[5][25]  O cobre urinário de 24 horas deve ser monitorado rigorosamente, além da melhora clínica e bioquímica.

O transplante de fígado deve ser considerado para pacientes com insuficiência hepática cuja função hepática se deteriora durante o tratamento farmacológico.

Manifestações neurológicas/psiquiátricas

O principal objetivo do tratamento inicial é eliminar a toxicidade do cobre e evitar uma perda adicional da função neurológica. A monoterapia com zinco pode ser usada inicialmente para sintomas neurológicos graves.[42][48]​ As diretrizes recomendam terapia de quelação com penicilamina ou trientina.[5][24][42]​ A trientina é frequentemente mais bem tolerada.[42]

Os pacientes que apresentam sintomas neurológicos podem ter maior probabilidade de apresentar agravamento paradoxal dos sintomas neurológicos durante o início da terapia. O risco de agravamento neurológico paradoxal é maior com penicilamina, mas também pode ocorrer com trientina ou, menos comumente, zinco.[5][49]​​[50]​ Em pacientes com sintomas neurológicos, inicie a terapia de quelação lentamente e monitore rigorosamente o agravamento paradoxal durante o início.

Pacientes assintomáticos

Pacientes assintomáticos necessitam de tratamento com foco na manutenção do equilíbrio do cobre para evitar danos aos órgãos causados pela inflamação causada pela lesão do cobre. Penicilamina, trientina ou zinco podem ser usados como tratamento.[5] O tratamento deve ser iniciado em crianças assintomáticas aos 2-3 anos de idade.[25] O zinco pode ser usado em crianças assintomáticas identificadas por meio de rastreamento familiar, devido ao seu perfil de segurança favorável.[25] Não está claro se o zinco deve ser usado para crianças muito pequenas sem danos nos órgãos, devido a preocupações com o deficit de estatura e do desenvolvimento.

Crianças sintomáticas

O tratamento com penicilamina, trientina ou zinco deve começar imediatamente em crianças sintomáticas para prevenir a progressão da doença hepática e/ou neurológica. A estratégia de tratamento deve ser individualizada e depende do tipo e gravidade do envolvimento do órgão. O zinco pode ser usado como terapia de manutenção após a redução do cobre usando quelantes. A terapia combinada com zinco e um agente quelante pode ser eficaz em pacientes com doença hepática crônica descompensada.[25]

O NIW pode ser usado para predizer a necessidade de transplante de fígado. Crianças que apresentam cirrose hepática descompensada e insuficiência hepática, mas não apresentam encefalopatia hepática, muitas vezes podem ser tratadas com sucesso com quelação.[55] A resposta ao tratamento medicamentoso demora pelo menos 1 mês; a normalização do tempo de protrombina pode levar de 3 a 12 meses.[25][55]

Gestantes

As pacientes com doença de Wilson que pretenderem engravidar devem conversar com seus médicos antes de engravidarem para garantir a estabilidade de sua doença antes da concepção. A predisposição genética e a segurança dos medicamentos na gestação devem ser discutidas.[5]​ Pode haver alguma dificuldade em conceber se a doença não for adequadamente tratada. As pacientes com cirrose descompensada devem ser aconselhadas a evitarem a gravidez, se possível, devido aos riscos à saúde da mãe e da criança.

O tratamento deve ser mantido durante toda a gravidez.[5] Penicilamina, trientina ou zinco podem ser usados. A dose de penicilamina ou trientina deve ser reduzida para a dose mínima necessária, que geralmente é de 25% a 50% da dose pré-gestacional.[40]​ Não é necessária uma redução da dose de zinco.[5][40]​ A mudança da terapia quelante para zinco deve depender do estado clínico da paciente, e uma abordagem multidisciplinar deve ser considerada.

A penicilamina e a trientina têm sido associadas a malformações congênitas e são categorizadas como teratógenos.[56][57] Um estudo de coorte relatou uma taxa de malformações congênitas de 3% em mulheres tratadas com quelantes durante a gravidez.[57] Uma pequena série de casos também relatou malformações congênitas em crianças nascidas de mulheres que tomaram zinco durante a gravidez.[58] No entanto, devido à raridade da doença de Wilson, é difícil determinar se existe uma verdadeira relação causal entre as malformações congênitas e a terapia quelante ou se as malformações congênitas estão ocorrendo na mesma frequência que na população geral.[57]

A amamentação pode ser potencialmente prejudicial ao lactente devido à potencial falta de cobre no leite materno e quantidade inadequada para o desenvolvimento do neonato. A penicilamina também pode ser excretada no leite materno. Assim, o papel da amamentação deve ser discutido com os médicos individualmente.[40][59][60]

Aconselhamento alimentar

A restrição alimentar de cobre não é suficiente para tratar a doença de Wilson. A maioria dos pacientes deve ser aconselhada sobre alimentos com altas concentrações de cobre: eles incluem nozes, chocolate, a maioria dos mariscos, produtos à base de soja, vísceras e cogumelos. Suplementos e o abastecimento de água devem ser analisados em relação a altos níveis de cobre. A dieta tem o impacto mais importante na fase inicial do tratamento, e uma dieta com baixo teor de cobre é recomendada para o primeiro ano de tratamento.[5] Existem poucos estudos que dão suporte a uma dieta prolongada com restrição de cobre. O encaminhamento para um nutricionista pode ser considerado.

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