Abordagem
Dois objetivos do tratamento da colangite biliar primária (CBP) devem ser considerados em todos os pacientes.[15]
Reduzir ou interromper a progressão da doença para prevenir o desenvolvimento de cirrose e suas complicações (ou o manejo dessas complicações e do risco resultante à vida se a cirrose já estiver presente).
Tratar os sintomas da doença para melhorar a qualidade de vida do paciente. Em um grau significativo, os tratamentos que modificam a progressão da doença não modificam os sintomas da doença (e vice-versa) e, portanto, é importante que o manejo sintomático apropriado seja realizado em associação com o tratamento modificador da doença.
O diagnóstico da CBP pode gerar uma significativa preocupação nos pacientes devido às conotações negativas associadas a um diagnóstico de doença hepática (percepção de outros de que questões relacionadas ao estilo de vida são propiciadoras; o que não é o caso da CBP) e preocupação com relação ao risco de vida e à necessidade potencial de transplante.
Na maioria dos pacientes, é provável que a doença progrida apenas lentamente. A discussão com os pacientes sobre a necessidade de um tratamento modificador da doença em longo prazo deve ser contrabalanceada por informações relacionadas à natureza progressiva relativamente lenta da doença. Atualmente, não é possível identificar, no início da doença, o grupo relativamente pequeno de pacientes que apresentam uma doença rapidamente progressiva. No momento do diagnóstico, o tempo gasto com a discussão da natureza e das implicações da CBP com os pacientes é bem utilizado.
Modificação da progressão da doença
O ácido ursodesoxicólico é o tratamento de primeira linha recomendado para a modificação da progressão da doença. As opções de segunda linha incluem ácido obeticólico, elafibranor ou seladelpar; eles podem ser usados em combinação com o ácido ursodesoxicólico para pacientes com resposta inadequada ao ácido ursodesoxicólico ou como monoterapia em pacientes que não toleram o ácido ursodesoxicólico.
Ácido ursodesoxicólico
O tratamento de primeira linha adequado para uso em todos os pacientes é o ácido ursodesoxicólico (um análogo de ácido biliar).[14][15] O consenso dos especialistas é que o ácido ursodesoxicólico apresenta benefício terapêutico e tem um perfil de segurança muito benigno, sendo recomendado para todos os pacientes para modificar a progressão da doença. No entanto, até 40% dos pacientes não respondem adequadamente ao ácido ursodesoxicólico em termos de melhora bioquímica, apresentando um risco significativamente maior da necessidade de um transplante de fígado ou de vir a óbito em decorrência da CBP.[47][48] A ausência de resposta é mais comum em pacientes com idade inferior a 50 anos.[47]
Ácido obeticólico
O ácido obeticólico é um análogo do ácido biliar que tem ações adicionais superiores às do ácido ursodesoxicólico por meio de suas propriedades de agonista do receptor farnesoide X. Está aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento de CBP em combinação com o ácido ursodesoxicólico em adultos que apresentam resposta inadequada ao ácido ursodesoxicólico (por, pelo menos, 1 ano) ou como monoterapia em adultos que não toleram o ácido ursodesoxicólico. É aprovado apenas para o tratamento de pacientes sem cirrose ou pacientes com cirrose compensada e sem evidências de hipertensão portal.[14][15] O estudo principal do ácido obeticólico usou fosfatase alcalina >1.67 vez o limite superior do normal e/ou nível de bilirrubina igual ou acima do limite superior do normal como critério inicial e, portanto, essa é uma definição apropriada da resposta inadequada ao ácido ursodesoxicólico para a prática clínica.[49] Uma melhora nos sintomas relacionados à doença ou na sobrevida ainda não foi estabelecida em ensaios clínicos.
O ácido obeticólico é contraindicado para pacientes com cirrose descompensada (ou um evento descompensado anterior), cirrose compensada com evidências de hipertensão portal e obstrução biliar total.[50] A FDA restringiu o uso do ácido obeticólico em pacientes com CBP e cirrose avançada porque pode causar lesão hepática grave, o que causa descompensação ou insuficiência hepática nesta população de pacientes.[51] No entanto, a FDA também identificou casos de lesão hepática grave em dados de ensaios clínicos pós-comercialização entre pacientes que não tinham cirrose.[52]
Testes da função hepática devem ser realizados e monitorados com frequência em todos os pacientes que tomam ácido obeticólico, a fim de detectar o agravamento da função hepática o mais cedo possível. Entretanto, não está claro se esse monitoramento é suficiente para abordar o risco de lesão hepática grave.[52]Monitore rigorosamente os pacientes com cirrose compensada, doença hepática concomitante e/ou doença intercorrente grave quanto à presença de novas evidências de hipertensão portal ou aumento na bilirrubina total e direta e no tempo de protrombina (acima dos limites superiores do normal). O ácido obeticólico deve ser descontinuado permanentemente em pacientes com qualquer evidência de progressão da doença hepática, incluindo aqueles que desenvolverem evidências clínicas ou laboratoriais de descompensação hepática, aqueles que têm cirrose compensada e desenvolvem hipertensão portal ou aqueles que apresentam efeitos adversos hepáticos clinicamente significativos. O ácido obeticólico também deve ser descontinuado em pacientes sem evidências de eficácia. Os pacientes devem ser avisados sobre os sinais e sintomas de agravamento da lesão hepática e devem entrar em contato com seu profissional da saúde imediatamente caso algum desses sinais ou sintomas se desenvolva.[52]
Há relatos de prurido intenso com ácido obeticólico, o que pode exigir redução da dose, interrupção temporária do tratamento e/ou tratamentos farmacológicos adicionais (por exemplo, resinas de ácidos biliares, anti-histamínicos). Monitore os lipídios durante o tratamento, pois há relatos de reduções dose-dependentes no HDL-C.
Em junho de 2024, a European Medicines Agency (EMA) recomendou a revogação da autorização condicional de comercialização do ácido obeticólico, pois considerou que a relação risco/benefício não era mais favorável com base nos resultados de um estudo confirmatório de fase 3, que não confirmou o benefício clínico do ácido obeticólico em pacientes com CBP.[53] No entanto, a decisão de revogar a autorização de comercialização foi temporariamente suspensa em setembro de 2024, e a autorização de comercialização permanece válida por enquanto. O painel consultivo da FDA também votou contra a aprovação total do medicamento, mas, atualmente, ele permanece disponível sob aprovação acelerada enquanto a decisão do painel consultivo é reavaliada.
Elafibranor
O elafibranor é um agonista do receptor ativado por proliferadores de peroxissoma (PPAR) alfa e delta. O elafibranor é aprovado pela FDA e EMA para uso em combinação com o ácido ursodesoxicólico em pacientes com resposta inadequada ao ácido ursodesoxicólico ou como monoterapia em pacientes que não toleram o ácido ursodesoxicólico. É também recomendado para essa indicação pelo National Institutes of Health and Care Excellence do Reino Unido.[54]
Em um estudo de fase 3, o elafibranor melhorou significativamente a resposta bioquímica (nível de fosfatase alcalina <1.67 vez o limite superior do normal, com uma redução ≥15% em relação ao valor basal, e bilirrubina total igual ou inferior ao limite superior do normal) e reduziu a fosfatase alcalina sérica, em comparação com o placebo, em 52 semanas.[55] Os efeitos adversos mais comuns associados ao elafibranor incluíram dor abdominal, diarreia, náuseas e vômitos.[55] Níveis elevados de creatina fosfoquinase e lesões musculares foram também mais comuns em pacientes que receberam elafibranor, inclusive um paciente que desenvolveu rabdomiólise grave.[55] O elafibranor não é recomendado para pacientes que têm ou desenvolvem cirrose descompensada.
Seladelpar
O seladelpar é um agonista do PPAR delta. O seladelpar é aprovado pela FDA e pela EMA para uso em combinação com o ácido ursodesoxicólico em pacientes com resposta inadequada ao ácido ursodesoxicólico ou como monoterapia em pacientes que não toleram o ácido ursodesoxicólico.
Em um estudo de fase 3, o seladelpar melhorou significativamente a resposta bioquímica e a normalização da fosfatase alcalina e reduziu o prurido moderado a intenso em 12 meses, em comparação com o placebo.[56] Os efeitos adversos mais comuns do seladelpar incluíram cefaleia, dor abdominal, náuseas e distensão abdominal.[56] O seladelpar não é recomendado para pacientes que têm ou desenvolvem cirrose descompensada.
Ausência de resposta com características da hepatite autoimune
Em alguns casos, a ausência de resposta reflete a presença de um processo mais inflamatório com algumas características típicas da hepatite autoimune. O tratamento para pacientes com suspeita de sobreposição de CBP/hepatite autoimune é direcionado ao padrão histológico predominante da lesão.[15] Consulte Hepatite autoimune (Abordagem de manejo).
Manejo da doença em estádio terminal
A doença em estágio terminal estabelecida é manejada de maneira sintomática e de acordo com o prognóstico, como em qualquer outra forma de cirrose. Consulte Cirrose (Abordagem de manejo).
O transplante de fígado é um tratamento efetivo para pacientes com doença em estágio terminal nos quais o risco do procedimento não supera os benefícios esperados.[15][57] Hoje sabe-se que a CBP pode recorrer no órgão transplantado em até um terço dos pacientes.[58] Estudos demonstraram que a administração de ácido ursodesoxicólico e ciclosporina (um inibidor da calcineurina) pode ter um papel na redução da recorrência da doença.[58][59]
Manejo dos sintomas
Os sintomas da CBP podem afetar de modo significativo a qualidade de vida, independentemente do efeito da doença na sobrevida. O manejo desses sintomas é por si só um objetivo importante do tratamento. Os principais sintomas que exigem tratamento são o prurido e a fadiga.
Prurido:
O prurido é uma característica específica de alguns pacientes (mas não de todos) com CBP. A intensidade do prurido na colangite biliar primária não está relacionada à gravidade da doença subjacente e, da mesma maneira, não é bem tratada pelos medicamentos modificadores da doença. O prurido pode ser um problema significativo, causando comprometimento acentuado da qualidade de vida. No entanto, geralmente ele é controlável com terapia medicamentosa.[60]Antes de iniciar um tratamento específico para o prurido colestático, é importante excluir outras causas potenciais para o prurido. O médico deve descartar doença dermatológica e sistêmica (incluindo comprometimento renal crônico e neoplasia hematológica) e lesões obstrutivas na árvore biliar, pois a colangite biliar primária está associada a um aumento do risco de cálculos biliares e complicações associadas. É fundamental para todos os pacientes com suposto prurido colestático que o ducto biliar extra-hepático seja avaliado por meio de ultrassonografia para excluir um elemento obstrutivo adicional.
Após a exclusão de lesão obstrutiva, o tratamento de primeira linha consiste em colestiramina.[14][15][61] Esse medicamento pode ser desagradável aos pacientes por causa do seu sabor, mas a adição de suco de frutas pode ajudar nessa questão. É importante haver um intervalo de pelo menos 4 horas em relação ao ácido ursodesoxicólico e todos os outros medicamentos orais, devido ao potencial da colestiramina se ligar ao ácido ursodesoxicólico e alterar a absorção de outros medicamentos e de vitaminas lipossolúveis.
O tratamento de segunda linha é instituído se os pacientes não forem responsivos ou se forem intolerantes à colestiramina. Recomenda-se rifampicina ou naltrexona.[14][15][62][63] A rifampicina pode causar disfunção hepatocelular e deve ser introduzida com cautela e com monitoramento da bioquímica hepática sérica. A deterioração da função hepática e a elevação de enzimas hepáticas séricas com o uso da rifampicina são indicações para sua descontinuação.[62][63][64] Alguns pacientes podem apresentar uma reação de abstinência de opiáceos após o início da naltrexona. A dose deve ser aumentada gradualmente.[15]
Inibidores seletivos de recaptação de serotonina (por exemplo, sertralina) podem ser usados no tratamento do prurido colestático, quando os pacientes não respondem aos tratamentos acima.[15]
Embora existam boas evidências de eficácia, outros medicamentos além da colestiramina ainda não foram licenciados para o tratamento do prurido colestático.
Há séries limitadas de dados dando suporte a abordagens físicas ao tratamento do prurido, incluindo sistema de recirculação absorvente molecular (MARS), plasmaférese ou drenagem nasobiliar em pacientes resistentes ao tratamento médico. O MARS é um sistema patenteado que pode ser usado em conjunto com sistemas de substituição renal para fornecer um elemento adicional de diálise de albumina. A teoria por trás de seu uso no prurido (também proposto para o uso na insuficiência hepática) é que o suposto pruritógeno na circulação seja a albumina ligada, que só pode ser removida usando o MARS para estabelecer um gradiente de albumina.
Anti-histamínicos (por exemplo, hidroxizina, difenidramina) às vezes têm um efeito antipruriginoso inespecífico, que pode ser devido às suas propriedades sedativas, mas não são recomendados como terapia específica; eles são, no entanto, adjuvantes úteis para alguns.[15]
O transplante é um tratamento ocasionalmente indicado para o prurido colestático grave e resistente, se todos os outros tratamentos tiverem sido esgotados.[15][65]
Fadiga:
No momento, não há intervenções licenciadas para o manejo da fadiga na CBP.[14][15][66]Há relatos que associam a fadiga à perturbação do sono e à disfunção autonômica, sugerindo que é adequado fazer uma revisão das questões relacionadas ao estilo de vida e a medicamentos que agravam a anormalidade do sono ou a disfunção autonômica, bem como as modificações apropriadas.[41][42]Todos os outros tratamentos para a fadiga são experimentais. Pacientes com fadiga significativa podem se tornar socialmente isolados, o que causa a piora da sua qualidade de vida percebida. Minimizar isso é um elemento importante da estratégia de enfrentamento do paciente.
É importante identificar outros processos patológicos e terapias ligadas direta ou indiretamente à PBC, que podem estar contribuindo para a fadiga. Isso inclui outras condições autoimunes, como hipotireoidismo ou anemias autoimunes, e comorbidades, como diabetes tipo 2.[15]
Manejo de problemas associados
Osteoporose, síndrome de Sjögren e outras doenças autoimunes que estão associadas à CBP são manejadas como seriam na ausência de CBP. A osteoporose é uma complicação comum nos pacientes com CBP, embora o grau de aumento do risco não esteja claro.[14][15] A potencial má absorção de vitaminas lipossolúveis na colestase significa que, entre outras abordagens, deve ser considerada a suplementação de cálcio e vitamina D para a prevenção da osteoporose em todos os pacientes com colangite biliar primária, embora a base de evidências para dar suporte a isso seja limitada. Consulte Osteoporose e Síndrome de Sjögren’s.
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