Abordagem
Em pacientes adultos, o diagnóstico de acidose tubular renal (ATR) é feito com mais frequência após a observação de achados incidentais sem explicação em parâmetros do equilíbrio ácido-básico e concentrações de eletrólitos no sangue e na urina. Em crianças, o diagnóstico é comumente identificado após a investigação de retardo de crescimento, raquitismo ou retardo do crescimento pôndero-estatural. Raramente, os pacientes apresentam acidose grave e respiração de Kussmaul causada por compensação respiratória.
Apresentação
A ATR distal clássica pode ser assintomática, mas os pacientes podem apresentar história de cálculos renais ou nefrocalcinose. Pode haver fraqueza muscular decorrente de hipocalemia associada. Há relatos de quadriparesia hipocalêmica. Em um estudo com pacientes com mutações definidas que causam ATR distal, 55.9% tiveram hipocalemia. Um ponto interessante observado foi o fato de que os pacientes com mutações do gene ATP6V1B1 ou ATP6V0A4 apresentaram hipocalemia mais grave que os pacientes com mutação do gene SLC4A1.[27]
A ATR distal hereditária geralmente se apresenta na infância com retardo do crescimento pôndero-estatural e retardo de crescimento. Os sintomas específicos podem incluir constipação, polidipsia e poliúria, vômitos, desidratação e anorexia. Em alguns casos, podem ocorrer raquitismo, osteomalácia, nefrocalcinose e nefrolitíase.[123] A ATR distal hereditária também pode manifestar-se com perda auditiva neurossensorial.
Os pacientes com a ATR distal hipercalêmica geralmente apresentam uma história de diabetes ou prostatismo.
Crianças com ATR proximal apresentam retardo de crescimento e podem ter raquitismo renal na presença da síndrome de Fanconi. A avaliação da síndrome de Fanconi geralmente começa com um de dois cenários. Em um desses cenários, o paciente apresenta acidose metabólica hiperclorêmica com perda de bicarbonato após a observação inicial de bicarbonato sérico baixo; no outro, o paciente é diagnosticado com um quadro clínico conhecido por sua associação com a síndrome de Fanconi, seja por um distúrbio genético ou adquirido, como o raquitismo renal. A hipocalemia associada à ATR proximal e à síndrome de Fanconi pode causar fraqueza muscular.
História médica pregressa associada à ATR
Os pacientes diabéticos com uma doença renal crônica leve e neuropatia autonômica apresentam um risco de hipoaldosteronismo hiporreninêmico e deficiência seletiva de aldosterona e, portanto, de ATR distal hipercalêmica (tipo IV).[4][58][59]
A insuficiência adrenal primária, quando não tratada ou subtratada, também predispõe à ATR distal hipercalêmica.
Nefrite intersticial associada a lúpus eritematoso sistêmico, hepatite crônica ativa, tireoidite e transplante renal podem causar ATR.
A síndrome de Sjögren primária parece apresentar um risco significativo de desenvolvimento de ATR distal e pode apresentar paralisia hipocalêmica.[12]
A intolerância hereditária à frutose está associada à síndrome de Fanconi.
Relatou-se que até 50% dos pacientes com cirrose biliar primária apresentam uma ATR distal clássica.
A ATR distal hereditária é mais comum em populações da Tailândia e do Sudeste Asiático.
Anormalidades oculares (cataratas, glaucoma, ceratopatia em banda), retardo de crescimento, função intelectual comprometida e calcificação dos gânglios da base já foram associados a uma forma rara de ATR proximal autossômica recessiva.
O hiperparatireoidismo pode resultar em ATR proximal e em síndrome de Fanconi parcial.
Pessoas afetadas por distúrbios metabólicos hereditários associados à síndrome de Fanconi (por exemplo, síndrome de Lowe, doença de Wilson, doença de Dent, cistinose, galactosemia, intolerância hereditária à frutose, doença de von Gierke) devem ser avaliadas para ATR proximal, glicosúria, fosfatúria e aminoacidúria.
Exposição a medicamentos, toxinas e fatores ambientais
Alguns medicamentos estão associados à ATR:
Medicamentos que interferem no transporte de sódio no néfron distal, incluindo terapia com espironolactona, triantereno, trimetoprima, pentamidina, inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e inibidores do receptor de angiotensina II
Inibidores de anidrase carbônica
Ciclosporina
Anfotericina B
Heparina
Ibuprofeno
Ifosfamida
Lamivudina
Terapia antiviral: cidofovir, tenofovir, adefovir.
Toxinas associadas à ATR:
Metais pesados
Cisplatina.
Exposição ambiental:
Nefropatia endêmica dos Bálcãs.
Abordagem investigativa
A investigação da ATR geralmente segue duas rotas.
Descoberta de uma concentração anormalmente baixa de bicarbonato sérico e hipercloremia.
Reconhecimento dos fatores de risco significantes ou das consequências da ATR, que sugerem que ela pode estar presente: por exemplo, nefrocalcinose, diabetes, prostatismo, retardo de crescimento e cálculos renais.
Em última análise, o diagnóstico de todas as formas de ATR distal consiste no achado de um pH urinário elevado ou uma excreção urinária diminuída de amônio na presença de acidose metabólica hiperclorêmica.[2][4] No caso de ATR proximal, o diagnóstico requer a demonstração da perda de bicarbonato em um paciente com acidose metabólica hiperclorêmica hipocalêmica.[2][4] O exame confirmatório para a síndrome de Fanconi aborda duas avaliações:
A comprovação do diagnóstico de ATR proximal
A avaliação da excreção renal de glicose, fosfato e aminoácidos.
Avaliação laboratorial
O diagnóstico de ATR depende inteiramente da avaliação laboratorial dos parâmetros do equilíbrio ácido-básico e das concentrações de eletrólitos no sangue e na urina.[4]
O diagnóstico sempre requer a determinação simultânea do pH arterial, da pressão parcial de dióxido de carbono (pCO₂) e de bicarbonato.
As medições dos níveis séricos de bicarbonato, cloreto, sódio e potássio, bem como do anion gap sérico, são rotineiramente realizadas em todos os pacientes.
Na ATR distal hipercalêmica, a medição da aldosterona sérica também é usada, com o intuito de diferenciar a deficiência de aldosterona da resistência à aldosterona.
O pH urinário deve ser medido por um equipamento de eletrodos de pH ou por um analisador de gases sanguíneos; esse exame é realizado em todos os pacientes com suspeita de ATR.
A medição de bicarbonato sérico e do pH da urina é necessária na presença de calculose renal.
Se o pH da urina exceder 5.5 na presença de acidose metabólica hiperclorêmica, o diagnóstico da ATR distal clássica pode ser realizado.
Se o pH urinário estiver normalmente baixo (<5.5), a concentração de amônio na urina deverá ser estimada pela determinação do anion gap urinário.
Na urina com pH abaixo de 6.0, se a concentração urinária de cloreto exceder a soma de sódio e concentrações de potássio, significa que há amônio na urina.[124][125][126]
Se a soma das concentrações de sódio e potássio na urina exceder a concentração urinária de cloreto em uma urina ácida (pH <6.0), amônio deve estar ausente na urina; isso indica presença de ATR hipercalêmica.
Quando o diagnóstico é incerto ou quando a ATR distal é incompleta, exames fisiológicos são usados para confirmar o diagnóstico de ATR distal. Os exames fisiológicos de acidificação incluem:[126][127][128][129]
A resposta do pH urinário e da concentração de potássio à administração de furosemida ou, alternativamente, a resposta do pH urinário à furosemida e à fludrocortisona para confirmar o diagnóstico de ATR distal hipercalêmica.
A medição do pH urinário após a carga de cloreto de amônio para induzir a acidose com o intuito de ajudar a confirmar a ATR distal incompleta como ATR distal; entretanto, esse exame não é confortável para os pacientes.
A confirmação da suspeita de ATR proximal requer a infusão de bicarbonato e a medição da excreção fracionada de bicarbonato.
Interpretação dos níveis de pH arterial, bicarbonato e anion gap
Uma concentração baixa de bicarbonato sérico é observada na acidose metabólica e na alcalose respiratória. Assim, deve-se estabelecer primeiro se o pH arterial está abaixo do normal (abaixo de 7.37).
Se o pH arterial estiver normal ou elevado, a causa do bicarbonato sérico baixo será a adaptação normal à alcalose respiratória.
Se o pH arterial estiver baixo, a próxima pergunta será se o anion gap sérico está normal ou elevado.
Em todos os tipos de ATR, o anion gap é normal; um anion gap sérico elevado indica a presença de outro tipo de acidose.[125][130]
A combinação de bicarbonato sérico reduzido, hipercloremia, acidemia e anion gap sérico normal indica que o paciente tem acidose metabólica hiperclorêmica sem anion gap, mas ainda não comprova que o paciente tem ATR.[124]
Como obter uma amostra de sangue arterial da artéria radial.
Interpretação dos níveis de pH e eletrólitos na urina
Para fechar o diagnóstico de ATR, deve-se mostrar que a acidificação urinária está comprometida (ATR distal) ou que a reabsorção de bicarbonato encontra-se grosseiramente inadequada (ATR proximal).
Qualquer um destes dois achados urinários pode fechar o diagnóstico de ATR distal:[50][126]
pH urinário anormalmente alto (>5.5) na presença de acidemia (na ATR distal clássica)
Amônio na urina mínimo ou ausente (na ATR distal hipercalêmica).
A amônia na urina é estimada medindo o anion gap na urina (AGU) ou gap osmolar na urina.[131] Ambos os cálculos fornecem uma estimativa qualitativa e não quantitativa da amônia na urina.
O AGU é calculado usando a equação: cátions urinários [sódio + potássio] – ânions urinários [cloreto].
No cenário de função renal normal e acidose metabólica hiperclorêmica, o AGU é menor que zero.
Quando o AGU é positivo, indica baixa amônia na urina.
O AGU não pode ser usado se o pH da urina for maior que 7, pois isso sugeriria a presença de bicarbonato e outros ânions orgânicos na urina. Esse tipo de cenário pode ser observado em pacientes com cetoacidose diabética.
O gap osmolar urinário é outro método para estimar a amônia na urina. É calculado usando a seguinte equação: osmolalidade urinária medida – osmolalidade urinária calculada e pode ser escrita como 2 (sódio urinário + potássio urinário) + (nitrogênio ureico urinário/2.8) + (glicose urinária/18).[132]
A faixa normal de gap osmolar na urina é entre 80 a 150 mmol/L (80 a 150 mEq/L).
Um gap osmolar mais alto na urina sugere alto teor de amônia na urina. O gap osmolar urinário pode ser usado na presença de outros ânions.
Interpretação dos eletrólitos séricos
Na ATR, o bicarbonato sérico é baixo, com a presença de hipercloremia, mas essas características não representam critérios de diagnóstico na ausência de medições feitas por gasometria arterial.
O diagnóstico de ATR proximal requer a comprovação de que a excreção fracionada de bicarbonato seja 15% ou mais quando há infusão de bicarbonato para aumentar o bicarbonato sérico para aproximadamente 20 mmol/L (20 mEq/L).[4]
A ATR proximal caracteriza-se por hipocalemia, assim como a ATR distal clássica.[35][4]
A hipercalemia na ATR distal indica que a deficiência ou a resistência à aldosterona é a causa do problema.[4]
A avaliação dos pacientes que apresentam quadros clínicos de risco para ATR distal, mas que não apresentam acidose ou hipobicarbonatemia evidente, requer exames fisiológicos provocativos.
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Visão geral dos testes de diagnóstico de sangue e urina na acidose tubular renalCriado pelo BMJ Knowledge Centre [Citation ends].
Radiologia
Os achados radiológicos associados a formas de ATR incluem nefrocalcinose (na ATR distal), osteopenia, osteopetrose, nefrocalcinose e calcificações cerebrais na deficiência hereditária de anidrase carbônica II.[4][60][61][62][33][34]
Nos pacientes com ATR distal clássica, uma radiografia abdominal ou tomografia computadorizada (TC) abdominal deve ser realizada para avaliar os rins quanto à nefrocalcinose ou presença de cálculos. A TC é superior, mas uma radiografia de rins, ureteres e bexiga é menos dispendioso e pode ser suficiente.
Os pacientes com ATR distal hipercalêmica sem explicação devem ser avaliados em relação à obstrução do trato urinário por ultrassonografia, cintilografia renal ou TC espiral. Entre essas opções, a ultrassonografia apresenta potencial mínimo de danos, mas é menos sensível que os exames nucleares e mais dependente de operador que a TC. Os exames nucleares requerem a injeção de traçador radioativo, mas é o exame mais sensível. A TC espiral não é invasiva nem dependente de operador. No entanto, além de cara, é menos sensível que o exame nuclear.
Não há problemas radiológicos relevantes com relação à ATR proximal ou o backleak de prótons. A ATR proximal com a síndrome de Fanconi pode mostrar evidências de raquitismo renal, mas, fora isso, achados radiológicos são raros.
Pacientes com mutações do gene ATP6V0A4 podem desenvolver alargamento do aqueduto vestibular, que pode ser diagnosticado por TC ou ressonância nuclear magnética.[14][27][133]
Resumo das apresentações clássicas de ATR
Com frequência, pacientes adultos são assintomáticos. Muito raramente, podem apresentar respiração de Kussmaul (em decorrência de acidose grave e compensação respiratória) e fraqueza muscular. Pode haver paralisia por hipocalemia.
Os achados laboratoriais, combinados à história médica pregressa de doenças associadas à ATR, devem suscitar uma investigação adicional para a ATR, se necessário.
A combinação de retardo de crescimento ou raquitismo renal com uma acidose metabólica hipocalêmica, sem anion gap e com bicarbonato sérico muito baixo em crianças, indica uma ATR proximal (tipo II) ou ATR distal hereditária (tipo I).[4]
Hipofosfatemia, glicosúria e a excreção de aminoácidos na urina sugerem síndrome de Fanconi com ATR proximal.[4] O mieloma múltiplo raramente pode estar associado à síndrome de Fanconi e à ATR proximal.[98][99]
A acidose metabólica hipocalêmica combinada com osteopetrose sugere uma mutação de anidrase carbônica II.[4][33][34] A deficiência de anidrase carbônica II manifesta-se com perda de bicarbonato e incapacidade de reduzir o pH urinário final.
A acidose metabólica hipocalêmica sem anion gap, com perda auditiva neurossensorial, sugere ATR distal clássica (tipo I), mas não distingue entre as principais mutações responsáveis.[15][27][36][37]
Em adultos, a ATR distal clássica deve ser considerada nos pacientes com nefrolitíase, nefrocalcinose e com evidências de acidose metabólica hiperclorêmica.[4][60][61][62][63][64][65] Pacientes com nefrocalcinose e nefrolitíase na ausência de uma causa conhecida devem ser avaliados para ATR distal incompleta.
O equilíbrio ácido-básico e o potássio sérico em homens adultos com obstrução parcial do trato urinário devem ser cuidadosamente monitorados. O bicarbonato sérico diminuído aqui pode indicar ATR distal hipercalêmica (tipo IV) leve.[4][54][55]
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