Abordagem
O diagnóstico dessa doença possivelmente fatal baseia-se em um alto índice de suspeita em um paciente com sintomas sugestivos e um histórico de viagens recentes apropriado. Embora os mapas epidemiológicos da endemicidade da malária possam ser úteis para determinar o risco visando a orientação quanto à profilaxia pré-viagem, essa abordagem pode ser perigosa no caso de tratamento de um paciente febril que retorne de um local que faz fronteira com uma área de malária. As condições do local podem mudar.
O diagnóstico diferencial é amplo e inclui outras infecções relacionadas a viagem. No caso de poucos recursos, faz-se um diagnóstico presuntivo com base clínica apenas. No entanto, como os sintomas são inespecíficos, o diagnóstico clínico não é confiável. Assim, quando exames diagnósticos estiverem disponíveis, deve-se sempre buscar a confirmação da infecção o mais rápido possível.
O tratamento depende das espécies infecciosas, da carga parasitária e do estado clínico do paciente; por isso, a história, o exame físico e os exames laboratoriais devem determinar esses fatores.
A maioria dos países exige que a malária seja notificada para se coletar dados epidemiológicos.
História
A maioria dos pacientes com infecção por Plasmodium falciparum se apresenta no primeiro mês após a exposição; quase todos apresentam-se 3 meses após a exposição. As infecções por Plasmodium vivax ou Plasmodium ovale geralmente se apresentam 3 meses após a exposição, e a apresentação pode ser protelada em até 1 ano ou mais.[29]
Os sintomas são inespecíficos e comuns a várias outras infecções. A febre, ou uma história de febre, é universal. Paroxismos característicos de calafrios e tremores seguidos por febre e suor podem ser descritos. Os padrões de febre raramente são diagnósticos à apresentação, mas podem se desenvolver ao longo do tempo: febres que ocorrem em intervalos regulares de 48 horas podem estar associadas a infecção por P vivax ou P ovale, e em intervalos de 72 horas a infecção por P malariae. Os outros sintomas muito comuns incluem a cefaleia, a fraqueza, a mialgia e a artralgia. Os sintomas menos comuns incluem anorexia, náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal. A história também deve focar em se fatores de risco para doença grave estão presentes (por exemplo, baixa imunidade do hospedeiro, gravidez, crianças com <5 anos de idade, imunocomprometimento, desnutrição e idade avançada).
O histórico de viagens recentes para uma área endêmica (principalmente para visitar amigos e parentes) é o fator diagnóstico essencial nos pacientes que se apresentam com febre em países não endêmicos. No entanto, ele é quase sempre ignorado. O histórico de viagens para uma área endêmica para malária nos 12 meses anteriores deve ser pesquisado se um paciente se apresentar com sintomas inespecíficos. Se o histórico de viagens recentes for positivo, deve-se perguntar ao paciente se ele tomou a profilaxia antimalárica. Caso afirmativo, deve-se determinar o medicamento específico e se ele foi tomado da maneira correta. Como os relatos muitas vezes não são confiáveis, o uso de profilaxia não exclui a infecção; porém, ela poderá influenciar a seleção do esquema de tratamento se a malária for confirmada.
Exame físico
Deve-se avaliar o estado clínico do paciente. Existem poucos sinais físicos específicos para malária a serem pesquisados. É importante determinar se uma complicação de malária grave está presente (sugerida por icterícia, confusão ou nível de consciência alterado, prostração, convulsões, hipotensão, desconforto respiratório, sangramento ou anuria/oliguria) ou se há infecção bacteriana concomitante (sugerida pela presença de sinais focais, como estertores na ausculta pulmonar sugerindo pneumonia sobreposta). Os sinais comumente presentes incluem hepatoesplenomegalia (embora não seja comum no momento da apresentação inicial em viajantes no retorno da viagem) e/ou palidez (sugerindo anemia). A taquipneia pode indicar malária grave com acidose.
Coinfecções (inclusive bacterianas, virais, fúngicas e parasitárias) são comuns em países endêmicos e dependem da região geográfica. A vigilância é necessária para características clínicas que são atípicas da malária, especialmente em áreas onde os recursos são escassos e há capacidade diagnóstica limitada.[72]
Investigações laboratoriais
Microscopia óptica
A detecção de parasitas da malária no sangue é essencial. Em mãos experientes, o teste mais sensível e específico prontamente disponível é a microscopia óptica de esfregaços sanguíneos corados por Giemsa e esse é o teste diagnóstico de primeira escolha. As colorações de Wright ou Field são alternativas à coloração de Giemsa. O laboratório decide quando usar essas alternativas e pode haver variações conforme o local. Os esfregaços espessos permitem que um volume relativamente grande de sangue seja testado quanto a parasitas, mas a determinação da espécie pode ser difícil, já que os glóbulos vermelhos estão lisados e a morfologia do parasita pode estar distorcida. As preparações com esfregaços delgados permitem a especificação, o que afetará as decisões do tratamento. A porcentagem de parasitemia pode ser avaliada usando uma fórmula simples; porém, ela pode ser extremamente baixa e podem ocorrer falsos-negativos em esfregaços espessos.[73] Se houver uma forte suspeita de malária, o teste deverá ser repetido em três ocasiões separadas ao longo de 48 horas.[29][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Lâmina corada por Giemsa revelando gametócitos de Plasmodium falciparum, Plasmodium ovale, Plasmodium malariae e Plasmodium vivaxBiblioteca de Imagens dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC); usado com permissão [Citation ends].
Testes diagnósticos rápidos (TDRs)
Os TDRs são testes de imunocromatografia que detectam a presença de antígenos do parasita em uma amostra de sangue colhida por punção digital. Tipos diferentes detectam a proteína 2 rica em histidina (HRP-2) específica do P falciparum ou a lactato desidrogenase específica da espécie (pLDH).[74] Foram avaliados vários testes em pessoas que retornaram de viagens, e a maioria apresentou valores de sensibilidade e especificidade para o P falciparum superiores a 85% a 90%.[74] Os problemas incluem a baixa detecção de espécies diferentes do P falciparum e os resultados falsos-negativos a cargas parasitárias mais baixas.[74][75][76] Entretanto, alguns estudos revelaram que o desempenho dos TDRs pode ser equivalente ao da microscopia especializada.[77][78]
A principal vantagem dos TDRs é que eles fornecem um meio de diagnóstico rápido. Isso pode ser particularmente útil em áreas com recursos limitados em saúde onde a microscopia não está disponível ou não é confiável. Sua incorporação nos algoritmos de tratamento pode reduzir substancialmente a prescrição de antimaláricos quando comparada com o diagnóstico clínico isoladamente.[79][80] [
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As desvantagens dos TDRs de HRP-2 incluem a incapacidade de distinguir uma infecção ativa de uma infecção recentemente tratada. Além disso, mesmo com um TDR HRP-2 ou TDR pLDH positivo, ainda é necessário um esfregaço para a confirmação da espécie (não falciparum) e para uma contagem parasitária que ajude a direcionar o tratamento (falciparum e knowlesi). Os testes de pLDH identificam a infecção ativa. Outra desvantagem é o surgimento de deleção dos genes pfhrp2/pfhrp3 que causam resultados falso-negativos nos testes em algumas áreas (por exemplo, Chifre da África).[81] Também podem ocorrer resultados falso-negativos nos pacientes com densidades muito altas de parasitas (o efeito prozona), e isso parece ser mais comum com os testes baseados em HRP-2.[82]
A escolha entre TDRs e microscopia depende das circunstâncias locais, incluindo as habilidades disponíveis, o número de casos de pacientes e a epidemiologia da malária.[49] Uma revisão sistemática mostrou que testes de pLDH apresentaram maior especificidade, enquanto testes de HRP-2 apresentaram melhor sensibilidade e precisão levemente maior, quando comparados um ao outro.[83] Se possível, uma combinação de ambos os testes pode ser mais confiável. Foram desenvolvidos testes de HRP-2 ultrassensíveis.[84]
Reação em cadeia da polimerase
Geralmente, a reação em cadeia da polimerase está disponível apenas em alguns laboratórios de referência., Ela pode ser usada para confirmar o diagnóstico de malária nos casos em que a microscopia é negativa, mas a suspeita clínica da doença é alta, ou para determinar a espécie quando não for possível distingui-la com microscopia óptica, desde que possa ser realizada de maneira oportuna e não protele o diagnóstico.[85][86]
Em cenários de alta transmissão, uma proporção substancial da população pode ter parasitemia submicroscópica detectável por reação em cadeia da polimerase.[87] Os portadores de parasitas assintomáticos podem atuar como um reservatório para a transmissão da malária.
Ensaio de amplificação circular isotérmica (LAMP)
LAMP é um ensaio molecular mais sensível que a microscopia ou testes diagnósticos rápidos (TDRs) para detectar antígenos, e por esta razão mais confiável para detecção de baixa parasitemia. Fornece resultados mais rápidos que a microscopia ou reação em cadeia da polimerase, requer menos treinamento e é mais barato em comparação com a reação em cadeia da polimerase, e foi avaliado tanto em ambientes de recursos altos quanto baixos.[88][89] Ainda é considerado um exame novo.
Outros exames iniciais
Os exames iniciais incluem hemograma completo, coagulograma, testes das funções renal e hepática, glicose sanguínea e urinálise. Nos casos de malária grave, é necessária uma gasometria arterial para excluir acidose láctica ou metabólica. Os testes para vírus da imunodeficiência humana (HIV) são indicados, já que a malária pode ser mais grave na presença de infecção por HIV. Se houver suspeita de infecção bacteriana concomitante, deve-se solicitar uma hemocultura, culturas da expectoração e da urina. Uma punção lombar pode ser indicada para excluir a meningite. Além disso, pode-se considerar a reação em cadeia da polimerase de swabs nasofaríngeos para descartar influenza ou doença do coronavírus 2019 (COVID-19), que pode se apresentar de maneira idêntica. CDC: DPDx laboratory identification of parasitic diseases of public health concern - malaria Opens in new window
Exames por imagem
Uma radiografia torácica ajuda a descartar outros diagnósticos (por exemplo, pneumonia, tuberculose pulmonar) ao investigar pacientes que retornaram de uma viagem ao exterior com febre. A radiografia torácica também é indicada quando houver suspeita de malária grave, especialmente com sintomas ou sinais respiratórios ou se o nível de consciência estiver reduzido (para excluir aspiração).
A tomografia computadorizada da cabeça é uma investigação importante para buscar lesões focais ou hemorragia quando há sinais neurológicos focais, nível de consciência prejudicado ou convulsões.
Como realizar uma punção lombar diagnóstica em adultos. Inclui uma discussão sobre o posicionamento do paciente, a escolha da agulha e a medição da pressão de abertura e fechamento.
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