Abordagem
A avaliação quanto ao transtorno de deficit da atenção com hiperatividade (TDAH) deve ser abrangente e incluir história completa do paciente e dos cuidadores, informações escolares colaterais, exame do estado mental e avaliação de testes neuropsicológicos.[90] A avaliação pode ser feita pelo médico da atenção primária, dependendo da experiência, nível de conforto e arranjos de serviços relevantes.
A orientação norte-americana da American Academy of Pediatrics recomenda que o pediatra ou outro provedor da atenção primária realize a avaliação inicial do TDAH para qualquer criança ou adolescente entre 4 e 18 anos que apresente problemas acadêmicos ou comportamentais e sintomas de desatenção, hiperatividade ou impulsividade.[90] No entanto, na prática, os pediatras encaminham frequentemente os pacientes com problemas mais complexos para um especialista em psiquiatria, neurologia ou pediatria do comportamento e do desenvolvimento, particularmente quando uma criança tem possíveis condições comórbidas que podem não ter experiência em diagnosticar ou tratar.[90]
Em outros locais (por exemplo, no Reino Unido), as orientações nacionais recomendam que o diagnóstico formal e o tratamento inicial do TDAH sejam realizados apenas por um especialista, por exemplo, um psiquiatra de crianças e adolescentes, pediatra ou outro especialista em TDAH. Contudo, as orientações do Reino Unido recomendam que, para algumas crianças com sintomas de intensidade moderada ou menor, uma abordagem de vigilância ativa na atenção primária de até 10 semanas pode ser apropriada após suspeita do diagnóstico, com fornecimento de autoajuda, manejo comportamental simples, ou programas de apoio aos pais.[91]
O diagnóstico requer a determinação de que os critérios do DSM-5-TR (ou outros critérios de diagnóstico, por exemplo, CID-11) foram atendidos, incluindo evidência de sintomas e comprometimento em mais de um cenário importante (ou seja, social, acadêmico ou ocupacional).[1]
História
O diagnóstico do TDAH é realizado mediante levantamento da história clínica, avaliando-se o comportamento em diferentes aspectos da vida da criança:[90][91]
Fonte da história: a história do paciente e dos pais deve ser complementada pela história fornecida por professores e outros cuidadores, como técnicos, tutores ou conselheiros.[90] Isso deve incluir a narrativa (incluindo padrões de aprendizagem e interações com os colegas), notas e escalas de classificação. O TDAH é mais comum em homens, mas pode ser subdiagnosticado em mulheres.[18] Os problemas que sugerem TDAH podem incluir faltas escolares, dificuldades acadêmicas, comportamentos disruptivos, desatenção e dificuldades de interação com colegas.
As escalas de classificação do TDAH são importantes na obtenção da história, e as checklists de comportamento abrangentes adicionais podem ajudar a identificar comorbidades clínicas.
Alguns sintomas causadores de comprometimento devem estar presentes antes dos 12 anos de idade.[1]
Enfoque da história: sintomas centrais do TDAH (especificamente, os critérios do DSM-5-TR), com atenção à idade de início, grau de comprometimento e situações em que os sintomas ocorrem.[1] É importante notar que os sintomas variam significativamente em diferentes situações e atividades, tornando-se mais proeminentes quando as crianças realizam atividades que consideram entediantes ou desafiadoras (por exemplo, trabalhos escolares) e menos ostensivas quando realizadas atividades nas quais eles se envolvem mais (por exemplo, videogames).
História dos sintomas: é obtida mediante perguntas abertas e escalas de classificação comumente usadas.
História gestacional, incluindo uso materno de álcool e outras substâncias.
História familiar: inclui a história do TDAH, o uso de substâncias e outras doenças psiquiátricas.
História do desenvolvimento: inclui informações sobre a gestação (tabagismo materno, álcool e estresse), história do nascimento (inclusive peso ao nascer) e marcos do desenvolvimento.
História médica pregressa: inclui qualquer trauma ou infecção do sistema nervoso central, bem como medicações em uso. Deve-se cogitar a possibilidade de exposição a chumbo.
História psicossocial: inclui tensões domésticas (entre os pais e entre pais e filhos), bem como detalhes sobre o relacionamento (frequentemente prejudicado) com os colegas e pode incluir uma história de bullying.
História psiquiátrica anterior: inclui diagnósticos anteriores e história de trauma, bem como avaliação de transtornos mentais e comportamentais comórbidos, inclusive transtorno desafiador de oposição (TDO), transtorno de conduta, dificuldades de aprendizagem, transtornos do humor e transtornos de ansiedade.
Sono e história de higiene do sono.
Exame do estado mental
O EEM deve ser realizado como parte da avaliação diagnóstica.[32] Inclui aparência, nível de alerta e orientação, capacidade de se relacionar com o entrevistador, fala, humor e afeto, processo de pensamento e estimativa da habilidade cognitiva. O EEM pode avaliar sinais evidentes de TDAH, inclusive agitação motora ou hiperatividade, desatenção e prejuízo de memória de trabalho (working memory). Além disso, pode levantar informações sobre diagnósticos de comorbidade, bem como outros transtornos mentais, que explicam melhor os sintomas apresentados. É importante notar que os pacientes frequentemente podem parecer calmos, silenciosos e atentos em situações estruturadas, em ambientes interpessoal em consultório médico, ou seja, o quadro clínico em circunstâncias com essa não se correlaciona bem com o diagnóstico.
Escalas de classificação usadas no diagnóstico
O parâmetro prático da American Academy of Pediatrics (AAP) sugere que os médicos incorporem uma das escalas de classificação de comportamento comumente usadas em sua avaliação.[90] Observe, entretanto, que o TDAH não pode ser diagnosticado por escalas de classificação isoladas.[92]
As escalas mais específicas avaliam apenas o TDAH, enquanto escalas mais abrangentes avaliam uma série de sintomas comportamentais.[93] A AAP não endossa uma escala específica. Pela experiência do autor, uma escala breve é a escolha preferida, pois reduz a carga dos pais e professores. A mesma escala pode ser usada para acompanhar a resposta ao tratamento. Uma lista de escalas de classificação comuns encontra-se disponível, algumas gratuitamente online.
Outras escalas comumente usadas
A escala de classificação do TDAH consiste em uma escala constituída por 18 itens com base nos critérios de DSM para TDAH. É útil para diagnosticar o TDAH em crianças e adolescentes e para avaliar a melhora com o tratamento.
A Escala Vanderbilt é uma escala que avalia TDAH, condições comórbidas (incluindo transtorno desafiador de oposição, transtorno de conduta, ansiedade e depressão) e desempenho. Vanderbilt ADHD diagnostic scales Opens in new window
O SNAP-IV é incluído em muitos estudos clínicos, incluindo o estudo de tratamento multimodal da TD/AH (MTA). É uma escala de 26 itens que realiza o rastreamento da hiperatividade e das formas de desatenção do TDAH, bem como o transtorno desafiador de oposição (TDO). SNAP-IV 26 - teacher and parent rating scale Opens in new window
A Checklist do Comportamento da Criança (CBCL) pode ser usada para avaliar uma ampla variedade de problemas comportamentais em crianças, com a subescala Problemas de Atenção da CBCL (CBCL-AP) utilizada como ferramenta diagnóstica para TDAH.[94]
A escala de classificação de Conners é a mais amplamente aceita e inclui uma versão curta e longa para os pais, professores e para a criança.
Testes neuropsicológicos
Testes neuropsicológicos não são necessários ao diagnóstico, já que o TDAH é considerado um transtorno comportamental.[90] No entanto, deve-se considerar a possibilidade de realizar um exame quando for importante fazer a diferenciação, ou identificar como uma condição concomitante, o TDAH das dificuldades de aprendizagem (por exemplo, dislexia ou dificuldade de aprendizagem não verbal), transtornos do processamento de linguagem, visuomotor ou auditivo. O não reconhecimento das dificuldades de aprendizagem coexistentes pode resultar em resposta inadequada ao medicamento, fracasso escolar e baixa autoestima.
Pacientes com TDAH geralmente apresentam habilidade cognitiva e desempenho acadêmico normais nos testes neuropsicológicos, apresentando, porém, deficits nas funções executivas (necessárias para planejar, priorizar, cumprir tarefas e inibir comportamentos) como a memória de curto prazo (ou seja, memória de trabalho) e a velocidade de processamento (a frequência na qual a informação é tratada).[95][96] Testes comuns da função executiva incluem o teste de desempenho contínuo, o teste Wisconsin de classificação de cartas e o teste de memorização regressiva de números. Testes neuropsicológicos apropriados conseguem avaliar o grau de comprometimento específico em caso de suspeita de transtornos de aprendizagem, da linguagem, visuomotor ou do processamento auditivo.
Testes laboratoriais e neurológicos
Caso a história médica não apresente nada digno de nota, não é necessário qualquer teste laboratorial ou neurológico na investigação do TDAH.[90] Determinados quadros clínicos podem mimetizar os sintomas do TDAH, incluindo distúrbios do sono, lesão cerebral traumática, encefalopatia, exposição ao chumbo e transtornos tireoidianos. Em caso de suspeita, deve-se requisitar testes específicos conforme a situação clínica do paciente, podendo este ser encaminhado aos especialistas pertinentes.
Testes cardiovasculares
Uma avaliação cardiovascular inicial (incluindo pressão arterial e frequência cardíaca) é necessária antes do início do tratamento.[91] Crianças com doença cardíaca preexistente, sintomas sugestivos de cardiopatia (por exemplo, síncope, palpitações, dor torácica, sintomas pós-exercício, sopro cardíaco ouvido na ausculta, sinais de insuficiência cardíaca) ou uma forte história familiar de morte súbita devem ser encaminhadas a um cardiologista para exame antes de um teste com estimulantes.[90][91] O paciente também deve ser encaminhado a um cardiologista caso apresente efeitos adversos cardíacos devido ao uso de estimulantes. O encaminhamento para um especialista em hipertensão pediátrica é recomendado antes de iniciar a medicação para TDAH se a pressão arterial estiver consistentemente acima do 95° percentil para idade e altura em crianças e jovens.[91] Não há necessidade de obter ECGs ou ecocardiografias de rotina para pacientes saudáveis que recebem estimulantes, mas a American Heart Association recomenda que é razoável considerar um ECG em crianças selecionadas antes do tratamento com estimulantes, dependendo de quaisquer achados positivos sugestivos de risco cardiovascular na história e no exame físico.[97]
Outras avaliações clínicas
Informações sobre padrões de sono que sugerem apneia do sono são importantes, assim como uma avaliação neurológica. Se o tratamento farmacológico estiver sendo considerado, a medição do peso e da altura é necessária como linha basal. Recomenda-se fazer referência a gráficos de percentil e gráficos de crescimento.
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal