Abordagem

Os médicos são aconselhados a consultarem o centro de controle de intoxicações e/ou toxicologista clínico locais para obter orientações.​​

Os pacientes assintomáticos que não atenderem a critérios para tratamento hospitalar podem ser observados em domicílio por cerca de 24 horas após a ingestão. Todos os outros pacientes devem ser encaminhados ao pronto-socorro, onde os cuidados de suporte e a descontaminação gastrointestinal com carvão ativado em múltiplas doses são iniciados, conforme apropriado.

Os pacientes com sinais ou sintomas clínicos moderados a graves ou que estiverem doentes devido a uma coingestão necessitarão de monitoramento e manejo em uma unidade de terapia intensiva (UTI). A base do tratamento nesses casos é a alcalinização da urina e do soro.[1][23]​​ O segredo do sucesso da alcalinização é a hidratação e suplementação com potássio adequadas, que promovem a retenção do bicarbonato na urina no nível tubular.[1]​ A necessidade de hemodiálise de emergência para os pacientes instáveis de alto risco deve ser discutida com um nefrologista especialista. Se lesões autoprovocadas intencionalmente ou intenção suicida forem uma preocupação, o paciente deve ser encaminhado para avaliação psiquiátrica assim que estiver estável.

O tratamento da intoxicação crônica não é diferente do tratamento da toxicidade aguda.[1]​ Os níveis de salicilato podem ajudar a orientar as decisões de tratamento, particularmente ao demonstrar se o paciente ainda está absorvendo salicilato. No entanto, as decisões de tratamento devem ser orientadas principalmente pelo quadro clínico, não pelo nível de salicilato.

Manejo de paciente hospitalizado versus ambulatorial

O encaminhamento ao pronto-socorro deve ser considerado para uma ingestão aguda:[2]

  • Se houver suspeita de intenção suicida, lesão autoprovocada ou administração mal-intencionada por outra pessoa

  • Se a situação familiar for preocupante, apesar da ausência dos itens acima

  • Se o paciente for sintomático de qualquer maneira

  • Se o paciente for assintomático, mas exposição <12 horas (<24 horas se exposição foi à aspirina com revestimento entérico) e a quantidade total ingerida não puder ser estimada

  • Se a dose aguda máxima ingerida, com base na equivalência à aspirina, for >150 mg/kg ou >6.5 g, o que for menor

  • Se o paciente foi exposto ao óleo de gualtéria (98% de salicilato de metila); mais que experimentar ou uma gota por crianças <6 anos de idade ou >4 mL por pacientes com 6 ou mais anos de idade.

Os pacientes que não cumprirem nenhum dos critérios acima podem ser observados em casa com acompanhamento de aproximadamente 12 horas após a ingestão aguda de salicilatos sem revestimento entérico e 24 horas após a ingestão de preparados com revestimento entérico. Esse esquema também se aplica às gestantes.

Não existem diretrizes para encaminhamento ao pronto-socorro de pacientes com intoxicação dérmica ou crônica por salicilato; portanto, a decisão nesses casos deve ser baseada na presença de sinais e sintomas.

  • Se os sintomas e sinais estiverem ausentes, as exposições dérmicas geralmente podem ser observadas em casa após a lavagem completa da área afetada com água e sabonete.[2]

  • Uma vez que os efeitos graves no sistema nervoso central (SNC) frequentemente são proeminentes na intoxicação crônica por salicilato, esses pacientes geralmente precisam ser tratados no hospital.

Após a avaliação e a estabilização no pronto-socorro, os pacientes com sinais de toxicidade moderados a graves devem ser internados em uma UTI. É fundamental que esses pacientes sejam monitorados rigorosamente, porque seu estado clínico pode se deteriorar rapidamente.

Cuidados de suporte

O primeiro passo ao tratar qualquer paciente com suspeita de intoxicação ou superdosagem que se apresente ao pronto-socorro é garantir a patência das vias aéreas e a adequação da respiração e da circulação. A hipoventilação pode ser extremamente perigosa para um paciente intoxicado por salicilato, agravando a acidemia.

Depois que isso for realizado, a gravidade da toxicidade por salicilato deve ser avaliada e categorizada como leve, moderada ou grave. No caso de toxicidade leve, os pacientes geralmente se queixam de zumbido e náuseas e têm sintomas consistentes com gastrite. Conforme a gravidade da toxicidade aumenta, os pacientes tornam-se taquipneicos e desenvolvem alcalose respiratória e acidose metabólica subsequente, resultando em um distúrbio ácido-base misto e combinado. Esses pacientes são capazes de compensar a evolução da acidose com um aumento da sua ventilação-minuto, e também com a sua capacidade de tamponamento ácido-base. Uma vez que esses mecanismos compensatórios forem sobrepujados, o paciente corre o risco de evoluir para disfunção de órgãos-alvo. Isso se manifesta como estado mental alterado, edema cerebral, convulsão, colapso cardiovascular, edema pulmonar, insuficiência renal e acidose metabólica descompensada, e é considerado salicilismo grave. Hipertermia e diaforese profusa são sinais de desacoplamento da fosforilação oxidativa significativo e são de grande preocupação.

Pacientes incapazes de proteger suas vias aéreas por causa das sequelas neurológicas ou convulsões, ou os pacientes com insuficiência respiratória hipóxica grave, precisam de intubação e de ventilação mecânica.[13]​ É necessário grande cautela para ajustar o ventilador, de maneira que seja fornecida uma hiperventilação para otimizar o pH. A alcalose respiratória induzida deve ser monitorada com a medição frequente da gasometria arterial e ajustada conforme os sinais e sintomas clínicos diminuírem. O paciente deve ser retirado da ventilação mecânica o quanto antes.

A hidratação deve ser avaliada e quaisquer anormalidades eletrolíticas devem ser corrigidas assim que possível. Frequentemente os pacientes apresentam depleção de volume no momento da apresentação, decorrente de vômitos e perdas insensíveis por causa da hiperventilação e da diaforese. Os anticonvulsivantes geralmente não são indicados, porque a maioria das convulsões remite com a resolução da toxicidade. As convulsões podem ser terminadas administrando-se benzodiazepínicos, mas é necessário cuidado na sua administração por via intravenosa. Em doses altas, eles podem causar depressão respiratória, que por sua vez pode agravar a acidose e a intoxicação por salicilato. A intubação com hiperventilação adequada pode ser indicada nesses casos.[13]

O zumbido e a surdez não exigem um tratamento específico, e o zumbido geralmente se resolve quando o nível de salicilato estiver abaixo de 20 mg/dL.

Se uma lesão autoprovocada ou intenção suicida for uma preocupação, o paciente deve ser encaminhado para avaliação psiquiátrica assim que estiver estável.

descontaminação do trato gastrointestinal

A descontaminação do trato gastrointestinal pode ser considerada como terapia adjuvante após a chegada ao pronto-socorro, especialmente se houver suspeita de bezoares ou concreções (um grande número de comprimidos ingeridos), se tiver sido ingerida aspirina com revestimento entérico ou se níveis crescentes de salicilato sérico indicarem continuação da absorção de salicilato.[1][2][13]​​[24][25]​ Se o paciente tiver ingerido produtos de salicilato com revestimento entérico, pode haver um certo benefício, mesmo que ele não tiver se apresentado em até 1 hora. O carvão ativado pode ser administrado no cenário extra-hospitalar se estiver imediatamente disponível e não protelar o transporte para o pronto-socorro.

O carvão ativado deve ser rigorosamente evitado se qualquer contraindicação estiver presente (por exemplo, nível deprimido de consciência).

O carvão ativado em doses seriadas não é rotineiramente recomendado na intoxicação, mas pode cumprir uma função na intoxicação por salicilato, particularmente nos casos em que o nível de salicilato continua aumentando.[18]​ A orientação de um centro toxicológico ou toxicologista clínico pode ser útil para decidir se o carvão ativado é recomendado em doses seriadas.

A indução de êmese não é indicada para as ingestões de salicilato, por causa da rápida taxa de absorção de salicilato e do risco de aspiração.

Alcalinização da urina e do soro

A base do tratamento é a diurese alcalina induzida pela administração de uma intervenção com infusão de bicarbonato de sódio.[1][13][23]​​ Demonstrou-se que a alcalinização da urina aumenta a eliminação de salicilato dos tecidos e do soro, em comparação com a fluidoterapia intravenosa isolada ou a diurese forçada.​[1]​ Ela é considerada o tratamento de primeira linha para os pacientes com sinais e sintomas clínicos que sejam moderados (taquipneia, hiperpirexia, diaforese, depleção de volume, perda de coordenação e inquietação) a graves (hipotensão, edema pulmonar não cardiogênico, acidose metabólica que persiste após reidratação, oligúria, insuficiência renal e sinais de toxicidade neurológica, incluindo alucinações, estupor, convulsões ou coma).[18] Em casos de intoxicação grave, deve ser usada como uma ponte para a hemodiálise.

A acidose metabólica aumenta o movimento do ácido salicílico para os tecidos e intracelularmente pela difusão não iônica, aumentando assim os níveis intracelulares de salicilato e a toxicidade.[26] A ligação dos salicilatos à albumina sérica é saturável e depende da concentração e do pH; a acidose aumenta os níveis séricos de salicilato livre, os quais podem então entrar no sistema nervoso central (SNC).[27]​ Além disso, a alcalose respiratória (uma característica comum da intoxicação por salicilato, principalmente nos adultos) aumenta a excreção de bicarbonato e potássio no túbulo proximal, aumentando ainda mais a acidose metabólica. Consequentemente, a alcalinização da urina e do soro ajuda a eliminar os salicilatos, promovendo sua ionização. Os salicilatos ionizados não podem ser reabsorvidos pelos túbulos renais (aumentando assim sua excreção urinária) ou atravessar a barreira hematoencefálica (diminuindo assim a concentração de salicilato no SNC). O objetivo do tratamento é promover o movimento do salicilato para fora do SNC, ou prevenir que o salicilato sérico se difunda para o SNC.[28]

Os protocolos hospitalares locais devem ser consultados sobre a preparação, a dosagem e a taxa de infusão do bicarbonato de sódio, porque eles podem variar conforme a instituição. Uma opção é iniciar a alcalinização da urina para níveis de salicilato >30 mg/dL e continuar o tratamento até que o nível de salicilato atinja o nível de pico, com o declínio do nível confirmado por pelo menos dois exames sucessivos, e até que o nível tenha caído abaixo de 30 mg/dL. O objetivo do tratamento é que o pH sérico não exceda 7.5, e um pH urinário >7.5 a 8.0.[1][13]​ O monitoramento cuidadoso desses pacientes, incluindo a reavaliação frequente do estado clínico, potássio sérico, estado ácido-base e níveis de salicilato, é necessário. O objetivo do tratamento é que o pH sérico esteja aproximadamente normal (7.35 a 7.5), e o urinário esteja ligeiramente alcalino (7.5 a 8).[23]​ Se possível, o pH urinário deve ser avaliado de hora em hora. O segredo do sucesso da alcalinização da urina é o manejo agressivo da hipocalemia com suplementação adequada com potássio, a qual promove a retenção do bicarbonato na urina no nível tubular.[13]

A acidose metabólica descompensada significativa (pH sérico < 7.3 apesar do tratamento) é uma indicação para hemodiálise aguda.[13]​​​​​

Uma deterioração neurológica pode progredir durante o tratamento de alcalinização apesar de um declínio rápido na concentração sérica de salicilato, teoricamente decorrente do aprisionamento de salicilato no SNC e de uma concentração crescente de salicilato no SNC.[13]

Os pacientes com sinais e sintomas que sugerem toxicidade leve (mal-estar, náuseas, vômitos, zumbido e tontura) devem ser monitorados rigorosamente, prestando-se atenção especificamente a qualquer mudança no quadro clínico, débito urinário e estado dos fluidos. Os níveis de salicilato neste grupo devem ser medidos a cada 2 a 4 horas até que a concentração atinja o valor pico (que pode ocorrer 24 horas ou mais após a ingestão).[18]

Hemodiálise de emergência

Nos pacientes instáveis com insuficiência renal, insuficiência respiratória aguda, acidose metabólica grave refratária à alcalinização, intervalo QT corrigido prolongado, síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), convulsões e/ou níveis de salicilato superiores a >90 mg/dL, nível de salicilato >80 mg/dL e em aumento apesar de terapia adequada ou pH <7.3 apesar de uma terapia adequada, recomenda-se hemodiálise de emergência.​[1][13][23]​​​ A consulta urgente com um nefrologista especialista é recomendada. Mais de um episódio de diálise pode ser necessário se os sinais e sintomas clínicos persistirem, independentemente do nível de salicilato.

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