Abordagem

A intoxicação por salicilato é caracterizada por distúrbios ácido-base (particularmente acidose metabólica com anion gap aumentado; a alcalose respiratória é observada em 78% dos adultos; distúrbios mistos são comuns), anormalidades eletrolíticas e efeitos sobre o sistema nervoso central (SNC).[1][7] Ingestões menores resultarão em zumbido, náuseas e vômitos.[1]​ O diagnóstico deve ser considerado em qualquer paciente que se apresentar com uma história de ingestão ou exposição a uma toxina desconhecida, particularmente na presença de um distúrbio ácido-base não explicado.

Embora exista uma sobreposição considerável dos sinais e sintomas associados ao salicilismo agudo versus o crônico, o quadro clínico após a intoxicação crônica por salicilato é frequentemente considerado menos grave, e não é percebido, ou seu reconhecimento é retardado. Normalmente, a população vulnerável é o paciente idoso que consome salicilatos para uma doença crônica, como uma das artrites, ou que recebe prescrições de mais de um médico, levando ao risco de prescrição dupla inadvertida.[1]​ Os sintomas gastrointestinais são geralmente menos proeminentes, e os distúrbios do SNC tendem a dominar o quadro clínico.[2] Os pacientes apresentam uma constelação de sinais e sintomas semelhantes a outras afecções, como zumbido, demência, encefalopatia, cetoacidose alcoólica, edema pulmonar não cardiogênico, choque cardiogênico ou sepse.[1]​ Devido ao diagnóstico incorreto, a morbidade e a mortalidade associadas ao salicilismo crônico podem ser altas.

História

A ingestão aguda de 150 mg/kg ou 6.5 g (a que for menor) de aspirina ou equivalente a aspirina exige a avaliação em um pronto-socorro por causa do risco de intoxicação por salicilato. Além disso, a história de ingestão de óleo de gualtéria (98% de salicilato de metila), superior a experimentar ou uma gota por crianças <6 anos de idade ou >4 mL por pacientes com 6 ou mais anos de idade, apresenta risco de intoxicação por salicilato.[2] Uma colher de chá de óleo concentrado de gaultéria equivale aproximadamente a 7 g de aspirina.[1][6]​​

Uma tentativa prévia de suicídio ou lesão autoprovocada entre adolescentes e adultos pode ser sugestiva; portanto, deve haver a suspeita de uma superdosagem suicida. As crianças ou os pais podem relatar uma história de ingestão acidental. A ingestão acidental, principalmente crônica, também é uma preocupação específica nos idosos (70 anos de idade ou mais).[1]​ Uma lista completa dos medicamentos do paciente deve ser indagada (prescritos e de venda livre), com consideração particular sobre o uso de qualquer produto contendo salicilato (tópico e por via oral), e a quantidade e o horário da ingestão ou exposição ao salicilato devem ser estabelecidos. A presença de qualquer afecção médica e a ingestão concomitante de qualquer toxina adicional potencial deve ser descartada (por exemplo, paracetamol, drogas de abuso e bebidas alcoólicas).

Os pacientes podem estar assintomáticos nos estágios iniciais após a ingestão aguda, ou dizer que têm zumbido, náuseas, vômitos, hematêmese ou dor epigástrica. O comprometimento da produção de energia celular e sua liberação na forma de calor podem resultar em febre (pode ocorrer hiperpirexia). Uma queixa principal de dispneia associada a uma história de suspeita de intoxicação deve alertar o médico quanto à possibilidade de acidose metabólica e/ou alcalose respiratória subjacentes.

Os efeitos no SNC podem ocorrer e ser leves, moderados ou graves.[8] Os sintomas leves incluem zumbido, surdez, tontura e mal-estar, e estão geralmente presentes nos estágios iniciais da ingestão aguda.[1]​ Os sintomas moderados e mais graves geralmente ocorrem em um estágio posterior, e incluem irritabilidade, alucinações, comportamento anormal, estupor, distúrbios do movimento, asterixis (flapping), confusão, convulsões, coma e sintomas de edema cerebral (por exemplo, cefaleia).[1]

Exame físico

Deve haver suspeita de acidose metabólica e/ou alcalose respiratória em qualquer paciente que se apresentar com dispneia, taquipneia ou respirações de Kussmaul (padrão de respiração profunda e difícil associada a acidose metabólica grave).[1]​ Os sinais de depleção de volume incluem turgor cutâneo diminuído e membranas mucosas secas. A diaforese profusa pode enganar os médicos, e o estado de desidratação no paciente intoxicado por salicilatos pode não ser percebido.[1]​ O edema pulmonar não cardiogênico, sugerido pela presença de estertores à ausculta associados a uma baixa saturação de oxigênio, além de dispneia, pode se desenvolver tanto na intoxicação aguda quanto na crônica.[2]​ Efeitos leves no SNC geralmente são estabelecidos com a anamnese, embora o zumbido possa complicar a anamnese ou ser confundido com alteração do estado mental. Efeitos moderados e mais graves no SNC tendem a ocorrer em um estágio posterior do ciclo de toxicidade aguda, e frequentemente são características proeminentes da intoxicação crônica. Eles incluem irritabilidade, alucinações, comportamento bizarro, estupor, distúrbios do movimento, asterixis (flapping), confusão, convulsões, coma e sinais de edema cerebral (por exemplo, presença de papiledema na fundoscopia).[1]​ A presença de dermatite de contato pode sugerir exposição cutânea a salicilatos.

Exames laboratoriais

Os pacientes com intoxicação por salicilato se apresentam com alcalose respiratória, acidose metabólica ou ambas.[1]​ Quando a acidose metabólica está presente, o anion gap geralmente está elevado. As investigações iniciais devem incluir os eletrólitos séricos para avaliar as anormalidades eletrolíticas, bem como a gasometria arterial para avaliar distúrbios ácido-base. O anion gap sérico (AGS) pode ser calculado usando-se a fórmula a seguir: AGS = Na - Cl - HCO3. [ Anion gap Opens in new window ] ​​​ No entanto, muitos toxicantes e outros estados patológicos podem causar acidose metabólica com anion gap aumentado, de maneira que deve-se seguir uma investigação abrangente para identificar a causa subjacente. Por outro lado, os níveis elevados de salicilato podem causar pseudonormalização do anion gap em algumas plataformas de análise laboratorial, de maneira que um anion gap normal não necessariamente descarta a intoxicação por salicilato.[9]

Os testes basais adicionais devem incluir a medição da ureia (BUN) e da creatinina séricas, corpos cetônicos no soro e níveis de glicose sanguínea. Um nível de salicilato sérico maior que a faixa terapêutica de 0.72 a 1.45 mmol/L (10-20 mg/dL) aumenta o índice de suspeita de intoxicação aguda ou crônica. Uma investigação completa da suspeita de intoxicação ou ingestão de analgésicos deve ser realizada conforme clinicamente indicada, e pode incluir um rastreamento para drogas de abuso, etanol sérico e nível de paracetamol se a história ou o exame físico estiverem obscuros. O hemograma completo, embora inespecífico, pode mostrar uma contagem leucocitária elevada. Os TFHs no soro são indicados porque a hepatotoxicidade direta pode ocorrer e é geralmente reversível, mas a maioria dos pacientes desenvolve uma elevação assintomática das transaminases.[10][11]​​ Se o paciente apresentar sangramento ativo, o tempo de protrombina (TP) e o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) devem ser medidos para se descartar coagulopatia.

Investigações adicionais

Os pacientes com sintomas respiratórios significativos devem realizar uma radiografia torácica e/ou exame pulmonar por ultrassonografia no local de atendimento para descartar síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) devida a edema pulmonar não cardiogênico.[12]​ A SDRA é uma indicação para hemodiálise urgente.[13]​ Se a etiologia estiver obscura, uma ecocardiografia pode ser considerada para avaliar a função cardíaca e ajudar a diferenciar a SDRA do edema pulmonar cardiogênico.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Imagem de radiografia torácica de infiltrados bilaterais em um paciente com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)Do acervo pessoal da Dra. Lorraine Ware; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5a365070

Um eletrocardiograma (ECG) deve ser obtido em todos os casos de suspeita de intoxicação por salicilato. A taquicardia sinusal é comum, mas um intervalo QT corrigido prolongado é associado a disritmias ventriculares graves.[14]​ Isso certamente é uma indicação para a alcalinização, e pode indicar uma necessidade de hemodiálise aguda. A taquicardia ventricular monomórfica e torsades de pointes foram relatadas em associação com a intoxicação por salicilatos.[14]

Uma TC de crânio é indicada para os pacientes com sinais de lateralização, uma avaliação para hérnia ou para descartar a presença de uma lesão estrutural no SNC. Para os pacientes com salicilismo conhecido e com estado mental alterado, uma TC de crânio não deve ser realizada quando causar atraso no início da hemodiálise, ou se exigir sedação em um paciente com taquipneia que ainda não estiver intubado.

Um eletroencefalograma (EEG) pode ajudar a descartar um transtorno convulsivo subjacente.

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