Abordagem
Uma história clínica de infecções recorrentes, crônicas ou atípicas (e de retardo do crescimento pôndero-estatural em crianças) é motivo para a medição imediata de imunoglobulinas séricas e outros testes para imunodeficiência. A presença de hipogamaglobulinemia deve ser confirmada pela repetição de testes. Quaisquer causas secundárias subjacentes devem ser descartadas antes do encaminhamento ao imunologista para a investigação da imunodeficiência primária (IDP).[2] O centro de encaminhamento estabelecerá se há, ou não, causa genética conhecida e se há comprometimento da função de anticorpos além de níveis baixos de imunoglobulina. A extensão do comprometimento do órgão e os danos crônicos também devem ser avaliados.
Em alguns casos, a presença de hipogamaglobulinemia pode ser um achado incidental em um exame de sangue de rastreamento. Sob tais circunstâncias, uma abordagem similar (para confirmar o resultado, avaliar a história de infecção e descartar causas secundárias) deve ser utilizada, com encaminhamento subsequente ao imunologista.
Imunodeficiência combinada grave (IDCG) é uma emergência médica, e os pacientes devem ser encaminhados com urgência a centros especializados para confirmação do diagnóstico e tratamento, logo que a suspeita for levantada (isto é, se os pacientes apresentarem valores absolutos baixos nas contagens de linfócitos e níveis baixos de imunoglobulinas).
História clínica
Uma história clínica de infecções recorrentes, graves, crônicas ou atípicas costuma ser a característica presente. Outros sintomas manifestos importantes podem incluir retardo do crescimento pôndero-estatural em crianças, diarreia crônica e complicações após receber vacinas com vírus vivos. Também é importante estabelecer se há dano crônico relacionado a infecções recorrentes: dispneia, tosse crônica e produção de escarro podem indicar a presença de bronquiectasia; dor nos seios nasais, secreção nasal e gotejamento pós-nasal podem indicar a presença de sinusite crônica; diarreia e esteatorreia podem indicar a presença de má absorção.
O distúrbio de imunodeficiência comum variável (a deficiência primária de anticorpos mais frequente) geralmente se manifesta em adolescentes ou no início da vida adulta, embora possa não ser evidente até os pacientes alcançarem a meia idade ou mais.[13]
Não há definições rigorosas de infecção recorrente, mas os seguintes fatores sugerem a consideração de imunodeficiência subjacente: ≥8 novas infecções otológicas em 1 ano; ≥2 infecções sérias dos seios nasais em 1 ano; ≥2 infecções profundamente assentadas; candidíase persistente após 1 ano de idade; abscessos recorrentes na pele profunda ou órgãos; ou ≥2 pneumonias em 1 ano. A história médica pregressa também pode revelar causas secundárias de hipogamaglobulinemia, como síndrome nefrótica, má absorção/gastroenteropatia (por exemplo, linfangiectasia intestinal), mieloma, leucemia, linfoma ou desnutrição.[2]
Doença granulomatosa, enteropatia (tipo celíaca/inflamatória) e citopenia autoimune podem sugerir imunodeficiência comum variável.
Infecções graves ou recorrentes na primeira infância (especialmente por Pneumocystis jirovecii, vírus sincicial respiratório, Candida e bactérias), erupções cutâneas, retardo do crescimento pôndero-estatural, diarreia e infecções causadas por vacinas de vírus vivos (por exemplo, bacilo Calmette-Guérin) sugerem IDCG.
Diarreia, retardo do crescimento pôndero-estatural e infecções recorrentes quando os níveis maternos de imunoglobulinas caem (isto é, em bebês ou no início da infância) sugerem agamaglobulinemia ligada ao cromossomo X (doença de Bruton). As imunoglobulinas maternas (IgGs) são transferidas para o feto no terceiro trimestre e gradualmente diminuem durante os primeiros 6 meses de vida.
A hipogamaglobulinemia transitória na primeira infância pode se manifestar com infecções a partir dos 6 meses de idade, quando os níveis maternos de imunoglobulinas caem. No entanto, costuma ser um achado incidental em uma criança que pode não apresentar aumento do risco de infecção. A predisposição à infecção (se presente) geralmente se resolve dos 18 aos 24 meses de idade (embora anormalidades nas imunoglobulinas possam persistir até os 3 anos de idade).[26]
Caso outros defeitos imunológicos estejam presentes, como deficiência de anticorpo específico, os pacientes com deficiência seletiva de imunoglobulina A (IgA) podem ser assintomáticos ou apresentar infecções recorrentes. O defeito está associado ao aumento do risco de doença celíaca e ao risco de reações transfusionais por anticorpos anti-IgA.
Pacientes com síndrome de hiper-IgM apresentam infecções bacterianas recorrentes e são propensos a desenvolver doenças autoimunes. A síndrome de hiper-IgM pode ser ligada ao cromossomo X ou autossômica recessiva.
Timoma e hipogamaglobulinemia podem se manifestar com efeitos locais de timoma; infecção recorrente (infecções bacterianas, virais, fúngicas e por Pneumocystis descritas); e/ou autoimunidade (por exemplo, miastenia gravis).
Pacientes com deficiência de subclasses de imunoglobulina G (IgG) podem ser assintomáticos ou apresentar infecções recorrentes.
Pacientes com deficiência de anticorpo específico apresentam baixa resposta a imunizações específicas e frequentemente apresentam infecções bacterianas recorrentes.
A história de medicação pode revelar uso de medicamentos associados a baixos níveis de imunoglobulinas (por exemplo, rituximabe, carbamazepina, fenitoína, medicamentos antirreumáticos modificadores de doença, medicamentos citotóxicos, antimaláricos ou imunossupressores).[2] Pode haver também história de radioterapia.
Pode haver também história familiar positiva de IDP ou autoimunidade (por exemplo, púrpura trombocitopênica imune, anemia hemolítica autoimune). A história de consanguinidade deve ser investigada.
A história social pode revelar indicadores de gravidade e frequência das infecções recorrentes: por exemplo, doenças que exigem ausência na escola ou no trabalho. INFO4PI.org: 10 warning signs of primary immunodeficiency Opens in new window
Exame físico
É importante medir a altura e o peso do paciente para identificar se a criança está crescendo adequadamente ou se há retardo do crescimento pôndero-estatural.
Os pacientes devem ser examinados para:
palidez (anemia é comum)
tecido tonsilar (as amígdalas são pequenas/ausentes com doença de Bruton)
alterações fúngicas nas unhas
eczema (pode ser observado na síndrome de Wiskott-Aldrich, síndrome de hiper-IgE, algumas formas de IDCG)
linfadenopatia
hepatoesplenomegalia
distensão abdominal (pode ser observada em pacientes desnutridos)
bócio (pode ser observado com autoimunidade)
vitiligo (pode ser observado com autoimunidade)
alopecia (pode ser observada com autoimunidade)
características dismórficas (podem ser observadas em algumas síndromes raras, como a síndrome de DiGeorge)
envolvimento neurológico (pode ocorrer na ataxia-telangiectasia)
evidência de bronquiectasia (estertores, guinchos inspiratórios agudos, roncos na ausculta pulmonar)
evidência de doença da orelha média e/ou perfuração timpânica (infecções otológicas recorrentes podem causar danos crônicos).
Investigações laboratoriais iniciais
Imunoglobulinas séricas (IgG, IgM, IgA) devem ser medidas e repetidas para a confirmação de anormalidades.
O hemograma completo é importante para identificar linfopenia, anemia e trombocitopenia (todas podem ocorrer com hipogamaglobulinemia) e para descartar neutropenia. Linfopenia em bebês com infecções, diarreia e/ou retardo do crescimento pôndero-estatural são achados importantes, pois sugerem IDCG. Linfocitose pode ser observada na leucemia linfoide crônica ou em linfomas.
Devem também ser verificados a função renal, a função hepática (inclusive a albumina sérica) e marcadores inflamatórios (velocidade de hemossedimentação e proteína C-reativa).
Em adultos, a eletroforese de proteínas séricas e o ensaio das cadeias leves livres no soro devem ser realizados, para verificar a presença de paraproteínas, e a eletroforese de proteínas urinárias, para verificar a presença de proteínas de Bence Jones. É importante analisar a urina quanto a excreção de proteínas.
Microscopia, cultura e sensibilidade também devem ser realizadas em todas as amostras (por exemplo, escarro, urina, swabs nasais) conforme apropriado.
Se houver sugestão de hipogamaglobulinemia e nenhuma causa secundária for identificada, o paciente deverá ser encaminhado a um centro especializado em IDP para investigações adicionais e controle por um imunologista.
Realização de um diagnóstico de hipogamaglobulinemia primária
Investigações subsequentes são realizadas pelo centro especializado. Pacientes com hipogamaglobulinemia necessitam de outros testes, inclusive testes de função pulmonar e exames radiológicos (radiografia torácica, tomografia computadorizada [TC] dos seios nasais, TC do tórax). Testes genéticos também devem ser realizados para identificar o defeito molecular em diversos casos de hipogamaglobulinemia primária. Alguns defeitos genéticos estão associados a fenótipos clínicos particulares, os quais precisam de tratamento específico. Pistas para a escolha do teste podem estar evidentes na história clínica, no padrão dos níveis de imunoglobulinas ou nos resultados de outras investigações.
Se as imunoglobulinas estiverem normais e se houver um alto índice de suspeita de imunodeficiência humoral, anticorpos antimicrobianos específicos (para Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae, tétano) podem ser medidos. Se esses títulos de vacina forem baixos ou não forem suficientes para proteger, um desafio de vacinação ou "reforço de imunização" pode ser administrado, com a repetição dos títulos de vacina de 4 a 6 semanas após a imunização, para avaliar a resposta adequada. Exames adicionais podem incluir citometria de fluxo de subpopulações de linfócitos, subclasses de IgG, função do sistema complemento; verificação da presença do baço por ultrassonografia; e biópsia de linfonodos.
Imunodeficiência comum variável
Não há teste diagnóstico único; a imunodeficiência comum variável é diagnosticada por exclusão.
Exames laboratoriais mostram hipogamaglobulinemia (IgG baixa associado a IgA baixa ou IgM baixa, ou ambas) e baixas respostas de anticorpos antimicrobianos específicos apesar da imunização.
IDCG
Exames laboratoriais mostram níveis baixos nas contagens absolutas de linfócitos (células T poucas/ausentes; células B e células natural killer podem estar baixas [uma anomalia associada à deficiência de adenosina desaminase] ou normais dependendo da forma subjacente da IDCG) e níveis baixos de imunoglobulinas.
O diagnóstico de deficiência de adenosina desaminase (ADA) geralmente é estabelecido ao demonstrar uma atividade de ADA ausente ou muito baixa (<1% do normal) nos eritrócitos.[27] A deficiência de ADA resulta em acúmulo de deoxiadenosina, que é tóxica para linfócitos imaturos e causa IDCG.
Testes genéticos moleculares (testes de um único gene ou uso de painel multigênico) podem identificar variantes patológicas de ADA.
XLA (agamaglobulinemia ligada ao cromossomo X ou doença de Bruton)
Exames laboratoriais mostram níveis de células B extremamente baixos/ausentes e teores de imunoglobulinas baixos/ausentes.
A citometria de fluxo mostra ausência da expressão da proteína tirosina quinase de Bruton (BTK).
Testes moleculares mostram mutação do gene codificador da BTK.
Hipogamaglobulinemia transitória da primeira infância
Exames laboratoriais mostram IgG baixa (IgA também costuma estar reduzida) e números normais de células B.
Anormalidades de imunoglobulinas podem persistir até os 3 anos de idade (embora, se presente, a predisposição à infecção geralmente se resolva aos 18 a 24 meses de idade).[26]
Deficiência seletiva de IgA
Exames laboratoriais mostram IgA não detectável, e IgG e IgM normais.
Os achados são, frequentemente, incidentais, pois a afecção costuma ser assintomática.
Síndrome de hiper-IgM
Exames laboratoriais mostram níveis elevados ou normais de IgM, e níveis reduzidos de IgA e IgG.
Teste genético está disponível.
Timoma e hipogamaglobulinemia
Exames laboratoriais mostram células B reduzidas ou ausentes.
Pode ser um achado radiológico incidental.
Deficiência de subclasse de IgG
Os exames laboratoriais mostram ≥1 dos seguintes fatores: IgG1 reduzida, IgG2 reduzida, IgG3 reduzida ou IgG4 reduzida (aIgG total pode estar normal). IgA normal ou baixa; IgM normal; números de células B e T, frequentemente, normais.
A medição de anticorpos antimicrobianos específicos oferece informações mais detalhadas sobre a resposta imunológica.
Deficiência de anticorpo específico
Exames laboratoriais mostram anticorpos específicos baixos (por exemplo, para Haemophilus ou S pneumoniae) com níveis totais de imunoglobulinas normais.
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