Complicações
A encefalopatia hepática pode evoluir rapidamente na IHA. À medida que o grau de encefalopatia aumenta, o risco de edema cerebral aumenta para até 35%, para a encefalopatia de grau 3, e até 75% para a encefalopatia de grau 4.[136] Embora seja comumente utilizada no manejo da encefalopatia hepática e da hiperamonemia associada, a terapia com lactulose parece não ter impacto significativo nos desfechos da IHA. Uma vez que a encefalopatia evolua para os graus 3 ou 4, deve-se realizar intubação traqueal eletiva.[4][137] A obtenção de uma tomografia computadorizada do crânio deve ser considerada após a intubação traqueal para avaliar a presença de edema cerebral ou outras causas de estado mental alterado, como sangramento intracraniano.[100] Um Doppler transcraniano, com estimativa de pressão de perfusão cerebral e pressão intracraniana, também pode ser considerado em pacientes com encefalopatia hepática de grau 3 a 4 que apresentam risco de hipertensão intracraniana ou para aqueles nos quais o desenvolvimento de edema cerebral é esperado.[57]
A coagulopatia é uma característica que define a IHA, embora a incidência de sangramento agudo significativo seja baixa. Os parâmetros de coagulação têm valor prognóstico e podem ser monitorados para avaliar a disfunção hepática em andamento ou resolução na IHA. Pode-se administrar vitamina K para o tratamento de uma possível deficiência de vitamina K; no entanto, a correção da coagulopatia não é recomendada a menos que ocorra sangramento clinicamente significativo ou antes de procedimentos invasivos.[4][100] Nesses casos, podem ser administrados plasma fresco congelado, plaquetas e crioprecipitado. Também pode ser administrado fator VII ativado recombinante, embora este esteja associado a um aumento do risco de eventos trombóticos.[141]
Infecções ocorrem com frequência em casos de insuficiência hepática aguda (IHA) e continuam sendo uma causa primária de mortalidade nessa população. Infecções bacterianas foram relatadas em mais de 80% dos pacientes com IHA, e infecções fúngicas em 30%.[133] Foram sugeridas culturas de vigilância regulares.[4] A terapia antimicrobiana profilática não parece influenciar o desfecho e não é recomendada.[4][104] No entanto, recomenda-se o tratamento empírico com antimicrobianos se o paciente apresentar culturas de vigilância positivas, hipotensão refratária, evolução para encefalopatia hepática de grau 3 a 4, evidência de síndrome da resposta inflamatória sistêmica; e também para todos os pacientes candidatos ao transplante de fígado.[100]
A disfunção renal é comum na IHA e ocorre com mais frequência em casos de superdosagem de paracetamol, quando pode aparecer logo no início da evolução. A presença de insuficiência renal é altamente preditiva de mortalidade em casos de superdosagem de paracetamol, uma vez que níveis de creatinina sérica >300 micromoles/L (3.4 mg/dL) no momento da apresentação podem estar associados a uma taxa de mortalidade >75%.[64] As etiologias da insuficiência renal podem incluir hipovolemia, necrose tubular aguda e síndrome hepatorrenal. Se um paciente desenvolver disfunção renal ou circulatória, a volemia deve ser monitorada rigorosamente, e a implementação de terapia renal substitutiva com hemodiálise venovenosa contínua é preferível à hemodiálise intermitente, em virtude da melhora na estabilidade da pressão intracraniana e nos parâmetros cardiovasculares.[134][135] Se for necessária a utilização de vasopressores, recomenda-se noradrenalina ou dopamina.[100]
Podem ocorrer distúrbios do equilíbrio ácido-básico, sobretudo na presença de disfunção renal. Distúrbios eletrolíticos e metabólicos devem ser corrigidos imediatamente, pois podem contribuir para o agravamento da encefalopatia hepática e do edema cerebral. A hiponatremia deve ser corrigida com uma meta de concentração sérica de sódio de 140-145 mmol/L.[51] Anormalidades séricas de fosfato, potássio e magnésio são comuns. A hipoglicemia é resultante de deficiências na gliconeogênese e da redução na produção de glicogênio no fígado. Infusões contínuas de soluções de glicose de 10% a 20% são preferíveis em relação à administração em bolus.[8] A glicose sérica deve ser corrigida para ±7.8 mmol/L (±140 mg/dL).[51] A hiperglicemia pode agravar o edema cerebral e deve ser evitada.
Edema cerebral com hipertensão intracraniana é uma das causas primárias de morte em casos de IHA e é mais comumente associado à apresentação hiperaguda. Uma vez que o paciente desenvolva edema cerebral, devem ser minimizados os fatores que podem desencadear um aumento na pressão intracraniana. A cabeceira do leito do paciente deve ser elevada para aproximadamente 30 graus, e estímulos do meio ao seu redor devem ser reduzidos ao mínimo.[51] Deve ser considerada a colocação de um monitor de pressão intracraniana (PIC), sobretudo em pacientes candidatos a transplante do fígado.[138] A avaliação não invasiva da pressão intracraniana com modalidades como o Doppler transcraniano também pode ter um papel na estimativa da pressão de perfusão cerebral em pacientes com edema cerebral.[57]
Terapias específicas para PIC elevada incluem manitol intravenoso em bolus, que deve ser administrado se a PIC for ≥25 mmHg por >10 minutos. Deve-se monitorar rigorosamente a função renal ou iniciar terapia renal substitutiva, visto que ambas são essenciais para a depuração do manitol. Os bolus podem ser repetidos se a PIC continuar ≥25 mmHg e a osmolalidade sérica <320 mOsm/L.[100] Também pode ser usada solução salina hipertônica em bolus para reduzir a PIC.[51]
A hiperventilação para atingir a PaCO2 de 25 a 30 mmHg produz uma redução de curta duração na PIC e pode ser usada para protelar a formação de hérnia de uncus em pacientes com hipertensão intracraniana com risco de vida que não é controlada por outras medidas.
Descreveram-se terapias específicas adicionais para edema cerebral com hipertensão intracraniana, incluindo hipotermia moderada induzida, coma induzido por pentobarbital ou tiopental, e administração de indometacina intravenosa.[100][137][139] Um grande estudo retrospectivo multicêntrico que avaliava o papel da hipotermia terapêutica nesse ambiente revelou que não há diferenças na sobrevida geral livre de transplante; no entanto, jovens com IHA associada ao paracetamol podem se beneficiar dessa prática.[140]
As convulsões aumentam a PIC e devem ser tratadas com anticonvulsivantes.[8]
Os pacientes com IHA apresentam risco de hemorragia digestiva em decorrência da coagulopatia e da necessidade de ventilação mecânica.[8] Uma INR >1.5 não pode prever com acurácia o risco de sangramento nos pacientes com IHA.[4][68] Inibidores da bomba de prótons ou antagonistas de H2 devem ser administrados como profilaxia.[8]
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