Abordagem

O diagnóstico de intoxicação por chumbo deve ser considerado em qualquer pessoa potencialmente exposta ao chumbo. Qualquer nível detectável de chumbo é consistente com exposição ao chumbo. O valor de referência para chumbo no sangue de ≥0.17 micromoles/L (3.5 microgramas/dL) é usado para identificar crianças com níveis mais elevados de chumbo no sangue (entre os 2.5% de crianças dos EUA com idade entre 1-5 anos dos ciclos de 2015-2016 e 2017-2018 da National Health and Nutrition Examination Survey [NHANES, pesquisa nacional de avaliação da saúde e nutrição]).[47] Uma definição de caso para nível elevado de chumbo no sangue em adultos (indivíduo ≥16 anos de idade) é ≥0.24 micromoles/L (5 microgramas/dL).[2][3] Em adultos, a Occupational Safety and Health Administration dos EUA considera grave um nível de chumbo no sangue ≥1.2 micromoles/L (25 microgramas/dL), precisando de inspeção.[2]

Haver história de exposição é a característica sugestiva mais forte, já que os sintomas são inespecíficos ou podem estar ausentes. A intoxicação por chumbo pode ser identificada durante o rastreamento de rotina. A medição de chumbo no sangue total é o método primário de diagnóstico, embora as intervenções devam começar ao primeiro sinal de exposição elevada.

Apesar de coletas de amostra única de urina e de urina de 24 horas (geralmente rotuladas de rastreamentos de metais pesados) frequentemente serem solicitadas pelos médicos para diagnosticar a intoxicação por chumbo, esses testes não acrescentam muito ao diagnóstico e não são recomendados.

História

O principal objetivo da história é avaliar criteriosamente o risco de exposição ao chumbo. As principais características incluem:

  • Idade do paciente: a exposição ao chumbo atinge a intensidade máxima em crianças de 18 a 24 meses. Todas as crianças nessa faixa etária devem ser consideradas para o teste de chumbo.[6]

  • Pica: uma afecção médica na qual as crianças desenvolvem um apetite por substâncias não nutritivas. Se as substâncias consumidas contiverem chumbo, isso pode ser uma fonte significativa de exposição ao chumbo.[39][40] A pica está fortemente associada à deficiência de ferro, a qual é considerada como o fator desencadeante do apetite anormal.

  • Idade e condição da moradia: o uso de chumbo em tintas foi banido em muitos países, e a maior parte da exposição ao chumbo ocorre em casas construídas antes de 1950. A deterioração da pintura aumenta a exposição ao chumbo. O rastreamento de crianças (12 a 24 meses de idade) para concentrações elevadas de chumbo no sangue é recomendado em comunidades ou em grupos censitários com ≥25% das moradias construídas antes de 1960.[48]

  • Situação socioeconômica: pacientes de baixa situação socioeconômica têm maior probabilidade de morar em edifícios antigos e com manutenção ruim, nos quais o risco de exposição ao chumbo é maior.

  • Histórico ocupacional: há várias profissões que oferecem risco de exposição ao chumbo. Em grandes companhias (por exemplo, produção de baterias ou construção), os trabalhadores devem ser monitorados para exposição ao chumbo. Trabalhadores de pequenas empresas, como pintores e encanadores terceirizados, também correm risco, mas geralmente não são testados pelos empregadores.[9][13][49]

  • Hobbies: alguns hobbies, como a construção de objetos de vitral soldados com materiais que contêm chumbo e a fabricação de projéteis (armamentos) e pesos de pesca em casa, geralmente expõem o indivíduo a altos níveis de chumbo transportado pelo ar.[6][13] A reforma por conta própria de uma propriedade antiga também pode resultar em exposição ao chumbo transportado pelo ar.

  • História alimentar: dietas com baixo teor de minerais, especialmente cálcio e ferro, ou com alto teor de gordura provavelmente aumentam a absorção do chumbo.[6][23][33] A deficiência preexistente de ferro e outros minerais também aumenta a absorção do chumbo no trato gastrointestinal.[23] A qualidade da dieta deve ser determinada com atenção especial ao conteúdo de minerais e gordura.

  • Uso de medicamentos tradicionais de grupos culturais: medicamentos tradicionais mexicanos (por exemplo, azarcon e greta), pay-loo-ah (medicamento tradicional dos Hmong) e medicina ayurvédica resultaram em intoxicação por chumbo.[10][11][15][16] Alguns grupos étnicos são relutantes em revelar tal uso aos médicos convencionais.[6]

  • Histórico familiar de intoxicação por chumbo: várias crianças em uma família geralmente têm exposições em comum. A residência é a fonte mais comum, mas pessoas que trabalham com chumbo também podem trazê-lo para casa nas roupas.[50]

Exame físico

A maioria dos pacientes é assintomática e é identificada quando os indivíduos fazem parte de um programa de rastreamento ou porque é identificada história de alto risco de exposição ao chumbo. Geralmente, o exame clínico não apresenta nada digno de nota.

Os principais sintomas da intoxicação por chumbo são neurológicos e podem afetar os sistemas nervosos central e periférico. Apesar da intoxicação por chumbo poder causar uma anemia microcítica, isso é incomum na ausência de outros fatores de risco como anemia ferropriva, e sua ausência não descarta a intoxicação por chumbo.

A intoxicação por chumbo extremamente grave foi associada à síndrome de Fanconi renal, particularmente em crianças. O chumbo produz uma variedade de toxicidades cardiovasculares em pacientes adultos. A principal toxicidade é a hipertensão, mas também podem ser observados doença arterial coronariana, aumento da mortalidade por acidente vascular cerebral (AVC) e doença arterial periférica. Deve-se suspeitar de intoxicação por chumbo em pacientes hipertensos com história de possível exposição ao chumbo. Agency for Toxic Substances and Disease Registry: case studies in environmental medicine: lead toxicity Opens in new window

Os adultos comumente apresentam cólica abdominal, e a intoxicação por chumbo deve ser considerada em qualquer paciente no qual esse sintoma é persistente e inexplicado. Neuropatias periféricas também podem ocorrer em adultos.

Sintomas neurológicos

O exame do sistema nervoso pode revelar neuropatia periférica ou sinais cerebelares como tremor de intenção, teste índex-índex com "past-pointing" ou disdiadococinesia.

Em crianças, cefaleias, perda de apetite, constipação, agitação, sonolência ou falta de coordenação são sinais de toxicidade do sistema nervoso central (SNC) que exigem tratamento urgente, já que podem evoluir para encefalopatia. A encefalopatia por chumbo é uma emergência médica que se manifesta com estado mental alterado, variando de alterações sutis no nível de alerta e anormalidades comportamentais até coma. Os pacientes com encefalopatia por chumbo podem desenvolver convulsões.

O dano no sistema nervoso central (SNC) induzido pelo chumbo em crianças causa comprometimento cognitivo, o que pode gerar dificuldades de aprendizagem e atraso para atingir os marcos do desenvolvimento. Os marcos previamente atingidos também podem regredir. Comportamento hiperativo e desatenção também podem ocorrer, embora sejam menos comumente causados pela exposição ao chumbo.

A exposição ao chumbo na infância foi associada com consequências de longo prazo na vida adulta, inclusive função cognitiva prejudicada, queda no QI, psicopatologia e condição socioeconômica mais desfavorável.[51][52][53] A exposição ao chumbo durante toda a vida pode se expressar tardiamente e pode acelerar a taxa de declínio na cognição.

Medição do chumbo no sangue total

A medição do chumbo no sangue total é diagnóstica. Qualquer nível detectável de chumbo é consistente com a exposição ao chumbo.

Um aumento do chumbo no sangue total de 0.1 micromol/L (2-3 microgramas/dL) para 0.5 micromol/L (10 microgramas/dL) resulta em uma perda significativa de quociente de inteligência (QI) em crianças; a perda é mais acentuada nessas concentrações que em níveis acima de 0.5 micromoles/L )10 microgramas/dL).[27][28][30][54] No entanto, a maioria das intervenções ambientais nesses níveis mais baixos não demonstraram diminuir o chumbo no sangue, de modo que a prevenção é a chave para impedir a perda de QI.

As intervenções diagnósticas e terapêuticas se tornam mais intensas à medida que o nível sanguíneo aumenta acima desses limiares. As determinações de chumbo plasmático ou sérico, embora úteis para determinar o chumbo livre disponível, não são usadas para o diagnóstico porque são tecnicamente difíceis e não estão amplamente disponíveis.[6][13]

A Occupational Safety and Health Administration dos EUA publica guias de referência do nível de chumbo no sangue e recomendações regulatórias relacionadas à exposição de adultos ao chumbo no local de trabalho.[2]

Medição de chumbo urinário

O chumbo urinário é medido durante a terapia de quelação para avaliar a eficiência da quelação ao comparar as proporções chumbo-quelante. A quelação adequada é definida como uma proporção de mais de 1 micrograma de chumbo para 1 miligrama de quelante.[6][13]

Outras investigações

Um hemograma completo e a ferritina são usados para descartar anemia ferropriva associada.

Radiografias simples do abdome são recomendadas se houver suspeita de ingestão de chumbo. Geralmente não é observado material radiopaco no abdome de crianças em radiografias, mas quando presente, indica a necessidade de evacuação do material do intestino.[6]

Anteriormente, as radiografias simples de ossos longos eram recomendadas na avaliação diagnóstica de pacientes pediátricos, mas seu valor é incerto. "Linhas de chumbo" nos ossos longos representam suspensão do crescimento e não são específicas da exposição ao chumbo.[55] Além disso, elas nem sempre estão presentes, mesmo em crianças sujeitas a intensa exposição.

Estudos eletrofisiológicos são particularmente úteis em adultos com neuropatias periféricas. Estudos de condução nervosa podem documentar os defeitos e podem ser úteis para acompanhar a evolução da doença.

Novas investigações

A fluorescência de raios-X de ossos longos pode estimar a exposição ao chumbo de longo prazo por meio da medição direta do chumbo no osso. Esta tem sido uma ferramenta de pesquisa excepcionalmente útil na definição dos efeitos adversos da exposição de longo prazo, e este continua sendo seu principal uso. O alto custo e a falta de padronização entre os laboratórios em relação aos métodos e resultados limitaram sua aplicação clínica.[56][57]

A exposição ao chumbo, inclusive durante a infância, foi associada a alteração do funcionamento e da estrutura cerebrais.[58][59][60] Ressonância nuclear magnética (RNM) pode ser considerada; pode exibir volume cerebral diminuído e alterações na integridade axonal e mielinização.[61]

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