Abordagem
A doença celíaca pode se manifestar de diversas maneiras e exige um alto grau de suspeita clínica.
Características da apresentação
Pacientes com sintomas gastrointestinais inexplicáveis (incluindo aqueles com diagnóstico de síndrome do intestino irritável e/ou dispepsia), diarreia crônica, anemia ferropriva sem explicação ou uma erupção cutânea consistente com dermatite herpetiforme devem fazer o exame de doença celíaca.[64][65][66]
Outras situações que podem exigir exames incluem retardo do crescimento pôndero-estatural, baixa estatura, deficiência vitamínica (B12, D ou folato), estomatite aftosa grave recorrente, aborto espontâneo recorrente e infertilidade.[67]
Investigações
Antes dos exames, é crucial assegurar que o paciente esteja ingerindo glúten, porque todos os testes diagnósticos geralmente se normalizam em uma dieta sem glúten.
1. Sorologia
O título de imunoglobulina A-transglutaminase tecidual (IgA-tTG) deve ser avaliado.[68][69]
O teste quantitativo de IgA é solicitado rotineiramente para avaliar a deficiência de IgA, pois a presença de deficiência de IgA causa insensibilidade a IgA-tTG. A deficiência de IgA é mais comum em indivíduos com doença celíaca que na população em geral.[70]
O anticorpo antiendomísio (EMA) é uma alternativa mais cara que a IgA-tTG, com maior especificidade, porém menor sensibilidade, que pode ser usado se IgA-tTG não estiver disponível.[71] Ao contrário de tTG, que é um ensaio de imunoadsorção enzimática, o EMA baseia-se em imunofluorescência e, portanto, é dependente do operador.
Em pacientes com deficiência de IgA, solicite a sorologia de IgG para peptídeo de gliadina desamidada (DGP), embora a precisão diagnóstica desse teste seja um pouco menor que a de IgA-tTG.[69][72] A sorologia para DGP substituiu a sorologia para IgG-tTG em pacientes com deficiência de IgA.
Em crianças com <2 anos que não têm deficiência de IgA, a IgA-TTG é o teste de primeira escolha para confirmar o diagnóstico de doença celíaca, enquanto naquelas com deficiência de IgA, a IgG-DGP ou a IgG-tTG podem ser usadas como testes confirmatórios.[73][74]
Pacientes com um nível elevado de IgA-tTG devem ser aconselhados a permanecerem em uma dieta com glúten e encaminhados para biópsia duodenal.
Resultados normais dos testes de IgA-tTG e IgA total são o suficiente para excluir um diagnóstico em pacientes com baixo índice de suspeita clínica de doença celíaca.[73]
Em um indivíduo com alto índice clínico de suspeita de doença celíaca, é razoável realizar endoscopia digestiva alta e biópsia duodenal mesmo diante de sorologias normais.[73]
2. Histologia
Pacientes com um nível elevado de IgA-tTG devem ser aconselhados a permanecerem em uma dieta com glúten e encaminhados para biópsia duodenal.
Devem ser obtidas pequenas biópsias intestinais, independentemente do resultado da IgA-tTG nos pacientes com alto índice clínico de suspeita, pois 2% dos pacientes com doença celíaca podem não ter tTG circulante no momento do diagnóstico (doença celíaca soronegativa).[75]
Em pacientes pediátricos com sintomas compatíveis com doença celíaca e um título elevado de IgA-tTG (10 vezes acima da faixa normal do laboratório) podem-se continuar os testes para confirmação por EMA. Se o EMA for positivo, a doença celíaca poderá ser diagnosticada sem biópsia do intestino delgado.[76]
Alguns especialistas afirmam que os pacientes adultos com títulos de IgA-tTG muito altos (10 vezes acima da faixa normal do laboratório) e EMA positivo em uma segunda amostra de sangue podem ser diagnosticados sem biópsia duodenal.[77] Esses critérios podem ser considerados um diagnóstico "após o fato" entre adultos que não desejam ou não podem se submeter a uma biópsia duodenal.[73]
As alterações na biópsia duodenal na doença celíaca são tipicamente avaliadas conforme a classificação de Marsh-Oberhuber, de 0 a 4.[78] Para o diagnóstico de doença celíaca, os linfócitos intraepiteliais devem estar elevados e a razão vilo-cripta, reduzida. A presença de apenas uma dessas alterações levanta a possibilidade de um diagnóstico diferente.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Imagem histológica de atrofia vilosa e hiperplasia de criptas do intestino delgadoDo acervo pessoal de DA Leffler; usado com permissão [Citation ends].
A presença de alterações celíacas típicas na histologia duodenal com melhora clínica em uma dieta sem glúten confirma o diagnóstico. A repetição da biópsia duodenal após a supressão do glúten deixou de ser rotineiramente necessária para a verificação.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Imagem histológica de vilosidades do intestino delgado mostrando resolução de lesão intestinal em dieta sem glútenDo acervo pessoal de DA Leffler; usado com permissão [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Fotografia de vilosidades do intestino delgado afetado por doença celíacaDo acervo pessoal de DA Leffler; usado com permissão [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Fotografia de vilosidades normais do intestino delgadoDo acervo pessoal de DA Leffler; usado com permissão [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Imagens de endoscopia por cápsula de jejunite ulcerativa em paciente com doença celíacaDo acerto pessoal de Amelie Therrien; usado com permissão [Citation ends].
3. Tipagem do antígeno leucocitário humano (HLA)
Pode ser usado para descartar doença celíaca em pacientes que já seguem uma dieta sem glúten ou em pacientes com uma enteropatia idiopática do tipo celíaca, mas só é útil para o diagnóstico em casos específicos, como quando há discrepância entre os achados sorológicos e histológicos.[73]
A tipagem HLA pode ser usada como exame de rastreamento de primeira linha para descartar doença celíaca entre parentes de primeiro grau.[34] No entanto, a disponibilidade e o custo desse teste neste contexto podem ser proibitivos.
4. Endoscopia
Podem-se observar atrofia e pregas serrilhadas da mucosa, nodularidade e padrão de mosaico da mucosa, mas esses achados não são sensíveis nem específicos para o diagnóstico de doença celíaca.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Pregas serrilhadas da mucosa duodenal em um paciente com doença celíacaDo acervo pessoal de DA Leffler; usado com permissão [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Pregas serrilhadas da mucosa duodenal em um paciente com doença celíacaDo acervo pessoal de DA Leffler; usado com permissão [Citation ends].
A videoendoscopia por cápsula permite obter imagens de todo o intestino delgado e apresenta boa sensibilidade para a detecção de características macroscópicas da doença celíaca. No entanto, a endoscopia por cápsula costuma ser usada para detectar complicações da doença celíaca, como jejunite ulcerativa ou linfoma.[79][80]
Teste de provocação com glúten
As pessoas com doença celíaca em dieta sem glúten antes da avaliação não podem ser diferenciadas de controles saudáveis. Nesses pacientes, o teste de provocação com glúten é necessário. No teste de provocação com glúten, a pessoa retorna a uma dieta que contém glúten, com 3-10 gramas de glúten por dia (2-5 fatias de pão integral), sendo os exames sorológicos e a histologia do intestino delgado avaliados após 2-8 semanas do início da dieta com glúten.[81][82]
Kits comerciais
Os pacientes que usaram um kit para realização do teste em casa ou que pensam em usá-lo devem ser orientados a discutir seus sintomas com um profissional da saúde, independente do resultado do teste.
Os testes comercialmente disponíveis para avaliar o risco individual de doença celíaca detectam a presença de genes HLA-DQ2 e HLA-DQ8 na saliva.[83] No entanto, as diretrizes do Reino Unido não recomendam o exame de HLA-DQ2 e HLA-DQ8 no diagnóstico inicial da doença celíaca em ambientes não especializados.[84]
Os profissionais da saúde devem estar cientes de que os pacientes que testam positivo para anticorpos tTG usando exames de sangue autoadministrados (testes de glicemia capilar) podem iniciar uma dieta sem glúten antes de serem avaliados por seu profissional da saúde, e isso pode dificultar a investigação diagnóstica subsequente.[85]
Os testes para detecção de anticorpos tTG na saliva estão sendo investigados, mas não há evidências suficientes para recomendar seu uso.[34]
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