Abordagem

O diagnóstico é inicialmente estabelecido clinicamente. A síndrome de Ehlers-Danlos está presente no nascimento e é quase sempre diagnosticada na infância, mas em alguns casos pode ser detectada na fase adulta. Muitas pessoas afetadas não desenvolvem os sintomas, ou desenvolvem somente sintomas discretos durante toda a vida.

As manifestações musculoesqueléticas e cutâneas são as características primárias; as disfunções autonômicas cardiovasculares e gastrointestinais, bem como outras manifestações, são consideradas achados de suporte.

Além da hipermobilidade articular, nenhuma característica está universalmente presente em qualquer forma de síndrome de Ehlers-Danlos. Devido ao envolvimento de vários sistemas de órgãos, inicialmente os pacientes podem sentir a necessidade de consultar profissionais de especialidades médicas diferentes.[15]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Possíveis características da síndrome de Ehlers-DanlosCriado pelo BMJ Knowledge Centre [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@1ed33159

A história familiar de hipermobilidade articular é altamente sugestiva; o padrão de herança dos subtipos comuns é geralmente autossômico dominante, de modo que 50% dos filhos de uma pessoa afetada poderiam herdar o gene e desenvolver o fenótipo.[13] No entanto, os subtipos raros da síndrome de Ehlers-Danlos são autossômicos recessivos.

Manifestações musculoesqueléticas

Hipermobilidade articular

  • Considerada uma característica de todos os subtipos de síndrome de Ehlers-Danlos. Geralmente é menos óbvia na síndrome de Ehlers-Danlos vascular (SEDv), exceto nas mãos. A maioria das pessoas hipermóveis não está ciente do fato e pressupõe que todos são tão flexíveis como elas.

  • Uma história de atraso para andar (após 18 meses de idade), que frequentemente pula a etapa de engatinhar e/ou substitui a etapa de se arrastar na posição sentada, é comum em bebês hipermóveis. Eles são frequentemente desajeitados e inquietos. Assim que começam a andar, o atraso motor remite. As crianças hipermóveis se cansam rapidamente e frequentemente desejam ser carregadas; podem apresentar dor articular e/ou muscular após o exercício (dores de crescimento).

  • A presença da hipermobilidade articular pode ser estabelecida diretamente, com o cálculo do índice de Beighton de 9 pontos, que é baseado na capacidade de realizar uma série de manobras. Uma pontuação de 5/9 ou mais é geralmente indicativa de hipermobilidade generalizada.[16]

    • Dorsiflexão da 5ª articulação metacarpofalângica em 90° ou mais (1 ponto para cada lado).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Hipermobilidade articular demonstrada pela hiperextensão da quinta articulação metacarpofalângicaDo acervo do Dr. Rodney Grahame; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7d3fc484

    • Movimento do polegar para a região volar do antebraço ipsilateral (1 ponto para cada lado).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Hipermobilidade articular demonstrada pela oposição do polegar na região volar do antebraçoDo acervo do Dr. Rodney Grahame; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@aefe117

    • Hiperextensão do cotovelo em 10° ou mais (1 ponto para cada lado).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Hipermobilidade articular demonstrada pela hiperextensão do cotovelo em >90°Do acervo do Dr. Rodney Grahame; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@1f7cafbc

    • Hiperextensão do joelho em 10° ou mais (1 ponto para cada lado).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Hipermobilidade articular demonstrada pela hiperextensão do joelhoDo acervo do Dr. Rodney Grahame; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@18e811af

    • Posicionamento das mãos espalmadas no chão com os joelhos completamente estendidos (1 ponto). [Figure caption and citation for the preceding image starts]: Hipermobilidade articular demonstrada ao encostar as mãos espalmadas no chão com os joelhos completamente estendidosDo acervo do Dr. Rodney Grahame; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@1228c6ee

  • A hipermobilidade deve ser pesquisada nas articulações fora dos 5 locais que formam parte do escore de Beighton, pois cada articulação hipermóvel identificada acrescentará evidência de hipermobilidade articular. Algumas manobras úteis nesse contexto incluem:

    • A rotação externa passiva do ombro em 90° ou mais

    • Flexão lateral da coluna cervical em 60° ou mais

    • Rotação da coluna torácica a 90° ou mais

    • Dorsiflexão da primeira articulação metatarsofalângica em 90° ou mais

    • Achatamento do arco longitudinal do pé, com pronação do pé ao suportar o peso.

  • A hipermobilidade articular também pode ser determinada indiretamente ao usar o questionário com 5 perguntas. Uma resposta afirmativa para 2 ou mais perguntas sugere hipermobilidade com sensibilidade de 80% a 85% e especificidade de 80% a 90%.[17]

    • Você pode agora (ou já conseguiu) encostar as mãos espalmadas no chão sem dobrar os joelhos?[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Hipermobilidade articular demonstrada ao encostar as mãos espalmadas no chão com os joelhos completamente estendidosDo acervo do Dr. Rodney Grahame; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@45fed6c3

    • Você pode agora (ou já conseguiu) dobrar seu polegar para que toque o antebraço?[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Hipermobilidade articular demonstrada pela oposição do polegar na região volar do antebraçoDo acervo do Dr. Rodney Grahame; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@511bcf5d

    • Quando criança, você divertia seus amigos contorcendo seu corpo em formas estranhas ou conseguia abrir espacates?

    • Quando criança ou adolescente, seu ombro ou sua patela se deslocaram em mais de uma ocasião?

    • Você considera ter articulação dupla?


      Escore de Beighton
      Escore de Beighton

      Uma demonstração em vídeo do escore de Beighton em um paciente com síndrome de Ehlers-Danlos hipermóvel.


  • É importante estar ciente de que essa lista de manobras não está completa, e quaisquer ou todas as frouxidões articulares observadas no exame físico podem ser relevantes. Além disso, deve ser observado que vários fatores, como sexo masculino, idade avançada, espasmo muscular, lesão/cirurgia prévia e degeneração artrítica, podem mascarar a frouxidão articular.

Dores nas articulações

  • Pacientes mais velhos geralmente apresentam dor em várias articulações ou na coluna, frequentemente causada por atividade física infrequente, embora não necessariamente excessiva, e ausência de sinais de inflamação.

  • Diferente da doença articular inflamatória, não há inchaço articular visível, aquecimento ou vermelhidão, e não há queixa de rigidez matinal, a menos que haja tendinite associada. Ao contrário do que é observado na doença articular inflamatória, as articulações se movem bem e, apesar da dor, podem preservar a hipermobilidade.

  • A história deve incluir a natureza e a eficácia do alívio da dor, intervenções passadas e qualquer experiência prévia com uso de anestésico local, já que a resistência aos efeitos dos anestésicos locais é observada em cerca de dois terços dos pacientes.[18]

Luxação ou subluxação da articulação

  • Como os ligamentos são frouxos, as articulações são instáveis e sofrem luxação ou subluxação facilmente e repetidamente, em alguns casos, várias vezes ao dia. Portanto, a luxação ou a subluxação articular recorrente é uma apresentação comum.

Propriocepção da articulação

  • O colágeno mutante em proprioceptores conduz a deterioração da sinalização que causa deficits na posição e senso da articulação.[19][20] Isso leva à falta de coordenação de movimento durante atividades físicas normais e extenuantes, que por sua vez pode causar lesão nos tecidos e articulações.

Espasmo muscular

  • O espasmo muscular doloroso (ou não doloroso) pode ser frequentemente palpado nos músculos do pescoço ou paravertebrais e, às vezes, nos músculos ao redor das articulações especialmente instáveis e/ou dolorosas.[21]

Síndrome da dor crônica

  • Ela pode se desenvolver como consequência de trauma e é caracterizada por dor crônica grave progressiva (é comum sentir dor no corpo todo não aliviada por analgésicos), frequentemente com pontos de sensibilidade parecidos com fibromialgia na palpação, acompanhada por fadiga intensa, disfunção autonômica e morbidade psicossocial (ansiedade, depressão, fobias). Um elemento fundamental é a cinesiofobia, evitando o movimento como meio de evitar a dor. O resultado é um declínio progressivo na saúde e na qualidade de vida.

  • Observada em um quarto dos pacientes das clínicas de hipermobilidade.[22]

Hábito marfanoide

  • Pode estar presente em associação à síndrome de Ehlers-Danlos (geralmente incompleto). É um achado comum na síndrome de Ehlers-Danlos hipermóvel e cifoescoliótica, mas não é necessário para o diagnóstico de síndrome de Ehlers-Danlos. As características incluem:[23]

    • Palato de arco alto

    • Aracnodactilia

      • Sinal do punho (Walker): positivo se for possível envolver o polegar e o quinto dedo de uma mão no punho oposto, de modo que os leitos ungueais dos dedos se sobreponham.

      • Sinal de polegar (Steinberg): positivo se o polegar aduzido na palma se projetar além da borda ulnar na mão fechada.

    • Pectus excavatum ou carinatum

    • Escoliose: um sinal de síndrome de Ehlers-Danlos cifoescoliótica; pode estar presente em outras variantes da síndrome de Ehlers-Danlos, embora em grau mais leve.

    • Proporção da amplitude do braço em relação à altura >1.05

    • Estatura alta associada a uma relação entre segmento superior e segmento inferior (SS/SI) reduzida e <0.85

    • Proporção do comprimento do pé (calcanhar até o primeiro pododáctilo) em relação à altura >0.15

    • Proporção do comprimento da mão (prega do punho até o terceiro dedo) em relação à altura >0.11.

Fraqueza das estruturas de apoio

  • É provocada pelos tecidos conjuntivos frágeis, frouxos e menos eficazes, manifestando-se como:

    • Sinais oculares: pálpebras caídas ou inclinação antimongoloide, esclera azul, miopia

    • Hipotonia muscular: à palpação, os músculos podem ter uma consistência semelhante à massa de pão

    • Prolapso da valva mitral: presença de clique no meio da sístole ou sopro sistólico na ausculta cardíaca

    • Veias varicosas

    • Hérnia da parede abdominal, inguinal ou paraumbilical

    • Prolapso retal ou uterino.

  • Lesão significativa: como os tecidos são mais frágeis que o normal, há um risco especial de lesão traumática ou por uso excessivo. Portanto, as lesões que seriam insuficientes na população em geral para danificar o ligamento, o tendão, o músculo, o osso ou a pele poderiam resultar em danos significativos.

Manifestações cutâneas

O exame da pele é o método mais confiável de diagnóstico de síndrome de Ehlers-Danlos.

A textura da pele geralmente é macia e sedosa ao toque (geralmente o único achado cutâneo associado à síndrome de Ehlers-Danlos do tipo hipermóvel). A derme é frequentemente semitransparente.

As equimoses são comuns; o paciente frequentemente nota o hematoma, mas não se lembra da lesão desencadeadora. Ao pegar uma dobra dupla de pele no dorso da mão, ela parece fina. Além disso, quando a dobra dupla de pele é levantada do dorso da mão, ela demonstra mais elasticidade que a pele de pessoas normais que não têm síndrome de Ehlers-Danlos.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Aumento da elasticidade da pele, demonstrada; achado comum na síndrome de Ehlers-DanlosDo acervo do Dr. Rodney Grahame; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7e5979ecO comprometimento da pele é fundamental para estabelecer o diagnóstico da síndrome de Ehlers-Danlos clássica. A fragilidade da pele com cicatrizes atróficas e feridas com cicatrização inadequada são as principais características da síndrome de Ehlers-Danlos clássica e constituem os principais critérios de diagnóstico.[24]

Caracteristicamente, as marcas de distensão (estrias atróficas) aparecem durante a idade de crescimento máximo na adolescência (entre 11 e 13 anos) nas coxas, lombo, mamas e ocasionalmente nos ombros e nos joelhos.

Cicatrizes (de cirurgias prévias, lacerações, abrasões, varicela ou imunização por bacilo de Calmette e Guérin [BCG]) são normalmente atróficas; têm menos colágeno, têm profundidade geralmente superficial e amplitude grande, e enrugam ao serem apertadas com o dedo indicador e o polegar do examinador.

Os pacientes também podem apresentar cicatrização tardia ou incompleta, geralmente envolvendo a deposição de tecido cicatricial ou colágeno. Além disso, a deiscência da ferida operatória pode ocorrer devido à fragilidade de tecidos moles.

Anormalidades autonômicas

Cardiovascular

  • Evidências sugerem associação entre disfunção autonômica e a SEDh.[25] As anormalidades incluem:

    • Hipotensão ortostática (HO): queda da pressão arterial >20/10 mmHg em 3 minutos em posição ortostática

    • Intolerância ortostática: desenvolvimento de sintomas em 10 minutos em postura ereta, que se intensificam ao deitar; frequentemente associada à acrocianose (cor escura) e pernas edemaciadas (por causa do acúmulo de sangue) que remite na posição deitada

    • Síndrome da taquicardia ortostática postural: aumento de >30 bpm de pulso na posição ortostática ou de >120 bpm em até 10 minutos no teste de inclinação ortostática com a cabeça para cima, ambos na ausência de hipotensão ortostática que pode desencadear uma resposta taquicárdica normal.[26][27]

    • Hipotensão neuromediada (HNM): também conhecida como síncope vasovagal ou síncope neurocardiogênica; pode ser desencadeada por estresse ortostático, estresse emocional, micção, tosse, deglutição e exercício físico. O teste de inclinação ortostática com a cabeça para cima pode confirmar o diagnóstico.

Gastrointestinal

  • Os pacientes podem apresentar sinais e sintomas que sugerem distúrbios gastrointestinais, como:

    • gastrite/DRGE (pirose e regurgitação ácida)

    • gastroparesia (náuseas, vômitos, dor epigástrica, distensão abdominal crônicos e saciedade precoce)

    • síndrome do intestino irritável (dor ou desconforto abdominal recorrentes relacionados a uma alteração na frequência ou na consistência das fezes; a dor ou o desconforto pode ser aliviado com a defecação)

    • distúrbio evacuatório retal (caracterizado pela dificuldade de defecação, com ou sem necessidade de evacuação manual e laxantes).

  • Embora os sintomas gastrointestinais possam ocorrer em todos os subtipos da síndrome de Ehlers-Danlos, perfurações e complicações hemorrágicas do trato gastrointestinal são mais comuns na SEDv, enquanto as características de distúrbios gastrointestinais funcionais são mais prevalentes em pacientes com SEDh.[28][29]

Manifestações ginecológicas

A maioria das mulheres com síndrome de Ehlers-Danlos do tipo hipermóvel tem sintomas ginecológicos significativos. As queixas mais comuns incluem sangramento anormal, dismenorreia e dispareunia. Algumas também relatam diagnóstico de endometriose, mas não está claro se há aumento da prevalência da endometriose nessa população, dada a ausência de estudos sistemáticos.

Acredita-se que a taxa de concepção seja normal, mas pode haver uma taxa maior de abortos espontâneos. De modo geral, não parece haver nenhuma evidência de aumento da prevalência de desfechos obstétricos desfavoráveis em comparação com aqueles da população em geral, e partos cesáreos não são indicados simplesmente em decorrência do diagnóstico de síndrome de Ehlers-Danlos do tipo hipermóvel.

Há cada vez mais evidências de que os hormônios podem atuar na modificação da gravidade dos sintomas, já que muitas mulheres apresentam agravamento dos sintomas um pouco antes da menstruação.[30]

Investigações

O diagnóstico em geral se baseia no quadro clínico; portanto, as investigações são principalmente de suporte. Está disponível o teste genético para os subtipos, exceto o SEDh, que pode confirmar o diagnóstico.[5]

Teste molecular

Deve ser realizado usando testes baseados em painéis ou sequenciamento completo do exoma/genoma.

Se os testes de sequenciamento forem negativos, deve-se fazer a análise de variantes no número de cópias por meio de amplificação de múltiplas sondas dependentes de ligação (MLPA), reação em cadeia da polimerase quantitativa (qPCR) ou análise direcionada de matriz.

Os testes moleculares ajudam a confirmar o diagnóstico, particularmente tendo em conta a heterogeneidade dos diferentes subtipos de síndrome de Ehlers-Danlos, e fornecem informações sobre os padrões de herança, risco de recidiva e prognóstico, o que ajuda a orientar o tratamento do paciente.

Exames de imagem e outras investigações

A radiografia simples da coluna é geralmente necessária em pacientes com dor na coluna ou escoliose observada no exame físico.

O ecocardiograma ajuda a descartar o prolapso da valva mitral e a dilatação da raiz aórtica (encontrados em pacientes com os tipos de síndrome de Ehlers-Danlos clássica e hipermóvel), devendo ser realizado periodicamente, especialmente na infância e na adolescência.[31]

Os testes para disfunção autonômica gastrointestinal e condições gastrointestinais associadas podem ser considerados; eles incluem enema de bário, colonoscopia, colonografia por tomografia computadorizada (TC) e/ou proctografia evacuatória.

Outras investigações podem ser justificadas com base nos sintomas manifestos, como hemograma completo e exames de coagulação se houver história de hematomas frequentes. O teste da mesa inclinável pode ser adequado para pacientes com suspeita de disfunção autonômica cardiovascular.

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