Abordagem

Em pacientes imunocompetentes, a infecção por citomegalovírus (CMV) normalmente é autolimitada, e o tratamento antiviral não é indicado.

A manifestação clínica da infecção por citomegalovírus (CMV) em pacientes de transplante depende do estado imunológico geral do hospedeiro. Portanto, em casos de doença grave, a redução da intensidade da imunossupressão deve ser considerada, se viável. Para pacientes com síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS), deve-se considerar o início da terapia antirretroviral (TAR) para o tratamento da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) subjacente. No entanto, há um risco de uveíte por CMV com reconstituição imune em pacientes que tiverem iniciado a ART.

Indivíduos imunocompetentes

A infecção e a doença por CMV remitem sem tratamento antiviral em pacientes com um sistema imunológico competente. A geração de imunidade específica para CMV durante a evolução da doença é suficiente para a remissão da doença clínica.

Receptores de transplante com doença por CMV

O objetivo da terapia para infecção por CMV é o controle rápido da replicação viral e da doença clínica com o uso de valganciclovir por via oral ou ganciclovir intravenoso.[1]​​[51] O valganciclovir oral é preferencial devido ao risco reduzido de complicações relacionadas à administração intravenosa e à internação hospitalar.[51]​ Ele demonstrou não ser inferior ao ganciclovir intravenoso no tratamento da doença por CMV em receptores de transplante de rim, fígado e coração.[52] No entanto, o ganciclovir intravenoso pode ser preferível em caso de doença por CMV grave que represente risco de vida (isto é, pneumonite, doença que requeira internação em unidade de terapia intensiva, doença gastrointestinal grave com diarreia profusa ou quando a exposição ideal ao medicamento for essencial ou puder representar uma preocupação).[51] Neste contexto, o valganciclovir deve ser usado como uma abordagem de transição gradual após a terapia inicial com ganciclovir intravenoso, uma vez que a melhora clínica for alcançada. Por causa da nefrotoxicidade associada, o foscarnete é uma opção de segunda linha para o tratamento da doença por CMV e deve ser reservado aos pacientes intolerantes ao valganciclovir ou ao ganciclovir durante a fase de indução.[1][51]​​

Atualmente, o uso rotineiro de imunoglobulinas (hiperimunoglobulinas para CMV ou não selecionadas) não é recomendado como tratamento adjuvante.[51] Em caso de doença por CMV grave, sobretudo em pacientes submetidos a transplante de células-tronco hematopoiéticas e transplante de pulmão com pneumonite por CMV, o uso adjuvante de imunoglobulinas pode ser considerado, embora não haja evidências de um benefício claro.[1]​ Não há diretrizes para definir a gravidade da doença; a decisão fica a cargo do médico assistente.

Pacientes com AIDS e doença por CMV, como retinite

Além da terapia anti-CMV, os pacientes também devem iniciar imediatamente a TAR para controlar a infecção por HIV e promover a reconstituição imunológica. Em alguns pacientes com um sistema imunológico em recuperação, pode ocorrer uma síndrome de reconstituição imune, caracterizada pelo agravamento da inflamação em razão da retinite por CMV.[53]

Retinite

Em pacientes com AIDS, a cegueira causada pela coriorretinite por CMV muitas vezes é irreversível, e o tratamento tem como objetivo interromper a progressão da doença. Os compostos de ganciclovir são os medicamentos de primeira escolha para a doença ou infecção por CMV. O tratamento deve ser individualizado e preferencialmente envolver um oftalmologista com experiência no tratamento da retinite por CMV.[2]

Para pacientes com retinite por CMV com risco imediato à visão, a terapia inicial preferencial consiste no ganciclovir intravenoso ou no valganciclovir oral com ou sem ganciclovir ou foscarnete intravítreos.[2] Terapias alternativas incluem o ganciclovir ou o foscarnete intravítreo combinado com o foscarnete ou o cidofovir intravenoso (com probenecida e terapia de hidratação com soro fisiológico antes e depois da terapia com cidofovir).[2] É importante que a terapia sistêmica seja administrada quando é dado ganciclovir intravítreo para prevenir a progressão para retinite contralateral e outras doenças por CMV extraoculares. Embora sejam eficazes, o cidofovir e o foscarnete são escolhas de menor preferência devido às toxicidades associadas.[2]​ Para pequenas lesões periféricas que não ameaçam a visão, o valganciclovir oral isolado pode ser adequado.[2]

A terapêutica inicial (com duração mínima de 14-21 dias, com duração determinada pela resposta clínica baseada na fundoscopia) deve ser seguida por terapia crônica de manutenção.[2] Os esquemas para supressão crônica incluem valganciclovir oral, ganciclovir IV, foscarnete IV e cidofovir IV com probenecida.[2][32]

A terapia de manutenção pode ser descontinuada com segurança nos pacientes com doença inativa e contagem de CD4+ contínua (>100 células/microlitro ≥três a seis meses); recomenda-se uma consulta com um oftalmologista. Exames oculares regulares devem ser realizados a cada três meses nos pacientes que tiverem descontinuado a terapia de manutenção, para garantir a detecção precoce de uma recidiva ou de uma uveíte por recuperação imune.[2]

A recidiva precoce é causada com maior frequência pela limitada penetração intraocular da administração sistêmica dos medicamentos.[54]​ Se os pacientes apresentarem recidiva enquanto estiverem na terapia de manutenção, será recomendada a reintrodução do mesmo medicamento seguido por reinício da terapia de manutenção. A alteração para um medicamento alternativo no momento da primeira recidiva deverá ser considerada se houver suspeita de resistência medicamentosa ou se efeitos colaterais ou toxicidades interferirem nos ciclos ideais do agente inicial.

Doença gastrointestinal

No caso de doença gastrointestinal, recomenda-se o ganciclovir intravenoso por 3-6 semanas (ou até que os sinais e sintomas tenham remitido); o foscarnete intravenoso é uma alternativa. O valganciclovir oral é a opção de primeira linha quando os sintomas não forem suficientemente graves para interferir na absorção oral. A terapia de manutenção geralmente não é necessária para a esofagite ou colite por CMV, mas deve ser considerada após recidivas.[2][32]

Pneumonite

O ganciclovir ou o foscarnete por via intravenosa são utilizados, embora haja dados limitados disponíveis em relação aos desfechos do impacto da terapia, e o tempo ideal de tratamento ainda não foi estabelecido.[2]

Doença neurológica

O ganciclovir e o foscarnete intravenosos são usados em combinação para estabilizar a doença neurológica e maximizar a resposta. A duração ideal da terapia não foi estabelecida.[2] A terapia de manutenção deve ser mantida por toda a vida, a menos que haja evidências de recuperação imune.[32]

CMV refratário/resistente

Deve-se suspeitar de CMV refratário ou resistente na presença de viremia por CMV recorrente ou persistente e exposição prolongada a antivirais, e ele deve ser testado com uma análise de resistência genotípica.[51]

O maribavir é a opção de primeira linha para infecção por CMV pós-transplante que não apresentar resposta ao tratamento antiviral disponível (com ou sem resistência genotípica). Maribavir é um antiviral ribosídeo de benzimidazol que inibe a quinase pUL97 do CMV. Nos EUA, o maribavir está aprovado para o tratamento de adultos e crianças (a partir de 12 anos e pesando pelo menos 35 kg). Entretanto, na Europa está aprovado atualmente apenas para adultos.

No estudo de fase 3 SOLSTICE, o maribavir demonstrou uma eliminação viral superior em comparação com a terapia designada pelo investigador (valganciclovir/ganciclovir, foscarnete, cidofovir ou foscarnete associado a valganciclovir/ganciclovir) em receptores de transplantes com infecção por CMV refratária/resistente (55.7% alcançando a eliminação do vírus CMV a 8 semanas em comparação com 23.9%).[55]

No ensaio clínico AURORA, maribavir e valganciclovir foram avaliados para o tratamento de infecções por CMV assintomáticas iniciais em pacientes após o transplante de células hematopoéticas. Embora maribavir não tenha alcançado a não inferioridade desejada para depurar a viremia do CMV até a 8a semana, ele manteve, com eficácia, a supressão do CMV sem progressão da doença até a 16a semana, se maneira similar a valganciclovir. Maribavir demonstrou melhor perfil de segurança com casos reduzidos de neutropenia e menos descontinuações do tratamento em decorrência de eventos adversos, o que ressalta sua utilidade como opção preferível para tratamento do CMV no período inicial pós-transplante.[56]

Há preocupação em relação à aquisição de resistência a maribavir em casos de infecção por CMV refratário/resistente que se manifesta com alta carga viral ou em caso de doença grave. Nesses casos, a opinião de especialistas sugere iniciar a terapia com foscarnete, com a redução para maribavir após a melhora clínica e a redução da carga viral. Não foi estabelecido um limiar claro de carga viral para preferir o uso de foscarnete.[57]

O CMV com mutação em UL97 confere resistência ao ganciclovir, e, para esses pacientes, o tratamento antiviral normalmente envolve o uso de maribavir, foscarnete e, menos comumente, cidofovir. Ocasionalmente, doses mais altas que a normal de ganciclovir também podem ser uma opção. Embora maribavir seja direcionado a UL97, a resistência cruzada com ganciclovir é incomum. O CMV com mutação em UL54, que apresenta mutação na polimerase de DNA do CMV, pode conferir resistência cruzada entre ganciclovir, foscarnete e cidofovir (dependendo do local exato da mutação), o que gera opções de tratamento mais limitadas para esses pacientes.

Atualmente, o letermovir, um agente antiviral oral direcionado ao complexo da terminase do DNA de CMV, está aprovado para a prevenção da infecção por CMV em receptores de transplante de células-tronco hematopoiético e receptores de transplante de rim, mas não para o tratamento da doença por CMV estabelecida devido à sua baixa barreira genética.

A redução na imunossupressão deve acompanhar a terapia antiviral, para permitir a reconstituição imune e o subsequente controle imunológico do vírus pelo sistema imunológico.

CMV congênito

Os neonatos com doença congênita sintomática e moderada por CMV são comumente tratados com valganciclovir oral, iniciado no primeiro mês de vida e continuado por seis meses.[32][58][59]​​​​ O ganciclovir intravenoso é uma opção alternativa para a infecção congênita grave e sintomática, embora seja raramente usado.[32][60][61]​​​​​ O valganciclovir e o ganciclovir mostraram prevenir a progressão da perda auditiva em pacientes com infecção congênita sintomática por CMV.[30][59][60][61]​​​ Um ensaio clínico não demonstrou melhora em curto prazo, tendo demonstrado melhora significativa, embora modesta, no neurodesenvolvimento e na audição em longo prazo com o esquema de valganciclovir por seis meses, comparado a placebo.[59] A neutropenia é um evento adverso frequente associado ao ganciclovir.[60][61]

Até o momento, não há evidências suficientes para recomendar o tratamento de neonatos com CMV congênito leve ou assintomático. Também estão ausentes evidências de ensaios randomizados que informem o início da terapia antiviral para além do primeiro mês de vida.[58]​ Há vários estudos em andamento com o objetivo de estabelecer se há algum benefício em tratar neonatos com perda neurossensorial isolada, ou em tratar neonatos após o primeiro mês de vida.[58]

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal