Abordagem

O quadro clínico da infecção por citomegalovírus (CMV) depende do estado imunológico do paciente. Indivíduos imunocompetentes muitas vezes não apresentam sintomas clínicos. Contudo, indivíduos imunocomprometidos apresentam febre, supressão da medula óssea e doenças em órgãos-alvo. Hemograma completo, creatinina sérica e testes da função hepática (TFHs) são recomendados para todos os pacientes que apresentam características clínicas do CMV. Deve-se realizar o teste diagnóstico para confirmação de CMV em cada caso suspeito, e o método de testagem depende do estado imunológico.

Avaliação laboratorial do CMV

Em pacientes imunocompetentes, a infecção primária por CMV é diagnosticada por sorologia, para detectar imunoglobulina M (IgM) específica para citomegalovírus (CMV). A baixa avidez dos anticorpos contra CMV pode confirmar o diagnóstico de infecção recente por CMV. A sorologia em um contexto de transplante é útil para estabelecer o risco de doença por CMV, mas não para o diagnóstico de infecção aguda por CMV.

Em hospedeiros imunocomprometidos, o diagnóstico da doença por CMV é confirmado pela demonstração ou detecção do vírus em amostras de sangue ou de tecidos.[33] Cultura viral sanguínea, secreções respiratórias, fluido vítreo, líquido cefalorraquidiano e amostras de tecido podem ser usadas para demonstrar a presença de infecção por CMV. A cultura convencional em tubo leva várias semanas para possibilitar a demonstração de efeitos citopáticos; assim, ela não é útil para a assistência clínica em tempo real. O método shell vial (outro tipo de técnica de cultura viral) produz resultados em 48 horas, mas a cultura viral geralmente tem pouca sensibilidade, e foi substituída por ensaios moleculares na maioria dos casos.

Atualmente o método molecular mais rápido e sensível de detectar CMV nessas amostras é o uso de um teste de ácido nucleico (NAT) quantitativo que detecte e quantifique o ácido nucleico viral. Muitos médicos consideram esse o método de escolha para o diagnóstico. O ensaio é rápido e sua propriedade quantitativa possibilita o prognóstico da doença, e serve como um guia durante o tratamento. No entanto, os resultados de vários ensaios com NAT não foram diretamente comparados. A OMS desenvolveu um padrão para quantificação do CMV, e as cargas virais agora podem ser relatadas em unidades internacionais, permitindo uma maior padronização, apesar de alguns dados sugerirem que ainda possa existir variabilidade significativa continuada entre diferentes laboratórios.[34][35]

Em alguns centros, a detecção do antígeno pp65 (ensaio de antigenemia) em leucócitos de sangue periférico é um método rápido de diagnóstico.[36]​ A necessidade de leucócitos nesse ensaio limita a sua utilidade em pessoas com leucopenia, como receptores de transplante de células-tronco hematopoéticas e de agentes quimioterápicos citotóxicos.[36]​ Além disso, ele é semiquantitativo e de difícil padronização entre os centros.[36]​ Atualmente, os ensaios com antigenemia raramente são usados para o diagnóstico de infecção por CMV.

Quadro clínico e investigação em pessoas com função imune normal

Características presentes:

  • Nas pessoas saudáveis, a infecção por CMV geralmente é assintomática.

  • Caso seja sintomática, as manifestações clínicas da infecção por CMV podem ser semelhantes à síndrome da mononucleose infecciosa (febre, mal-estar, faringite).

  • Pode haver presença de exantema maculopapular após a administração de antibióticos.

  • O exame físico, muitas vezes, não apresenta nada digno de nota exceto pela presença de linfadenopatia. Ocasionalmente, há presença de esplenomegalia.

Hemograma completo:

  • Linfocitose atípica, que pode ser o marcador laboratorial de infecções virais como CMV, em um paciente imunocompetente.

Testes da função hepática:

  • Aminotransferases ou fosfatase alcalina podem estar elevadas.

Detecção de CMV:

  • Todos os pacientes com suspeita de infecção por CMV devem ser testados para confirmar a presença do vírus. Embora o ensaio com NAT proporcione diagnóstico rápido, a sorologia para CMV (imunoglobulina M [IgM] para CMV) é o exame mais acessível no contexto comunitário e geralmente suficiente para o diagnóstico em indivíduos imunocompetentes

Quadro clínico e investigação em pacientes com transplante de órgão sólido e células-tronco hematopoéticas

Características presentes:

  • Febre em pacientes com transplante de órgão sólido e células-tronco hematopoéticas deve ser avaliada como uma possível manifestação de doença por CMV. Isso é especialmente relevante em receptores de transplante de órgão sólido com certos fatores de risco, como ser soronegativo para CMV com um doador soropositivo (CMV D+/R-), rejeição aguda, recebimento de medicamentos imunossupressores intensos ou sepse.[27] Também é relevante no caso de receptores de transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas soropositivos para CMV e de alto risco em razão de depleção intensa de células T, ou no caso de pacientes com doença do enxerto contra o hospedeiro.[21] Muitos pacientes podem também apresentar mal-estar significativo na ausência de febre.

  • O CMV pode afetar o trato gastrointestinal; podem ocorrer vômitos (gastrite) e diarreia (colite). A pneumonite pode se manifestar com tosse e dispneia. Raramente, ocorrem miocardite, hepatite, pancreatite, nefrite e encefalite. Em contraste com os pacientes com AIDS, a retinite por CMV não é observada com frequência em receptores de transplante.[37]

  • Praticamente qualquer sistema de órgãos pode ser afetado pelo CMV.

Hemograma completo:

  • Muitas vezes exibe anemia, leucopenia ou trombocitopenia.

Teste da função hepática:

  • A hepatite por CMV pode se manifestar com níveis séricos elevados de alanina aminotransferase e aspartato aminotransferase. Níveis elevados de fosfatase alcalina muitas vezes indicam um comprometimento concomitante do sistema hepatobiliar.[33]

Detecção de CMV:

  • O teste de ácido nucleico (NAT) é preferível à antigenemia pp65 e à cultural viral devido a sua maior sensibilidade e resultados mais rápidos. A sorologia para CMV não costuma ser solicitada para diagnosticar a doença aguda por CMV em pacientes transplantados.[36]​ As amostras para NAT devem ser obtidas do suposto local da doença.

Radiografia torácica:

  • Deve ser realizada em pacientes gravemente imunocomprometidos com sintomas pulmonares indicativos de doença por CMV. Na pneumonite por CMV, infiltrados intersticiais podem ser observados, embora possam ocorrer nódulos ocasionalmente.[38]​ Se o diagnóstico do comprometimento pulmonar exigir outras avaliações radiológicas, deve ser realizada uma tomografia computadorizada (TC) do pulmão.[39][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tomografia computadorizada (TC) de tórax de um receptor de transplante de pulmão com alterações difusas intersticiais e parenquimais como resultado de pneumonite primária por citomegalovírus (CMV)Do acervo de Dr. Raymund Razonable; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@38c8ef3b

Endoscopia e colonoscopia:

  • Podem ser indicadas em pacientes com sinais de comprometimento gastrointestinal e podem demonstrar hiperemia e ulcerações da mucosa típicas da doença por CMV.[40]​ Na prática clínica, contudo, o diagnóstico presuntivo da doença gastrointestinal é geralmente feito com base na detecção da viremia, acompanhada por sinais e sintomas adequados. No entanto, nem todos os pacientes com gastrite ou colite por CMV desenvolvem viremia.[41]

Biópsia:

  • Os pacientes com afecção clínica sugestiva de doença por CMV com invasão tecidual podem ser submetidos à biópsia tecidual (fígado, mucosa intestinal, pulmão) para a detecção de corpos de inclusão do CMV.[36][42]​​​​ Muitas vezes, os sintomas podem mimetizar rejeição aguda de alotransplante, e a biópsia ajuda a diferenciar essas entidades clínicas.

Quadro clínico e investigação em pacientes com AIDS

Características presentes:

  • Em pacientes com AIDS, a manifestação clínica mais comum da doença por CMV é a retinite.[2] A colite é a segunda manifestação mais comum.

  • O comprometimento de outros sistemas de órgãos pode ser manifestado por cefaleia (encefalite), fraqueza, tosse e dispneia (pneumonite), vômitos (gastrite), diarreia e outros sintomas gastrointestinais (colite).​[2]​​ Praticamente qualquer sistema de orgânico pode ser afetado pelo CMV.[43]

  • Fundoscopia: moscas volantes visuais são a queixa mais comum que ocasiona a avaliação clínica, e nos casos graves ocorre cegueira meses após o diagnóstico. O exame fundoscópico é importante para avaliar a retina nos pacientes assintomáticos e sintomáticos com suspeita de retinite por CMV. Na presença de retinite por CMV, a fundoscopia irá revelar áreas de infarto, hemorragia, revestimento perivascular e opacificação da retina.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Fundoscopia (olho esquerdo) mostrando área de retinite por citomegalovírus (CMV) envolvendo inferonasalmente as arcadas vasculares e o disco óptico, associada a vasculite e hemorragias em "chama de vela"Adaptado dos BMJ Case Reports 2009, copyright © 2009 pelo BMJ Publishing Group Ltd [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@36e0bc38

Hemograma completo:

  • Pode exibir anemia, leucopenia ou trombocitopenia.

Detecção de CMV:

  • O NAT e a detecção do antígeno pp65, assim como a cultura viral, podem ser usados para detectar o CMV em amostras de sangue, fluido afetado ou amostras de tecidos.

Contagem de CD4:

  • Clinicamente, o paciente apresenta grave imunossupressão, como indicado pela contagem de células T CD4 de <50 células/microlitro.[2]

Radiografia torácica:

  • Deve ser realizada em qualquer paciente imunocomprometido com sintomas pulmonares indicativos de doença por CMV. Pode demonstrar infiltrados intersticiais na presença de pneumonite por CMV.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Radiografia torácica mostrando infiltrados pulmonares em um paciente imunocomprometido com pneumonite grave por citomegalovírus (CMV)Do acervo de Dr. Raymund Razonable; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7f30e870

Biópsia:

  • Em pacientes com doença clínica sugestiva de doença tecidual invasiva por CMV, recomenda-se a biópsia de amostras teciduais (fígado, mucosa intestinal, pulmão).[2] A retinite por CMV manifesta-se com achados fundoscópicos clássicos, não sendo necessário realizar a a biópsia. Contudo, em casos atípicos, o teste de ácido nucleico (NAT) para CMV do fluido vítreo confirmará o diagnóstico.

Quadro clínico e investigação em lactentes com infecção congênita por CMV

Diagnóstico pré-natal:

  • Deve-se suspeitar de infecção congênita por CMV caso haja soroconversão materna sintomática ou assintomática durante a gestação, ou caso sejam detectadas anormalidades fetais que sugerem infecção por CMV na ultrassonografia pré-natal.[10]

  • O diagnóstico de infecção materna primária por CMV na gestação geralmente é baseado em uma CMV-IgG positiva em gestantes anteriormente soronegativas, ou na detecção de anticorpos IgM específicos associados com baixa avidez de IgG.​[30]​ Na ausência de rastreamento materno universal, testes sorológicos para CMV são indicados para as mulheres com enfermidades do tipo gripe (influenza-símiles) durante a gestação, após a detecção de achados ultrassonográficos indicativos de infecção congênita por CMV, ou caso sejam solicitados por uma mãe assintomática. Foram relatados desfechos clínicos similares em neonatos nascidos de mães com infecção primária versus aqueles nascidos de mães com infecções não primárias.[44] Assim, pode-se oferecer a mães soronegativas que apresentam maior risco de exposição ao CMV (por exemplo, profissionais da área da saúde ou de cuidados infantis, mães com crianças que vão para a creche) o monitoramento sorológico durante a gestação.[29]

  • As características ultrassonográficas pré-natais indicativas de infecção congênita por CMV incluem: restrição do crescimento fetal intrauterino, aumento dos ventrículos cerebrais, calcificação intracraniana, microcefalia e aumento ou diminuição do volume de líquido amniótico. Também podem ser observados aumento do fígado, baço ou coração e hiperecogenicidade do intestino.[10]​ Exames ultrassonográficos seriados devem ser realizados a cada 2-4 semanas após um diagnóstico de infecção congênita por CMV para detectar anormalidades na ultrassonografia; eles podem ajudar a determinar o prognóstico fetal, embora a ausência de achados na ultrassonografia não garanta um desfecho normal.[29]

  • A amniocentese ou a amostragem do sangue fetal permitem a testagem para CMV a partir de 21 semanas de gestação.[29]​​[30]​​ Amostras de sangue fetal e líquido amniótico são testadas para CMV utilizando-se testes de ácido nucleico (NAT). A medição de anticorpos IgM, a antigenemia do pp65 e a cultura viral não são comumente usadas.

  • Fatores importantes para se considerar no diagnóstico pré-natal são: confirmação de infecção primária por CMV na mãe, tentar estabelecer o momento no qual a mãe foi infectada e escolher um momento apropriado para se adquirirem amostras fetais. Há um aumento do risco de resultados falso-negativos se a amostragem fetal for realizada logo após o início da infecção na mãe, geralmente antes das 21 semanas de gestação.[45] As mães devem ser aconselhadas quanto aos riscos de transmissão fetal, riscos associados com procedimentos diagnósticos e riscos envolvidos na infecção fetal para tomarem uma decisão a respeito de outros exames e de como continuar com a gestação.​[10][30]​​

Características presentes no nascimento:

  • Cerca de 85% a 90% dos neonatos com infecção congênita por CMV são assintomáticos ao nascer. Os outros 15% a 20% podem apresentar microcefalia, hepatoesplenomegalia, petéquias, púrpura ou perda auditiva neurossensorial. Menos comumente, o exame clínico pode revelar hipotonia ou atraso anormal na sustentação da cabeça (head lag).[46][47] Dos 10% a 15% de neonatos com sintomas ao nascer, de 40% a 60% desenvolverão anormalidades no neurodesenvolvimento permanentes e de longo prazo, além de surdez neurossensorial.[10]

Exames no nascimento:

  • Hemograma completo: pode mostrar trombocitopenia

  • TFHs: podem estar elevados.

Diagnóstico de CMV no neonato:

  • O CMV pode ser detectado por ensaios moleculares da saliva e/ou urina coletados nas primeiras três semanas de vida. Outros diagnósticos, como cultura viral, detecção do antígeno pp65 e sorologia para CMV, não são realizados de maneira rotineira devido à maior sensibilidade dos ensaios moleculares. O CMV também pode ser detectado por ensaios moleculares do sistema nervoso central e amostras de sangue.[46]

  • Recomenda-se a testagem de rotina para infecção congênita por CMV nos primeiros 21 dias de vida para os bebês com HIV transmitido verticalmente. A testagem para CMV também é recomendada para todos os bebês expostos ao HIV no útero, uma vez que o sua sorologia para HIV será indeterminada durante as primeiras três semanas de vida, quando a infecção congênita por CMV pode ser diagnosticada. Os dados indicam que a prevalência do CMV congênito pode ser mais elevada entre os bebês expostos ao HIV em comparação com os não expostos ao HIV, e que as taxas de transmissão concomitante congênita do CMV e do HIV, bem como de infecção congênita sintomática por CMV, são elevadas entre os bebês expostos ao HIV.[32]

Ressonância nuclear magnética (RNM)/ultrassonografia cranioencefálica:

  • Todos os lactentes com suspeita de infecção congênita por CMV devem realizar uma ultrassonografia cranioencefálica, com RNM cranioencefálica, para determinar se há comprometimento neurológico basal.

  • Podem ser detectadas calcificações intracranianas, microcefalia, dilatação dos ventrículos cerebrais e anormalidades da substância branca.[46]

Rastreamento pré-natal de CMV

O rastreamento pré-natal do CMV não é realizado de maneira rotineira, mas é aconselhável se a mãe apresentar sintomas parecidos aos de mononucleose ou se houver anormalidades fetais à ultrassonografia pré-natal. Ele pode ser oferecido às mães que solicitarem o exame.[28]

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