Abordagem
As estratégias de tratamento atuais têm como foco protelar a progressão da doença por nefropatia por imunoglobulina A e a necessidade subsequente de diálise e transplante renal; no entanto, nem todos pacientes com nefropatia por imunoglobulina A precisam de tratamento para prevenção de danos renais progressivos.[50][51] Uma avaliação do risco de desenvolver doença renal progressiva deve ser realizada quando for decidido qual tratamento deve ser oferecido. Os preditores de doença renal progressiva incluem:
Parâmetros clínicos (grau de proteinúria, hipertensão e comprometimento existente da taxa de filtração glomerular [TFG])
Lesões histológicas (hipercelularidade mesangial [M1], hipercelularidade endocapilar [E1], hipercelularidade segmentar [S1], fibrose intersticial/atrofia tubular [T2]).[2] Na Classificação atualizada de Oxford, publicada em 2017, crescentes foram adicionadas às quatro lesões originais: C0 (sem crescentes), C1 (crescentes em menos de 25% dos glomérulos) e C2 (crescentes em 25% ou mais dos glomérulos), formando um novo escore MEST-C.[6]
Uma combinação de achados glomerulares ou glomerulares e tubulointersticiais terá um impacto sobre a deterioração da função renal. Apesar da presença combinada de características tubulointersticiais e glomerulares representar aumento do risco de progressão da doença renal, a taxa de declínio da função renal não pode ser quantificada diretamente apenas ao se somarem os escores individuais.[2]
Há evidências que sugerem que certas lesões histopatológicas podem ser mais responsivas a terapia imunossupressora que outras, mas esses achados não foram confirmados em estudos prospectivos. As recomendações de tratamento não devem, portanto, ser baseadas somente nas lesões histológicas.
Há duas estratégias de tratamento principais:
Cuidados de suporte (não imunossupressores) direcionados a uma meta (por exemplo, inibidores da enzima conversora de angiotensina [IECAs], antagonistas do receptor de angiotensina II, controle adicional da pressão arterial e redução do risco cardiovascular), que devem ser considerados em todos pacientes com nefropatia por imunoglobulina A, e
Terapia imunomoduladora para pacientes selecionados que continuem sob risco elevado de doença renal progressiva após a otimização dos cuidados de suporte direcionados a uma meta.
Terapia de suporte
Os pacientes com hematúria ou proteinúria isolada <0.5 g/dia, pressão arterial normal e taxa de filtração glomerular (TFG) normal não precisam de nenhum tratamento específico. A terapia de suporte deve ser oferecida a todos os outros pacientes com nefropatia por imunoglobulina A.
Os inibidores do sistema renina-angiotensina (IECAs, antagonistas do receptor de angiotensina II) reduzem a pressão intraglomerular, diminuindo a lesão glomerular. Uma vez que haja desenvolvimento de hipertensão (>140/90 mmHg) e/ou proteinúria (>0.5 g/dia), todos os pacientes devem receber um inibidor do sistema renina-angiotensina como tratamento de primeira linha, a menos que haja contraindicação (por exemplo, planejamento de gravidez).[52][53][54][55] Geralmente, os antagonistas do receptor de angiotensina II são reservados para os pacientes intolerantes aos IECAs.[56] A terapia combinada com um antagonista do receptor de angiotensina II e um IECA deve ser evitada.[49]
Como parte do planejamento da gravidez, as mulheres com NIgA devem receber orientações pré-concepção sobre a suspensão dos inibidores do sistema renina-angiotensina e a otimização do controle da pressão arterial com agentes alternativos.[40]
Aconselhe todas as pacientes sobre uma dieta com baixo teor de sal, abandono do hábito de fumar, controle do peso e exercícios.[40]
O objetivo da terapia de suporte é reduzir a excreção de proteína na urina para <1 g/dia.[40][49]
Terapia imunomoduladora
Em pacientes com proteinúria persistente >1 g/dia apesar de cuidados de suporte otimizados, a imunossupressão pode ser considerada.
As diretrizes da KDIGO sugerem um ciclo de 6 meses de corticosteroides nos pacientes com proteinúria persistente >1 g/dia, após pelo menos 3 meses de otimização do controle da pressão arterial e terapia com IECA/antagonista do receptor de angiotensina II.[40] Isso é baseado em diversos estudos pequenos que investigam o uso de corticosteroides na nefropatia por imunoglobulina A.[57][58] De maneira similar, revisões sistemáticas indicam que, provavelmente, os corticosteroides reduzem o risco de declínio da função renal, mas podem aumentar o risco de efeitos adversos.[59][60]
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É difícil tirar conclusões firmes desses estudos pois os IECAs/antagonistas de receptores de angiotensina II foram usados em apenas uma minoria de pacientes, ou foram interrompidos antes do recrutamento para os estudos. Além disso, o controle da pressão arterial foi abaixo do ideal.
Em um estudo multicêntrico, duplo-cego, randomizado e controlado, o ensaio Therapeutic Evaluation of Steroids in IgA Nephropathy Global (TESTING), os pacientes com NigA recebendo metilprednisolona por via oral, quando comparados aos sob placebo, apresentaram um aumento do risco de eventos adversos graves, principalmente devido ao excesso de infecções graves, acarretando o encerramento precoce do ensaio clínico.[61] Embora os desfechos compostos primários (doença renal em estágio terminal, morte em decorrência de insuficiência renal ou uma redução de 40% na TFGe) fossem inferiores no grupo sob metilprednisolona por via oral, não é possível tirar nenhuma conclusão sobre os benefícios renais potenciais, pois eles devem ser ponderados em relação aos eventos adversos graves observados e o encerramento precoce do estudo por razões de segurança dos pacientes.
Os corticosteroides devem ser evitados ou administrados com muita precaução em situações específicas em que os riscos de efeitos adversos podem superar os benefícios ou quando os benefícios não estiverem claros, incluindo pacientes com: TFGe <30 mL/min/1.73 m², diabetes, obesidade (IMC >30 kg/m²), infecções latentes (por exemplo, hepatite viral, tuberculose), doença secundária (por exemplo, cirrose), ulceração péptica ativa, doença psiquiátrica não controlada e osteoporose grave.[40]
Pacientes que se apresentam com síndrome nefrótica de início repentino e achados histológicos de deposição de IgA mesangial com alterações glomerulares mínimas e obliteração de podócitos disseminada devem ser tratados como se tivessem doença de lesão mínima concomitante. A maioria dos pacientes tratados com corticosteroide em altas doses, como prednisolona, apresentará remissão completa da proteinúria.
Há poucas evidências para apoiar o uso de outros agentes imunossupressores (como ciclofosfamida, azatioprina ou micofenolato) na nefropatia por imunoglobulina A, exceto nos pacientes com glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP).[60] Um ensaio clínico randomizado e controlado sugere que o micofenolato pode ser eficaz como agente poupador de corticosteroides em pacientes chineses.[40][62]
Tonsilectomia e administração de corticosteroides em pulsos é um esquema de tratamento preferido no Japão, apesar de da escassez de dados de ensaios clínicos prospectivos robustos para dar suporte a essa abordagem.[40] Não há evidências quanto ao benefício da tonsilectomia em populações brancas.[63][64][65][66]
No ensaio clínico para nefropatia por imunoglobulina A de STOP, não houve diferença na progressão da doença renal para pacientes que receberam imunossupressão, além de terapia de suporte intensiva otimizada, comparado com pacientes recebendo apenas terapia de suporte intensiva otimizada.[67] Contudo, como o primeiro ensaio clínico randomizado e controlado publicado, que incluía período hereditário de 6 meses de terapia de suporte intensiva otimizada, o estudo destaca a importância de garantir que a terapia intensiva de suporte seja otimizada em todos pacientes diagnosticados com nefropatia por imunoglobulina A antes de considerar a imunossupressão.
Ensaios clínicos randomizados e controlados têm mostrado resultados conflitantes quanto aos efeitos nefroprotetores do óleo de peixe em pacientes com nefropatia por imunoglobulina A e função renal em declínio.[49] Uma metanálise de 2012 constatou que não há dados suficientes para confirmar a eficácia dos óleos de peixe com ômega-3 no tratamento de nefropatia por imunoglobulina A.[68] Como não há evidências claras do benefício, as diretrizes da Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) não recomendam o uso de óleo de peixe. Oriente os pacientes que desejem fazer uso de óleo de peixe sobre a dosagem e a formulação, com base nos ensaios clínicos publicados.[40]
Lesão renal aguda
Pode ocorrer lesão renal aguda durante episódios de hematúria visível por causa da obstrução tubular pelos eritrócitos e necrose tubular aguda.
A recuperação é habitual com medidas de suporte simples, incluindo evitação de nefrotoxinas e manejo hídrico rigoroso, e nenhuma terapia específica é necessária. Se não houver sinais de recuperação dentro de 48 horas da apresentação, será necessário realizar uma biópsia renal.
Raramente, a NIgA pode manifestar-se como glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP), ou a GNRP pode se desenvolver de maneira subjacente a uma NIgA estabelecida. Nesses casos, a biópsia renal geralmente mostra glomerulonefrite necrosante focal e formação crescente, e deve ser tratada da mesma forma que a GNRP associada ao anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA). Normalmente, os pacientes são tratados com ciclofosfamida e corticosteroides por seis meses iniciais, seguidos por azatioprina. Considere a terapia imunossupressora combinada nos pacientes que apresentarem GNRP caracterizada por deterioração progressiva rápida da função renal (por exemplo, creatinina elevada, hematoproteinúria); embora haja poucos dados, alguns estudos mostram que isso melhora a sobrevida renal.[49][53][69][70]
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