Abordagem

A hemofilia congênita requer cuidados abrangentes:[38]

  • Tratamento e prevenção do sangramento

  • Reabilitação após hemorragias articulares e musculares

  • Prevenção e manejo em longo prazo de lesões articulares e musculares e de outras sequelas do sangramento

  • Manejo e prevenção de complicações do tratamento

  • Educação e promoção de autocuidado orientado

  • Terapia em domicílio

  • Manejo das comorbidades

  • Controle da dor

  • Cuidados dentários

  • Avaliações da qualidade de vida e apoio psicossocial

  • Aconselhamento genético e diagnóstico

  • Fisioterapia e exercícios adequados ao status da articulação para fortalecimento dos músculos, proteção articular, manutenção da amplitude de movimentos e equilíbrio.

Em caso de sangramento agudo, o tratamento deve ser instituído em tempo hábil, preferencialmente dentro de 2 horas. Os pacientes podem ter uma aura (por exemplo, parestesia e compressão dentro da articulação, precedendo o aparecimento de sinais clínicos de sangramento articular) ou reconhecer sinais precoces antes do início de um sangramento. É incomum que um paciente tenha sangramento em vários locais, exceto quando há lesão traumática. Quando o sangramento é particularmente intenso, ou quando há comprometimento de locais com risco de vida (por exemplo, cabeça, pescoço, tórax, abdome), o tratamento deve ser iniciado antes mesmo que a avaliação completa seja concluída. Os pacientes devem ter informações importantes para auxiliar nas decisões sobre o manejo em uma situação aguda.

Para avaliar e gerenciar um episódio de sangramento agudo, investigue:

  • Gravidade e tipo de doença

  • Estado de inibidores

  • Local anatômico do sangramento

  • História de sangramento prévio e tipos de produtos usados anteriormente

  • Informações de contato do médico/clínica responsável.

Nos pacientes com hemofilia B, o desenvolvimento de inibidores é frequentemente caracterizado por anafilaxia a produtos do fator IX.[65][66] Assim, para os primeiros 10 a 20 dias de exposição ao fator IX em pacientes com hemofilia B, o fator IX deve ser administrado em um ambiente equipado para o manejo da anafilaxia (a menos que se saiba que o paciente tenha mutações consideradas de baixo risco para o desenvolvimento de inibidores). Os pacientes que desenvolvem anafilaxia apresentam um aumento do risco de evoluir para síndrome nefrótica sob exposição ao fator IX e devem ser monitorados com atenção.[36][38]

Manejo de episódios de sangramento agudo em pessoas sem inibidores de fator

As opções de tratamento para a maioria dos pacientes com hemofilia congênita consistem na reposição de fator VIII ou IX (para hemofilia A e hemofilia B, respectivamente) por infusão de concentrado de fator VIII ou IX. Tratamentos adicionais incluem:

  • Agentes antifibrinolíticos (por exemplo, ácido tranexâmico, ácido aminocaproico)

  • Analgésicos

  • Desmopressina: pacientes com hemofilia A leve (com uma resposta positiva demonstrada à desmopressina) podem se beneficiar.

Nos pacientes com hemofilia A em recebimento de profilaxia com emicizumabe, a infusão do fator VIII na dosagem esperada para atingir a hemostasia deve ser usada para os sangramentos espontâneos.[38][61]

Agentes hemostáticos tópicos, como selante de fibrina e trombina, são usados principalmente em cirurgias. A trombina humana recombinante é a opção de escolha para promover a hemostasia por via tópica nesse cenário. O selante de fibrina, que é preparado misturando-se 2 frações de proteínas derivadas de plasma (concentrado rico em fibrinogênio e concentrado de trombina), era usado na hemofilia para o controle de sangramentos locais.

A infusão de concentrados de fator de coagulação VIII ou IX em domicílio (para hemofilia A e hemofilia B, respectivamente), administrada por profissionais de enfermagem residencial, pais treinados ou pelo próprio paciente, pode ser providenciada para o tratamento de episódios de sangramento não complicados ou para prevenção (profilaxia).[38] Em geral, episódios de sangramento sem complicações podem ser manejados de forma ambulatorial com monitoramento, acompanhamento e fisioterapia adequados. Qualquer outro tipo de sangramento precisa ser avaliado em ambiente hospitalar.

Manejo de episódios de sangramento agudo em pessoas com inibidores de fator

Cerca de 30% dos pacientes com hemofilia A desenvolvem inibidores contra o fator VIII infundido, enquanto a incidência cumulativa de hemofilia B é até 5%.[38] Fatores genéticos e ambientais são associados ao desenvolvimento de anticorpos inibitórios.[19][39][47] Os fatores de risco para o desenvolvimento de inibidores incluem:

  • Gravidade da doença: mais comum na hemofilia grave (mas também pode ocorrer em pacientes com hemofilia leve ou moderada)

  • Fatores ambientais: duração do tratamento (o desenvolvimento de inibidores é mais provável durante o tratamento inicial com concentrado de fator), intensidade do tratamento, infecção, idade, tipo de produto, etnia (por exemplo, maior incidência em pacientes negros africanos e afro-caribenhos)[47][48]

  • Mutações genéticas: em particular, as que resultam na ausência de um produto gênico (por exemplo, grandes deleções, mutações nonsense); genes da resposta imune também foram associados ao desenvolvimento de inibidores. As pessoas com uma história familiar de desenvolvimento de inibidores contra o fator VIII infundido e pessoas negras africanas e com ascendência afrocaribenha ou hispânica apresentam maior probabilidade de desenvolverem inibidores.[47][48]

A presença de anticorpos inibitórios é detectada por um teste de rastreamento, que pode ser positivo ou negativo. Se positivo, a repetição do teste classifica o paciente como portador de inibidores de baixa resposta ou de alta resposta, com base na quantidade presente do inibidor:

  • Inibidores de baixa resposta: persistentemente <5 unidades Bethesda/mL (UB/mL), apesar da repetição do teste de desafio com concentrado de fator VIII ou IX

  • Inibidores de alta resposta: ≥5 UB/mL a qualquer momento.

Os títulos de inibidor em pacientes com inibidores de alta resposta às vezes podem cair para <5 UB/mL, particularmente na ausência de exposição recente ao fator VIII ou fator IX exógeno ou quando os pacientes estão sendo submetidos à terapia de indução de imunotolerância (ITI). No entanto, se um paciente tiver apresentado altos títulos de inibidor anteriormente e tiver ocorrido sangramento agudo, ele deve ser tratado como um paciente com inibidores de alta resposta usando agentes de bypass.[38][63]

O tratamento de pacientes com inibidores é complexo e deve ser manejado em centros de hemofilia especializados. O tratamento depende do título máximo de inibidor, atual e histórico, e do local anatômico do sangramento. O tratamento inclui:

  • Fator de reposição específico em uma dose muito maior que a usual

  • Agentes transpositores, como o fator VII ativado recombinante ou a fração transpositora do inibidor do fator VIII (um concentrado de complexo protrombínico ativado [CPPA]). As diretrizes recomendam a prescrição de agentes transpositores para terapia domiciliar, para possibilitar que os episódios de sangramento sejam tratados com rapidez.[67][68]

Em pacientes com hemofilia A com inibidores que recebem profilaxia com emicizumabe, o uso da fração transpositora do inibidor do fator VIII pode estar associado a microangiopatia trombótica e trombose, e deve ser evitado por até 6 meses após o uso do emicizumabe.[69]​ Se for preciso usar a fração transpositora do inibidor do fator VIII, siga os protocolos locais para os limites máximos das doses.[38][61]​ Aconselha-se a consulta com um especialista em hemofilia.

O fator VII ativado recombinante é usado para promover a hemostasia em pacientes com hemofilia A ou B com inibidores. Seu mecanismo de ação inclui a ligação do fator VII ativado ao fator tecidual, que ativa o fator X e promove a geração de trombina. O fator VII ativado recombinante, em altas concentrações (suprafisiológicas), também se liga à superfície de plaquetas ativadas, ativando o fator X independente do fator tecidual e promovendo a geração de trombina. A dose padrão no tratamento de inibidores é de 90 a 120 microgramas/kg por via intravenosa a cada 2 a 3 horas até o sangramento ser controlado. As doses e a frequência subsequentes dependem da avaliação clínica. Agentes antifibrinolíticos podem ser usados com o fator VII ativado recombinante.

A fração de bypass do inibidor do fator VIII contém quantidades variáveis de fatores de coagulação ativados e precursores dependentes da vitamina K (fatores II, VII, IX e X), o que gera trombina por realizar o bypass do fator VIII/fator IX na cascata de coagulação.

A taxa de resposta para controle efetivo do sangramento é de 64% a 90% para fração de bypass de inibidores do fator VIII e de 80% a 95% para o fator VII ativado recombinante.[70][71][72]

Foram relatados eventos trombóticos.[73]

Não se deve administrar agentes antifibrinolíticos concomitantemente com a fração de bypass de inibidores do fator VIII por questões de segurança quanto ao aumento do risco de trombose.[38] Alguns pacientes respondem igualmente bem ao fator VII ativado recombinante e à fração de bypass do inibidor do fator VIII, enquanto outros respondem melhor a um ou ao outro, por motivos desconhecidos.[72]

Sangramento com risco de vida: sem inibidores de fator

Os sangramentos com risco de vida incluem aqueles que ocorrem nos seguintes locais:[38]

  • Sistema nervoso central/intracraniano

  • Trato gastrointestinal

  • Vias aéreas (pescoço/traqueia).

Requer tratamento urgente, até mesmo antes da avaliação completa.[74] Medidas de ressuscitação e de suporte básico de vida, conhecidas por ABC (vias aéreas [Airway], respiração [Breathing] e circulação [Circulation]), são importantes. O fator deve ser administrado urgentemente para distúrbio relevante (fator VIII para hemofilia A, fator IX para hemofilia B). Os níveis do fator específico precisam ser monitorados para ajuste de dose e frequência. O monitoramento geralmente é realizado medindo-se o nível do fator sanguíneo de vale antes da primeira dose pela manhã. O objetivo é manter os níveis de pico do fator VIII ou IX entre 80% e 100% e o nível de vale, no mínimo, entre 40% e 50% nos primeiros 10 a 14 dias.

Em pacientes que estiverem recebendo profilaxia com emicizumabe, a infusão de fator VIII na dosagem esperada para atingir a hemostasia deve ser usada para os sangramentos espontâneos.[38][61]

Pode ser necessário apoio de outro especialista, de acordo com o local anatômico da hemorragia. Pacientes com hemorragia intracraniana podem necessitar de terapia anticonvulsivante para o manejo de convulsões.

Agentes antifibrinolíticos, como o ácido tranexâmico e o ácido aminocaproico, podem ser usados como terapia adjuvante em pessoas com sangramentos gastrointestinais ou nas vias aéreas. Os agentes antifibrinolíticos atuam inibindo a plasmina, uma enzima crítica envolvida na fibrinólise. Esses agentes servem para controlar o sangramento da mucosa (oral, nasal, gastrointestinal, uterina).

Os agentes antifibrinolíticos são contraindicados para o tratamento da hematúria, pois os coágulos não lisados se comportam como cálculos, causando nefropatia obstrutiva. Os antifibrinolíticos não devem ser usados para o tratamento de qualquer sangramento sempre que houver hematúria. Os antifibrinolíticos também devem ser evitados nos pacientes com sangramento na cavidade torácica (uma vez que o hematoma não lisado pode interferir na respiração), portanto, eles também são contraindicados no cenário de cirurgia torácica.[38]

Sangramento com risco de vida: com inibidores de fator

Altas doses do concentrado de fator específico (fator VIII para hemofilia A, fator IX para hemofilia B) geralmente são satisfatórias para controlar o sangramento em pessoas com inibidor de baixo título.[63] A dose/kg aproximada de altas doses do concentrado de fator (para o fator VIII ou IX) é calculada com a fórmula (2 × o título em UB × % de correção desejada), mas recomenda-se orientação do especialista.

Caso a hemostasia não seja alcançada, ou se o paciente for sabidamente portador de altos títulos de inibidor, agentes bypassing serão indicados. Não se deve administrar agentes antifibrinolíticos concomitantemente com a fração de bypass de inibidores do fator VIII por questões de segurança quanto ao aumento do risco de trombose.[38] As medidas adicionais são as mesmas que as de pessoas sem inibidores.

Em pacientes com hemofilia A com inibidores que recebem profilaxia com emicizumabe, o uso da fração transpositora do inibidor de fator VIII pode estar associado a microangiopatia trombótica e trombose, e deve ser evitado por até 6 meses após o uso do emicizumabe.[69]​ Se for preciso usar a fração transpositora do inibidor do fator VIII, siga os protocolos locais para os limites máximos das doses.[38][61]​ Aconselha-se a consulta com um especialista em hemofilia.

Sangramento em articulação, músculo ou trato urinário: sem inibidores de fator

O tratamento para hemartrose ou sangramento agudo em um músculo consiste na reposição do fator específico (fator VIII para hemofilia A, fator IX para hemofilia B) para controlar e parar o sangramento. Além disso, proteção, repouso, gelo, compressão e elevação (protocolo PRICE), combinados com um controle adequado da dor, são medidas benéficas.

Na maior parte dos casos de sangramento muscular agudo, a reposição precoce de fator evita o desenvolvimento de compressão do nervo e subsequente síndrome compartimental. Em pacientes que estiverem recebendo profilaxia com emicizumabe, a infusão de fator VIII na dosagem esperada para atingir a hemostasia deve ser usada para os sangramentos espontâneos.[38][61]

Sangramento em articulação-alvo: sem inibidor de fator

Hemartrose recorrente em uma única articulação (chamada articulação-alvo) causa danos articulares crônicos, com contraturas e deformidades articulares associadas.[1]​ Em caso de hemartrose recorrente ou suspeita de artropatia, deve-se solicitar consulta ortopédica e uma avaliação para fisioterapia.

A sinovectomia radioativa (sinoviortese) pode ser recomendada quando houver sangramentos recorrentes em uma articulação-alvo. É necessária avaliação ortopédica antes do procedimento. Nos EUA, o radioisótopo mais comumente usado é o fósforo-32. O ítrio-90 também tem sido usado com êxito.[75]​ A maioria dos pacientes requer uma única injeção, embora alguns possam necessitar de mais de uma injeção na mesma articulação em diferentes momentos. Esse procedimento pode ser realizado em adultos e crianças.

A sinoviortese oferece algumas vantagens sobre a sinovectomia cirúrgica:[76]

  • Menos invasiva

  • Procedimento ambulatorial

  • Associada a menos infecções

  • Menor risco de sangramento pós-operatório.

Se a sinovectomia radioativa falhar, a sinovectomia cirúrgica poderá ser considerada. Será necessária uma avaliação ortopédica completa para determinar se há indicação para sinovectomia cirúrgica. Se houver danos articulares graves, uma artroplastia ou fusão da articulação poderá ser indicada.

Medidas adicionais para pacientes com sangramento em articulação, músculo ou trato urinário: sem inibidor de fator

A fisioterapia deve ser oferecida a todos os pacientes depois que o sangramento da articulação parar, não apenas àqueles com risco de contraturas articulares (em razão de repetidos sangramentos na mesma articulação [alvo]).[77]​ Durante a recuperação, a mobilização e a sustentação de carga precoces podem ser consideradas e devem ser cuidadosamente equilibradas com o repouso. A imobilização prolongada e a paracentese articular não são rotineiramente necessárias.[77]

Além da reposição de fator, como descrito para sangramento em articulações ou músculos, os pacientes com hematúria requerem reposição de fluidos por via oral ou intravenosa a uma taxa de 1.5 vez os níveis de manutenção. Os agentes antifibrinolíticos são contraindicados para o tratamento da hematúria e no cenário de cirurgia torácica.[38]​ Os antifibrinolíticos não devem ser usados para o tratamento de qualquer sangramento sempre que houver hematúria. Os antifibrinolíticos também devem ser evitados nos pacientes com sangramento na cavidade torácica.

Analgésicos como paracetamol, opioides ou inibidores da ciclo-oxigenase-2 (COX-2) podem ser usados. Eles podem ser combinados, dependendo do nível de analgesia necessário.

Sangramento em articulação, músculo ou trato urinário: com inibidores de fator

O tratamento de primeira linha em pessoas com inibidor de fator de baixo título (<5 UB) (se não houver história de alta resposta), que apresentam sangramento em articulação, músculo ou trato urinário, consiste em altas doses do concentrado de fator.

Altas doses do fator VIII são necessárias para pessoas com hemofilia A; altas doses do fator IX são necessárias para pessoas com hemofilia B. Se essas doses não controlarem o sangramento, serão usados agentes bypassing, como o fator VII ativado recombinante ou a fração de bypass de inibidores do fator VIII. Pessoas com inibidor de alto título (≥5 UB) ou uma história de alta resposta são, geralmente, tratadas com agentes bypassing como terapia de primeira linha.

Nos pacientes com hemofilia A com inibidores que recebem profilaxia com emicizumabe, o uso da fração transpositora do inibidor do fator VIII pode estar associado a microangiopatia trombótica e trombose, e deve ser evitado por até 6 meses após o uso do emicizumabe.[69]​ Se for preciso usar a fração transpositora do inibidor do fator VIII, siga os protocolos locais para os limites máximos das doses.[38][61]​ Aconselha-se a consulta com um especialista em hemofilia.

As medidas adicionais para sangramentos em articulações ou músculos, como o uso de analgésicos, o protocolo PRICE e as avaliações ortopédica e fisioterapêutica, são as mesmas adotadas para os pacientes sem inibidores. O manejo da hemartrose recorrente com sinovectomia radioativa ou cirurgia é o mesmo que aquele adotado para pacientes sem inibidores.

Pessoas com inibidores e que apresentem hematúria requerem fluidoterapia intravenosa ou oral.

Os agentes antifibrinolíticos são contraindicados para o tratamento da hematúria e no cenário de uma cirurgia torácica.[38] Os antifibrinolíticos não devem ser usados para o tratamento de qualquer sangramento sempre que houver hematúria. Os antifibrinolíticos também devem ser evitados em pacientes com sangramento na cavidade torácica.

Sangramento nasal ou oral com hemofilia A leve (níveis de fator >5%): sem inibidores de fator

A desmopressina pode ser usada em indivíduos (com uma resposta positiva a ela demonstrada) com hemofilia A leve (níveis de fator >5%) com sangramento nasal ou oral.[69]​ Seu mecanismo de ação é multifatorial, incluindo:

  • Um aumento nos níveis plasmáticos do fator VIII e do fator de von Willebrand

  • Estimulação da adesão plaquetária e da atividade pró-coagulante plaquetária.

A desmopressina não é eficaz para o tratamento de pacientes com hemofilia B, pois os níveis do fator IX não são influenciados pela desmopressina. As indicações para desmopressina na hemofilia A leve são determinadas pelos seguintes fatores:

  • O tipo de episódio de sangramento

  • O nível basal e desejado do fator VIII.

Uma dose de teste de desmopressina deve ser administrada na clínica, o que deve produzir um aumento de 2 a 4 vezes nos níveis do fator VIII ou um nível de pico suficiente para o manejo do tipo/gravidade de sangramento ou procedimento cirúrgico. No ambiente ambulatorial, a desmopressina pode ser administrada por via intranasal (150 microgramas em pacientes com <50 kg, 300 microgramas em pacientes com >50 kg; preparações por via intranasal com concentração mais baixa para enurese não serão efetivas) ou por via subcutânea antes de procedimentos odontológicos ou para o manejo de sangramento oral/nasal das mucosas. Se o sangramento for controlado, evita-se a punção venosa.

Os níveis de pico da desmopressina tendem a ser mais altos e alcançados mais rapidamente após a administração intravenosa, que é geralmente usada no caso de paciente hospitalizado.

Durante o uso de desmopressina, os pacientes devem ser aconselhados a limitarem a ingestão de água para reduzir o risco de retenção excessiva de líquidos e o risco de desenvolver hiponatremia e convulsão. Uma orientação prática é limitar a ingestão de líquidos a ≤1.5 L por 24 horas após a administração de desmopressina. A concentração de sódio sérico deve ser monitorada quando forem administradas doses repetidas de desmopressina. Evite mais de 3 doses diárias consecutivas de desmopressina para reduzir o risco de taquifilaxia. A desmopressina não deve ser usada em crianças com <2 anos de idade.

Antifibrinolíticos (por exemplo, ácido tranexâmico e ácido aminocaproico) podem ser usados como terapia adjuvante para controlar sangramento oral e nasal, e geralmente são bem tolerados. O efeito adverso mais comum é o desconforto gastrointestinal. Não se deve administrar antifibrinolíticos na presença de hematúria ou concomitantemente com a fração de bypass de inibidores do fator VIII por questões de segurança quanto ao aumento do risco de trombose.[38]

Se o tratamento inicial não obtiver resposta, ou se o sangramento for intenso, o concentrado de fator VIII será administrado conforme a necessidade, a cada 12 a 24 horas, até a remissão dos sintomas. Isso pode ser feito em ambiente ambulatorial. Os cuidados de suporte incluem observação geral, transfusão de eritrócitos, se necessário (por exemplo, para sangramento significativo e anemia sintomática), e suplementação de ferro (para a deficiência de ferro menos grave).

Sangramento nasal ou oral com hemofilia B ou hemofilia A moderada-grave: sem inibidores de fator

O concentrado de fator "sob demanda" (conforme necessário) é usado como abordagem de primeira linha. Agentes antifibrinolíticos são usados como terapia adjuvante em indivíduos com hemofilia A moderada-grave ou hemofilia B (de qualquer gravidade).

Sangramento nasal ou oral: com inibidores de fator

Altas doses do concentrado de fator específico (fator VIII para hemofilia A, fator IX para hemofilia B) geralmente são satisfatórias para controlar o sangramento em pessoas com inibidor de baixo título.[63] A dose/kg aproximada de altas doses do concentrado de fator (para o fator VIII ou o fator IX) é calculada com a fórmula (2 × o título em UB × % de correção desejada), mas recomenda-se orientação de um especialista. Agentes antifibrinolíticos podem ser usados em adição ao concentrado do fator específico.

Os agentes de bypass são usados como terapia de primeira linha em pessoas com inibidores de alto título (≥5 UB). Agentes antifibrinolíticos podem ser usados com o fator VII ativado recombinante. Entretanto, os pacientes que recebem a fração de bypass do inibidor do fator VIII não devem ser tratados com agentes antifibrinolíticos, em razão do aumento do risco de trombose. Os cuidados de suporte incluem observação geral, transfusão de eritrócitos, se necessária (por exemplo, para sangramento significativo e anemia sintomática), e suplementação de ferro (para a deficiência de ferro menos grave).

Hemofilia adquirida

O tratamento da hemofilia adquirida envolve o uso de agentes transpositores (como a fração de transposição do inibidor do fator VIII, o fator VIIa ativado recombinante) ou o fator VIII recombinante de origem suína para controlar os episódios de sangramento agudo.[78][79][80]​ O fator VII ativado recombinante é indicado para uso em pacientes com hemofilia A adquirida em decorrência de inibidores. O fator recombinante VIII de origem suína tem menor probabilidade de ser afetado pelos anticorpos contra o fator humano VIII que estão presentes nas pessoas com hemofilia A adquirida.

A imunossupressão com prednisolona associada à ciclofosfamida geralmente é efetiva para reduzir a produção de inibidores e provocar um aumento sustentado no nível do fator VIII. O rituximabe, geralmente em combinação com a prednisolona, pode ser uma alternativa de agente imunossupressor.[81][82]

Profilaxia

A profilaxia é definida como a administração regular e contínua de um agente/agentes hemostáticos com o objetivo de prevenir o sangramento em pessoas com hemofilia, permitindo-lhes levar uma vida ativa e alcançar uma qualidade de vida comparável a indivíduos não hemofílicos.[38] A profilaxia deve ser considerada terapia padrão para os indivíduos com hemofilia A ou B grave (fator VIII ou fator IX <1%), incluindo aqueles com inibidores.[68] A terapia profilática também pode ser considerada para as pessoas com hemofilia moderada e leve com fenótipo grave. A terapia profilática deve ser instituída precocemente (antes do início de sangramento frequente).[68]

A profilaxia primária refere-se à terapia iniciada em pacientes jovens (abaixo dos 3 anos de idade) com hemofilia, antes que ocorra dano articular clinicamente detectável (terapia preventiva) e antes do segundo sangramento de grandes articulações.[83] A profilaxia secundária refere-se à terapia iniciada após 2 ou mais sangramentos em grandes articulações e antes do início de doença articular.[1][83]​ A profilaxia terciária refere-se à terapia iniciada após o desenvolvimento de uma doença articular.[83]

Para a hemofilia A, o esquema típico de infusão é de 2 a 3 vezes por semana com o fator VIII recombinante ou derivado do plasma padrão, ou uma vez a cada 5 a 7 dias para o fator VIII de meia-vida estendida (ação prolongada). O fator IX recombinante ou derivado do plasma padrão é geralmente administrado duas vezes por semana para a hemofilia B; no entanto, as moléculas do fator IX de meia-vida estendida (ação prolongada) são, geralmente, administradas uma vez a cada 7 a 14 dias para manter os níveis de vale de 3% a 5% ou acima.[38]

Estudos observacionais sugerem que a profilaxia é superior ao tratamento episódico quanto a protelar ou prevenir artropatia, mesmo em pacientes com hemofilia grave.[84][85][86][87]

Protocolos de profilaxia individualizados usando níveis-alvo de vale e perfil orientado por farmacocinética (levando-se em conta considerações como status articular, atividade física e estilo de vida, disponibilidade de fatores de coagulação, capacidade do paciente de seguir autocuidado orientado e aceitabilidade de vários esquemas terapêuticos) têm a finalidade de otimizar o desfecho do paciente.[88][89]​ Os concentrados de fator de meia-vida estendida, quando infundidos em esquemas de dosagem comparáveis aos dos concentrados de fator padrão, podem aumentar os níveis de vale e facilitar um estilo de vida mais ativo.[90][91]

A profilaxia é recomendada após o tratamento inicial do sangramento intracraniano.[83] Nesse cenário, diferentes esquemas de tratamento têm sido sugeridos, desde infusões em dias alternados até infusões semanais.

Profilaxia com emicizumabe em pacientes com hemofilia A

O emicizumabe, um anticorpo monoclonal humanizado que mimetiza a função do fator VIII sem ser afetado pelos inibidores do fator VIII, é aprovado pela European Medicines Agency e pela Food and Drug Administration dos EUA para profilaxia em pacientes com hemofilia A com e sem inibidores.[69][92][93]

O emicizumabe é administrado por via subcutânea e pode ser administrado semanalmente, a cada 2 semanas ou a intervalos de 4 semanas. O emicizumabe tem meia-vida longa e seu nível plasmático permanece constante (sem picos e vales como na profilaxia por fatores de coagulação), uma vez que o estado de equilíbrio é alcançado após as doses de ataque nas 4 semanas iniciais.

Em pacientes com hemofilia A com ou sem inibidores, o emicizumabe está associado a melhora substancial e significativa nos desfechos relacionados à saúde.[94] O emicizumabe não pode ser usado para tratar sangramentos agudos ou para cobrir procedimentos cirúrgicos, e não pode ser usado para a profilaxia da hemofilia B.

O emicizumabe interferirá com o ensaio de tempo de tromboplastina parcial ativada, o ensaio em um estágio para a atividade do fator de coagulação e o título de inibidor do fator VIII. Ao usar o emicizumabe, um ensaio cromogênico usando reagentes bovinos deve ser usado para quantificação dos níveis de fator VIII infundido ou endógenos, e um ensaio de inibidor de Bethesda cromogênico usando reagentes bovinos deve ser usado para quantificação do inibidor do fator VIII.[61][95] Nos pacientes com hemofilia A que recebem profilaxia com emicizumabe, o uso da fração de transpositora do inibidor do fator VIII pode estar associado a microangiopatia trombótica e trombose, e deve ser evitado por até 6 meses após o uso do emicizumabe.[69]

Manejo contínuo de pessoas com inibidores de fator

O objetivo máximo em pacientes com inibidores de fator é eliminar o inibidor com o uso de ITI.[96] Com essa abordagem, os pacientes recebem altas doses do concentrado de fator VIII ou IX por meses a anos, geralmente administradas uma vez ao dia, embora alguns pacientes possam ser tratados 3 vezes/semana. Infusões de fator VIII ou IX (profilaxia) programadas 2 ou 3 vezes por semana são recomendadas após ITI bem-sucedida.

O ensaio clínico multicêntrico internacional (International Immune Tolerance Study) demonstrou que altas doses (200 U/kg/dia) e baixas doses (50 U/kg 3 vezes por semana) de esquemas com fator VIII alcançaram uma taxa de sucesso comparável de aproximadamente 70% em pacientes com hemofilia A com inibidores de fator.[97] Entretanto, a abordagem de baixa dose mostrou-se mais lenta quanto a alcançar o ponto final de tolerância e foi associada a mais eventos de sangramento durante a ITI.[97][98] A taxa de sucesso da ITI é menor em pacientes com hemofilia B com inibidores de fator.[38] Além disso, os pacientes com hemofilia B com inibidores de fator e uma história de anafilaxia para o fator IX devem ser monitorados cuidadosamente quanto ao desenvolvimento de síndrome nefrótica e reações alérgicas graves recorrentes durante a ITI com concentrados do fator IX.[36][38]

O rituximabe pode ser efetivo na erradicação de inibidores em pacientes com hemofilia A não grave.[99]

Agentes de bypass

Enquanto o inibidor de fator permanece presente, o paciente continua correndo risco de sangramento. Agentes de bypass como fator VII ativado recombinante ou fração de bypass de inibidor de fator VIII são usados para tratar eventos de sangramento em pacientes com inibidores com eficácia variável. Não há diferença significativa na eficácia hemostática entre o fator VII ativado recombinante e a fração de bypass do inibidor do fator VIII.[72]

A profilaxia com agentes de bypass pode ser usada para diminuir as taxas de sangramento em pacientes com inibidores de fator.[68] Isso pode ser feito durante a ITI (embora as taxas de sangramento tendam a diminuir assim que a ITI é iniciada), se não for possível iniciar a ITI ou se a ITI falhar na eliminação do inibidor. Embora as taxas de sangramento geral e articular sejam reduzidas na profilaxia com agentes de bypass em comparação com o tratamento sob demanda, não há melhora significativa na qualidade de vida relacionada à saúde (ao contrário da profilaxia regular com concentrados de fator em pacientes com hemofilia sem inibidor).[100]

Caso sejam indicados agentes transpositores, as diretrizes recomendam prescrevê-los para terapia domiciliar, o que pode melhorar a adesão e possibilitar que os episódios de sangramento sejam tratados com rapidez. Os pacientes e seus familiares devem ser orientados em relação ao preparo e à administração dos agentes transpositores, e a quem contatar em caso de emergência.[67]​​[101]

Em pacientes com hemofilia A com inibidores que estiverem recebendo profilaxia com emicizumabe, o fator VII ativado recombinante pode ser usado para os sangramentos espontâneos.

Em pacientes com hemofilia A com inibidores que recebem profilaxia com emicizumabe, o uso da fração transpositora do inibidor de fator VIII pode estar associado a microangiopatia trombótica e trombose, e deve ser evitado por até 6 meses após o uso do emicizumabe.[69]​ Se a fração de bypass do inibidor do fator VIII precisar ser usada, siga os protocolos locais para os limites máximos de dose. Aconselha-se a consulta com um especialista em hemofilia.

Nos pacientes com hemofilia A com inibidores que estiver recebendo profilaxia com emicizumabe, o monitoramento do nível de inibidor do fator VIII deve ser realizado por ensaio cromogênico com o uso de reagentes bovinos.

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