Etiologia
Existe um forte componente genético no risco de desenvolver espondilite anquilosante (EA), com herdabilidade de 97%. A gravidade da doença também é amplamente determinada de forma genética, com herdabilidade da atividade da doença, comprometimento funcional e extensão radiográfica da doença estimada em 51%, 76% e 62%.[38][39]
O HLA-B27 está presente em aproximadamente 90% dos pacientes com EA.[18] No entanto, a contribuição do HLA-B27 para o risco genético total de EA é relativamente modesto (aproximadamente 20%).[20][21]
A função do HLA-B27 na patogênese de EA permanece muito obscura. O HLA-B27 é um complexo heterotrimérico com beta-2 microglobulina e apresenta peptídeos dos patógenos intracelulares para o reconhecimento pelo receptor de célula T das células T CD8. O HLA-B27 também pode ser expresso como homodímeros livres na beta-2 microglobulina (beta2m) na superfície celular (B27(2)).[40]
Em associação com o receptor de célula T, moléculas de classe 1 do complexo principal de histocompatibilidade se ligam a receptores de células natural killer, inclusive membros da família killer immunoglobulin-like receptor. O HLA-B27(2) se liga preferencialmente a certos receptores natural killer e podem ter algum papel na patogênese da EA.[41][42]
Estudos genéticos da EA realizados pelo Wellcome Trust Case Control Consortium identificaram dois outros importantes genes de susceptibilidade à doença: o receptor da interleucina 23 e a aminopeptidase 1 do retículo endoplasmático (ERAP1), também conhecida como aminopeptidase reguladora da liberação do receptor 1 do fator de necrose tumoral (TNF) (ARTS1). A associação com ERAP1, que codifica uma peptidase que potencialmente influencia o repertório de peptídeos disponíveis para ligação com o HLA-B27, abriu uma nova área de pesquisa em EA.[43][44][45]
O risco conferido pela ERAP1 está inteiramente restrito a indivíduos positivos para HLA-B27. O mecanismo de interação entre a ERAP1 e o HLA-B27 pode ser a chave para determinar o papel do HLA-B27 na patogênese da EA.[46] Acredita-se que essas descobertas genéticas mais recentes, juntamente com o HLA-B27, sejam responsáveis por aproximadamente 70% da suscetibilidade genética global para EA.[43]
Foram identificados outros genes e polimorfismos genéticos, e muitos mais estão sendo submetidos a confirmação.[47][48][49][50][51][52][53][54][55]
Algumas evidências sugerem que existe uma correlação negativa entre os níveis séricos de vitamina D e os principais índices de monitoramento da atividade da doença em pacientes com EA, e que níveis aumentados na amplitude de distribuição do volume eritrocitário podem estar associados ao diagnóstico de EA.[56][57]
Anticorpos direcionados contra um epítopo de uma proteína derivada de Klebsiella pneumoniae estão presentes na maioria dos pacientes com EA.[58] Uma metanálise de estudos tipo caso-controle encontrou uma taxa mais alta de IgA e IgG séricas contra K pneumoniae em pacientes com EA, em comparação com controles saudáveis.[59] Os estudos ainda não esclareceram o potencial papel da K pneumoniae na patogênese da EA.
Fisiopatologia
De uma forma geral, o conhecimento da fisiopatologia da doença é limitado em virtude da dificuldade de se obter tecido de locais essenciais, como as articulações sacroilíacas, e da natureza lentamente progressiva da doença. Entretanto, alguns estudos cruciais recentes têm ajudado a esclarecer a patogênese da doença.[44][60][61][62][63]
Ao contrário da artrite reumatoide, em que inflamação e erosão são os únicos processos patológicos presentes, a espondilite anquilosante (EA) envolve inflamação, erosão da cartilagem e um processo adicional, que é a reparação subsequente (ossificação). A inflamação do esqueleto axial em pacientes com EA é inicialmente dominada por infiltrados de células mononucleares e pelo número elevado de osteoclastos.[64][65][66][67] Foi mostrado que os marcadores de reabsorção óssea são elevados em pacientes com EA, particularmente nos que apresentam doença ativa, sendo isso, provavelmente, uma causa provável de perda constatada de massa óssea trabecular.[68][69][70] A inflamação começa na interface da cartilagem óssea, o que é nitidamente demonstrado por exames de ressonância nuclear magnética (RNM).
Estudos imuno-histoquímicos têm demonstrado que células T e macrófagos são abundantes nas articulações sacroilíacas inflamadas.[71] Além disso, biópsias da articulação sacroilíaca em pacientes com doença ativa revelaram grandes quantidades de proteína e ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) para o TNF-alfa.[72] Estudos subsequentes baseados em RNM e amostras de biópsia tecidual revelaram evidências de inflamação contínua nas facetas articulares que se correlacionam com achados de edema ósseo na RNM.[73] Observou-se que essa inflamação persiste subclinicamente apesar do tratamento com um inibidor de TNF-alfa.[74][75] Foi levantada a hipótese de que a própria inflamação pode inibir a osteoproliferação, mas isso também é um precursor necessário para nova formação óssea. Essa situação paradoxal é importante, pois tem um impacto na escolha do tratamento de EA e nas expectativas dos agentes disponíveis, como os inibidores de TNF-alfa que inibem energicamente a inflamação, mas não parecem afetar a formação óssea.[76][77]
Em pacientes de artrite reumatoide e espondiloartropatia (alguns dos quais tiveram EA), a membrana sinovial inflamada das articulações periféricas apresenta características similares. A expressão do receptor ativador de fator nuclear kappa-B (RANK), RANK ligante e da osteoprogeterina (todos componentes de um sistema central para reabsorção) causa ativação de osteoclastos e o início de erosões em ambas as doenças.[60][61] Esse é o processo osteoproliferativo adicional na EA (uma osteíte em processo de cura) que causa a ossificação das fibras externas do anel fibroso e dá a aparência típica de um sindesmófito. Isso sugere que essa pode não ser a via crítica que causa a formação óssea observada na EA, apoiando a teoria de que inflamação e nova formação óssea não estão vinculadas. Estudos ósseos identificaram que, por meio da mediação do TNF, a up-regulation de Wnt (uma molécula envolvida na formação de osteoblastos e um inibidor natural da sinalização de Dkk-1) é provavelmente responsável por essa nova formação óssea.[78] Isso pode ter importantes implicações no tratamento de EA.[62]
Classificação
Critérios modificados de Nova York para espondilite anquilosante[3]
Esses critérios clínicos necessitam de evidências definitivas de sacroileíte em radiografias simples. Essas alterações radiográficas representam um dano estabelecido e seu desenvolvimento demora muitos anos. Diagnóstico definitivo de EA se critério 4 e qualquer um dos outros critérios for satisfeito.
Lombalgia com pelo menos 3 meses de duração, melhorada por exercício e não aliviada por repouso.
Movimento da coluna lombar limitado nos planos sagital e frontal.
Expansão torácica diminuída com relação aos valores normais para sexo e idade.
Sacroileíte bilateral grau 2 a 4 ou sacroileíte unilateral grau 3 ou 4.
Critérios do European Spondyloarthropathy Study Group (classificação da espondiloartropatia)[4]
Dor inflamatória na coluna ou sinovite, que seja:
Assimétrica ou
Predominante nos membros inferiores
e apresente ≥1 dos seguintes itens:
Dor alternada nas nádegas
Sacroileíte
Entesite (inflamação das conexões dos tendões ou ligamentos ao osso)
História familiar positiva de espondiloartropatia
Psoríase
Doença inflamatória intestinal
Uretrite ou cervicite ou diarreia aguda com ocorrência no período de 1 mês antes da artrite.
Critérios de Amor[5]
Classificação de espondiloartropatia com ≥6 pontos:
Dorsalgia inflamatória (1 ponto)
Dor unilateral nas nádegas (1 ponto)
Dor alternante nas nádegas (2 pontos)
Entesite (inflamação das conexões dos tendões ou ligamentos ao osso) (2 pontos)
Artrite periférica (2 pontos)
Dactilite (2 pontos)
Uveíte anterior aguda (2 pontos)
Antígeno leucocitário humano (HLA-B27) positivo ou história familiar de espondiloartropatia (2 pontos)
Resposta positiva a anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) (2 pontos).
Critérios de classificação de espondiloartrite axial da ASAS[6]
A avaliação do SpondyloArthritis International Society (ASAS) desenvolveu e validou novos critérios de classificação para englobar os pacientes com espondiloartrite axial não radiográfica e EA estabelecida. Deve-se aplicar o seguinte a pacientes com menos de 45 anos, com dorsalgia com duração superior a 3 meses:
ou
Sacroileíte no exame de imagem (inflamação ativa à ressonância nuclear magnética ou alterações radiográficas definidas, de acordo com os critérios de Nova York modificados)
Associada a pelo menos 1 característica de espondiloartrite decorrente de:
Dorsalgia inflamatória
Artrite
Entesite do calcanhar
Uveíte
Dactilite
Psoríase
Colite de Crohn
Boa resposta a AINEs
História familiar de espondiloartrite
HLA (antígeno leucocitário) B27
Proteína C-reativa elevada
ou
HLA-B27 positivo
Associada a pelo menos 2 características de espondiloartrite.
Definição de consenso de espondiloartrite axial precoce da ASAS[7]
Em pacientes com diagnóstico de espondilite axial (axSpA), a axSpA precoce deve ser definida como:
Duração dos sintomas ≤2 anos
Os sintomas axiais incluem dor cervical/torácica/nas costas/nádegas ou rigidez matinal
Na presença ou ausência de dano radiográfico
Esta definição deve ser adotada em pesquisas que abordem a axSpa precoce.
Critérios de Calin (dorsalgia inflamatória)[8]
Quatro dos 5 critérios deverão estar presentes:
Idade <40 anos
Dorsalgia >3 meses
Início insidioso
Melhora com exercícios
Rigidez matinal.
Critérios de Rudwaleit[9]
Uma razão de probabilidade positiva de 3.7 para a presença de dorsalgia inflamatória (não diagnóstica de EA) é obtida se 2 dos 4 critérios estiverem presentes e aumenta para 12.4 se 3 dos 4 critérios estiverem presentes:
Rigidez matinal >30 minutos
Melhora na dorsalgia com exercício, mas não com repouso
Acordar na segunda metade da noite em virtude de dorsalgia
Dor alternante nas nádegas.
Critérios de ASAS para lombalgia inflamatória[10]
Sensibilidade de 77.0% e especificidade de 91.7% se pelo menos 4 dos 5 parâmetros estiverem presentes. Observe que a sensibilidade e a especificidade se referem à presença de lombalgia inflamatória, não ao diagnóstico de espondilite anquilosante (EA):
Idade no momento da manifestação <40 anos de idade
Início insidioso
Melhora com exercícios
Sem melhora com repouso
Dor à noite (com melhora ao levantar-se).
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