Abordagem

Tal como acontece com todas as outras formas de demência, o cuidado das pessoas com demência vascular deve se concentrar em garantir a segurança do paciente e de outras pessoas, e dar tranquilização e apoio ao paciente e aos cuidadores. O tratamento será determinado pelos sintomas individuais de cada paciente e pelas necessidades e capacidade de resposta dos cuidadores.

A prevenção de outras doenças cerebrovasculares por meio do controle ideal dos principais fatores de risco nad pessoas com história de AVC ou ataque isquêmico transitório (AIT) é o principal objetivo do tratamento para pacientes com demência vascular.

A escolha do tratamento preventivo é influenciada pela provável etiologia da lesão cerebral focal e pelo tipo e localização da lesão vascular.[69]​ Isso inclui os pacientes com doença aterosclerótica isquêmica e doença cardioembólica. A doença aterosclerótica refere-se à doença sem uma fonte cardíaca definitiva para os êmbolos cerebrais e com suspeita de patogênese artéria a artéria da embolia. A doença cardioembólica refere-se à doença com uma fonte cardíaca definitiva para os êmbolos cerebrais (por exemplo, fibrilação atrial, valvopatia cardíaca, trombo ventricular esquerdo).

Um outro aspecto do cuidado compreende intervenções para o controle de sintomas comportamentais e psicológicos.

Prevenção de doença cerebrovascular

As principais opções de tratamento para a prevenção das doenças cerebrovasculares são as seguintes:

  • Para pacientes com doença aterosclerótica: terapia antiagregante plaquetária, além de endarterectomia carotídea ou angioplastia carotídea e implante de stent para aqueles com estenose carotídea[69]

  • Para os pacientes com doença cardioembólica: anticoagulação.[69]

Intervenções de modificação do estilo de vida também devem ser iniciadas conforme aplicáveis.

Terapia antiagregante plaquetária

A aspirina é útil para prevenção secundária da doença cerebrovascular. Não há boas evidências de que a aspirina seja eficaz no tratamento de sintomas cognitivos em pacientes com demência vascular.[70]​ As evidências apoiam o uso de monoterapia com aspirina, ou de tratamento combinado com aspirina associada a clopidogrel ou aspirina associada a ticagrelor, para prevenir novos infartos nos pacientes com AVC ou AIT relacionado a doença aterosclerótica ou de pequenos vasos.​​[69]​ A seleção do antiagregante plaquetário deve ser individualizada com base nos perfis de fatores de risco do paciente, na tolerância, na eficácia relativa conhecida dos agentes, e em outras características clínicas.

Endarterectomia carotídea ou angioplastia carotídea e colocação de stent

A endarterectomia carotídea é o tratamento de escolha para a estenose carotídea unilateral sintomática (grau >70%) nos pacientes que tiverem sofrido um AVC ou AIT não incapacitante nos últimos 6 meses.[69]​ A angioplastia carotídea e a colocação de stent podem ser indicadas como uma alternativa à endarterectomia carotídea para os pacientes sintomáticos com risco médio ou baixo de complicações associadas a uma intervenção endovascular quando o diâmetro do lúmen da artéria carótida interna estiver reduzido em >70% em exames de imagem não invasivos, ou >50% em exames de imagem por cateter ou exames de imagem não invasivos com corroboração, e a taxa prevista de AVC ou morte periprocedurais for <6%.[69] ​Consultar Estenose de artéria carótida (Manejo). Nos pacientes com mais de 70 anos, a endarterectomia carotídea pode estar associada a melhores desfechos em comparação com a angioplastia carotídea e colocação de stent, especialmente quando a anatomia arterial não for favorável a uma intervenção endovascular.[69]

Anticoagulação

A varfarina é altamente eficaz na redução do risco de AVC cardioembólico em pacientes com fibrilação atrial.[71]​ Os anticoagulantes orais de ação direta apixabana, dabigatrana, rivaroxabana e edoxabana também são efetivos na redução dos AVCs cardioembólicos em pacientes com fibrilação atrial não valvar.​[71]​ Consultar Fibrilação atrial estabelecida (Manejo).

Modificação no estilo de vida

A modificação agressiva dos fatores de risco para reduzir o risco de AVC também deve ser iniciada, incluindo atividade física, modificação alimentar, redução do colesterol, controle da pressão arterial e controle do diabetes/glicemia.

Os pacientes que conseguirem se exercitar devem fazer 40 minutos de exercícios de intensidade moderada a vigorosa de 3 a 4 vezes por semana.​ Os fumantes devem ser aconselhados a parar de fumar. Os pacientes com alto consumo de álcool devem ser aconselhados a reduzir o consumo ou parar de beber completamente.[69]

Tratamentos para melhorar os sintomas cognitivos ou para prevenir o agravamento da demência relacionada à doença cerebrovascular

Inibidores da colinesterase e memantina

Os efeitos dos inibidores da colinesterase e da memantina são modestos e de benefício clínico incerto nos pacientes com demência com uma etiologia puramente vascular.[72][73][74][75][76][77][78]​​ No entanto, uma doença de Alzheimer (DA) coexistente pode justificar esse tratamento, pois os inibidores da colinesterase e a memantina têm algum benefício nesses pacientes.[77][79]​ Acredita-se que a demência mista, a qual compreende uma DA e uma demência vascular coexistentes, ocorra em uma proporção significativa dos pacientes com demência.[28][80]

Os inibidores da colinesterase são indicados para DA leve a grave. Os benefícios clínicos são modestos, mas foi relatado que continuam por mais de 1 ano com a manutenção do tratamento.[79][81]​ A memantina é indicada para a DA moderada a grave.[77] A coadministração de memantina com um inibidor da colinesterase pode ser considerada conforme a gravidade da DA piora. A memantina pode ser administrada como tratamento único, caso os inibidores da colinesterase sejam contraindicados, não sejam tolerados e/ou tiverem se mostrado inefetivos. A donepezila e a galantamina parecem ter o maior efeito na cognição dos pacientes com comprometimento cognitivo vascular e, portanto, os pacientes podem querer considerá-las, dada a ausência de outras opções de tratamento.[78]​ Sabe-se que os inibidores da colinesterase têm efeitos cardiovasculares e neurológicos e, com o tratamento de longo prazo, há boas evidências que confirmam que eles reduzem a mortalidade por todas as causas nos pacientes com demência.[82]

Medicamentos anti-hipertensivos

Os resultados de dois estudos sugeriram um efeito do inibidor da ECA, perindopril, e do bloqueador dos canais de cálcio, nitrendipina, na prevenção da DA e da demência relacionada a AVCs.[83] Revisões sistemáticas revelaram um benefício com a nimodipina, outro bloqueador dos canais de cálcio, e também com os inibidores da ECA e diuréticos.[84][85] [ Cochrane Clinical Answers logo ] No entanto, as evidências sobre se o tratamento para baixar a pressão arterial evita ou protela o declínio cognitivo em pacientes com ou sem doença cerebrovascular prévia são confusas.[86][87][88]

O tratamento anti-hipertensivo é de benefício comprovado para a prevenção da doença cerebrovascular e deve ser usado para esse fim, um efeito indireto do que pode ser a prevenção do declínio cognitivo relacionado ao AVC.

Estatinas

Estudos sobre o uso de estatinas para melhorar a função cognitiva não mostraram benefícios claros.[89][90]​ Demonstrou-se que o tratamento com estatinas não previne declínio cognitivo ou demência em pessoas com risco de doença vascular.[91]​ Não há evidências robustas para confirmar as associações sugeridas entre uma redução agressiva do colesterol LDL e os efeitos tóxicos sobre o cérebro, incluindo o maior risco de demência e AVC hemorrágico.[92]

O principal papel das estatinas no tratamento de demência vascular é prevenir outros eventos isquêmicos. Existem boas evidências para apoiar o uso de estatinas na prevenção secundária do AVC.[93][94]

As estatinas podem ser indicadas para prevenção primária de doença cerebrovascular em pacientes com doença cardioembólica e colesterol de lipoproteína de baixa densidade elevado ou diabetes, ou após uma discussão sobre o risco entre o médico e o paciente.[94]

Manejo do diabetes

A otimização do controle da glicose nos pacientes com diabetes pode reduzir o risco de doenças macrovasculares e microvasculares.[95]

Tratamentos não farmacológicos para o comprometimento cognitivo

A terapia de estimulação cognitiva ou treinamento cognitivo pode melhorar a função cognitiva nos pacientes com demência leve a moderada, mas as evidências são de baixa qualidade.[96][97][98]

A reabilitação cognitiva é útil para permitir que as pessoas com demência leve a moderada melhorem o manejo das atividades cotidianas por meio de uma abordagem personalizada e focada em soluções.[99]

Manejo dos sintomas comportamentais e psicológicos

Vários sintomas comportamentais e psicológicos estão associados à demência vascular e à demência mista, e tratá-los é uma parte importante do tratamento da demência. Eles incluem depressão, apatia, agitação, agressividade e perturbação do sono.

Estratégias não farmacológicas para manejo dos sintomas comportamentais e psicológicos

As famílias e os cuidadores devem ser encorajados a promover o funcionamento independente pelo máximo de tempo possível. Os sintomas de apatia ou depressão podem ser melhorados encorajando-se reuniões e atividades sociais (como jardinagem, limpeza e arrumar a mesa) para fornecer uma rotina à pessoa e estimular um senso de utilidade. As ações que podem ser úteis para reduzir a agitação incluem explicar as ações do cuidador com antecedência, dar instruções por escrito e usar calendários, relógios e gráficos para ajudar os pacientes a se manterem orientados quanto ao tempo e ao espaço. Os pacientes com agitação também podem responder bem a massoterapias, intervenções assistidas por animais e atividades personalizadas.[100]​ Também há algumas evidências de que as atividades personalizadas podem reduzir o comportamento desafiador nas pessoas com demência que vivem na comunidade.[101]

As intervenções psicológicas (por exemplo, terapia cognitivo-comportamental, terapias interpessoais) podem reduzir a depressão e a ansiedade nas pessoas com demência, mas não são tão efetivas quanto nas pessoas que não têm demência.[102][103]​ Intervenções não medicamentosas, como massoterapia e estimulação cognitiva combinadas com exercícios e interação social, podem ser mais efetivas que os medicamentos para tratar a depressão nos pacientes com demência.[104]

Outras estratégias para reduzir as dificuldades comportamentais podem incluir: agendamento de idas ao banheiro e encorajamento à micção; tocar música, especialmente durante as refeições e banhos; e encorajar caminhadas ou exercícios leves.

Embora haja um consenso geral de que a perturbação do sono está associada à demência e a redução da cognição, faltam evidências sobre quais intervenções são mais efetivas para superar ou prevenir isso.[105][106]

Depressão: tratamento farmacológico

A depressão é comum nos pacientes com demência vascular.[107] As evidências disponíveis não fornecem um forte apoio à eficácia dos antidepressivos no tratamento da depressão na demência.[108] No entanto, o consenso clínico apoia realização de uma tentativa com um antidepressivo para tratar a depressão clinicamente significativa nas pessoas com demência.[109]

Os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), como a sertralina, citalopram e escitalopram, são preferenciais. Os ISRSs com meia-vida mais longa (ou seja, fluoxetina), aqueles com maior potencial para interação medicamentosa mediada pelo citocromo P450 (fluoxetina, paroxetina, fluvoxamina) ou os reconhecidamente mais ativantes (por exemplo, paroxetina) devem ser usados com cautela. A mirtazapina, um antidepressivo atípico, é adequada quando houver inapetência e insônia.

Os ISRSs e a mirtazapina aumentam o risco de prolongamento do QT e devem ser usados com cautela nos pacientes com condições que também aumentam o risco de prolongamento do QT (por exemplo, bradicardia, insuficiência cardíaca, cardiomiopatia, AVC, infarto do miocárdio); monitoramento regular do ECG é necessário. Há um aumento do risco de sangramento com os ISRSs, portanto, cuidado e monitoramento são necessários se o paciente estiver tomando um anticoagulante ou agente antiagregante plaquetário. A mirtazapina pode causar hipotensão ortostática e, portanto, deve ser usada com cautela nos pacientes com doença cerebrovascular que puder ser exacerbada pela hipotensão.

Os inibidores da recaptação de serotonina-noradrenalina podem ser adequados de acordo com a preferência do paciente, as comorbidades e a experiência do médico. Os antidepressivos tricíclicos não devem ser usados devido ao risco de efeitos adversos cardiovasculares significativos e de superdosagem letal.

Agitação e agressividade: tratamento farmacológico

Uma revisão Cochrane revelou que os ISRSs citalopram e sertralina foram associados a uma redução nos sintomas de agitação em comparação com o placebo em pessoas com demência, embora não tenha havido evidência específica para as pessoas com demência vascular.[110] Consulte a seção Depressão: tratamento farmacológico acima para obter os cuidados sobre o uso de ISRS.

Os antipsicóticos devem ser evitados nas pessoas com demência vascular devido ao aumento da incidência relatada de AVC e infarto do miocárdio em pessoas que tomam esses medicamentos, além da evidência de aumento da mortalidade com o uso de antipsicóticos típicos e atípicos em pacientes com demência.[111][112][113][114]

Cuidados de suporte

A primeira etapa após o diagnóstico é fornecer educação, apoio e recursos para o paciente, sua família e cuidadores.[64] As informações devem abranger tópicos como a tendência de evolução dos sintomas, necessidades de cuidados futuros (incluindo planejamento antecipado dos cuidados) e diretrizes antecipadas ou um procurador para decisões de saúde. Os benefícios e riscos dos tratamentos não farmacológicos e farmacológicos devem ser discutidos com o paciente e sua família, para que se possam tomar decisões informadas. Deve-se disponibilizar um assistente social, psicólogo ou outro profissional da saúde mental para oferecer suporte emocional e contribuição psicossocial.

Necessidades do cuidador

As famílias e os cuidadores devem ser parte integrante dessas conversas. Eles devem ser informados sobre outras fontes de informação e grupos de apoio a cuidadores; esses últimos demonstraram ser benéficos.[115]

Avaliação ambiental

Um terapeuta ocupacional deve realizar uma avaliação da segurança domiciliar, bem como uma avaliação das necessidades de transporte, condução e autocuidados.[116] Uma marcha e um equilíbrio prejudicados são típicos da demência vascular, por isso é importante que o risco de queda seja avaliado e que as intervenções para mitigar esse risco sejam postas em prática.

Cuidados no final da vida

Os cuidados na fase avançada/terminal incluem medidas paliativas, escolhas de fim da vida e discussão dos objetivos dos cuidados com a família.[117][118] É importante avaliar essas questões no estágio final da demência, já que cuidados excessivamente agressivos, como as sondas de gastrostomia endoscópica percutânea, podem causar agravamento da morbidade e não melhorar a qualidade de vida ou a longevidade.[119] Muitos pacientes e famílias não estão dispostos a medidas extremas se não houver possibilidade de função independente. Explorar as preferências da família e do paciente no contexto da literatura e das informações médicas é bastante útil.[64]

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