Abordagem
Tradicionalmente, assume-se que a demência vascular apresente uma progressão gradativa dos sintomas cognitivos, embora também seja possível uma progressão gradual. É útil identificar os pacientes com doença isquêmica aterosclerótica e aqueles com doença cardioembólica.
A doença aterosclerótica refere-se à doença sem uma fonte cardíaca definitiva para os êmbolos cerebrais e para suspeita de patogênese de embolia artéria a artéria.
A doença cardioembólica refere-se à doença com uma fonte cardíaca definitiva para os êmbolos cerebrais (por exemplo, fibrilação atrial, valvopatia cardíaca, trombo ventricular esquerdo).
História
É importante conversar com um familiar ou cuidador, além do paciente, a fim de se estabelecer uma história precisa dos sintomas cognitivos e do comprometimento nas atividades diárias.[63]
A relação temporal dos sintomas cognitivos com um claro evento clínico de acidente vascular cerebral (AVC) ou múltiplos eventos de AVC pode sugerir fortemente uma causa vascular para o comprometimento cognitivo.[63]
Uma ausência de sintomas cognitivos pré-AVC pode apoiar a hipótese de uma causa vascular para o comprometimento cognitivo.
Os sintomas cognitivos podem incluir comprometimento da memória, dificuldade em resolver problemas ou usar equipamentos familiares, processamento lento, dificuldade em iniciar atividades, perseverança no comportamento, desinibição e dificuldade em administrar as finanças. As diretrizes do Reino Unido recomendam que os não especialistas usem um instrumento cognitivo breve e estruturado validado na avaliação inicial de sintomas cognitivos.[64]
Lentidão da marcha, arrastar os pés, pés "presos ao chão" ao começar a andar, perda de equilíbrio crescente, quedas e incontinência podem sugerir doença vascular cerebral. Um declínio na capacidade de realizar atividades da vida diária associado a uma história cognitiva pode ser aparente.
Deve-se buscar por fatores de risco. Deve-se obter uma história completa de medicamentos a fim de descartar o efeito de medicamentos psicotrópicos. A investigação sobre sintomas de depressão, perda auditiva ou perda de visão pode identificar uma causa reversível de comprometimento cognitivo.[64] Somente a história pode não ser suficiente para o diagnóstico.
Exame
Geralmente, é recomendado o encaminhamento a um especialista geriatra ou neurologista com experiência em distúrbios cognitivos. Os sinais listados abaixo podem ocorrer isoladamente ou em qualquer combinação. A presença desses sinais não exclui necessariamente a presença de uma demência degenerativa coexistente, como a doença de Alzheimer (DA). Ocasionalmente, tais sintomas também podem estar presentes em outras doenças neurológicas, como a síndrome de Steele-Richardson, a atrofia de múltiplos sistemas e a hidrocefalia de pressão normal.
Os sinais incluem:
Sinais frontais, como apatia, desinibição e reflexos de liberação frontal (reflexos de preensão, de percussão da glabela, do masseter)
Depressão e humor alterado secundários a doença vascular
Sinais focais hemisféricos ou bulbares (por exemplo, hemiparesia, disartria, disfagia)
Comprometimentos em vários domínios cognitivos, geralmente detectados por testes cognitivos - ver abaixo. A memória pode estar prejudicada secundariamente a um prejuízo executivo ou da atenção, e pode se manifestar como deficit de memória de evocação (auxiliado por dicas) em vez de esquecimento rápido (não auxiliado por dicas). O paciente pode precisar de um exame neuropsicológico detalhado para além da expertise do médico
Dificuldade de iniciar a marcha, passos arrastados e curtos, mau controle postural ao andar
Testes cognitivos
Há uma série de testes possíveis usados para identificar a presença, a natureza e a gravidade da demência vascular.[63] Eles abrangem vários domínios cognitivos que, de modo geral, tendem a incluir: atenção, memória, fluência, linguagem e consciência viso-espacial.
O teste MoCA (Montreal Cognitive Assessment) é amplamente utilizado e pode ser usado para avaliar o comprometimento cognitivo leve, inclusive quando há disfunção executiva. Ele é um teste de 30 pontos que leva cerca de 10 minutos para ser administrado.
O Exame Cognitivo de Addenbrooke III (ACE-III) é um teste de 100 pontos que leva cerca de 15 minutos para ser administrado e incorpora o conhecido Miniexame do Estado Mental (MEEM) para que se possa derivar um escore para ambos os testes.
O MEEM, publicado pela primeira vez em 1975, geralmente é insuficiente isoladamente para detectar o deficits de atenção e o comprometimento executivo frontal comumente observados no comprometimento cognitivo vascular. Portanto, ele raramente é usado para avaliação especializada na atenção secundária, onde o MoCa ou o ACE-III provavelmente serão favorecidos.
Investigações laboratoriais
Investigações de rotina são indicadas para descartar os fatores modificáveis que estejam contribuindo para o declínio cognitivo, como hipotireoidismo, deficiência de B12, hiponatremia e anemia, os quais podem agravar os sintomas. A testagem para anticoagulante lúpico, antifosfolipídeo e antinuclear deve ser realizada em pacientes selecionados com apresentações atípicas ou com aumento do risco para essas afecções (por exemplo, jovens com AVCs recorrentes). As investigações realizadas como rotina na linha basal devem incluir:
Hemograma completo
Velocidade de hemossedimentação
Perfil metabólico básico, incluindo testes da função hepática e renal, e glicose sanguínea
Vitamina B12 e folato
Função tireoidiana
Testagem sorológica para sífilis (Venereal Disease Research Laboratory [VDRL]) nos pacientes de alto risco
Exame neuropsicológico
A avaliação neuropsicológica é necessária para a maioria dos pacientes para identificar os padrões de pontos fortes e fracos no desempenho cognitivo. Essas informações podem ser usadas para estabelecer um nível basal para avaliações futuras da manutenção ou do declínio cognitivos.[63] Para os pacientes nos quais a relação temporal entre o início do AVC e o início dos sintomas cognitivos é definida pela história, uma avaliação neuropsicológica formal pode não ser necessária.
Neuroimagem
Os exames de imagem cerebrais são importantes para o diagnóstico, sendo necessários a todos os pacientes em quem se esteja buscando um diagnóstico. Uma ressonância nuclear magnética cranioencefálica deve ser realizada para detectar a presença de infartos e avaliar a gravidade das lesões na substância branca.[10][63] A presença desses infartos dá suporte a um componente vascular para a demência, mas não exclui necessariamente a DA coexistente.
A ausência de lesões cerebrovasculares geralmente é considerada como evidência contrária a uma etiologia vascular para a demência. Os exames de imagem também são úteis para excluir etiologias potencialmente tratáveis, como hidrocefalia ou tumor. Entretanto, o custo-benefício destes exames é baixo, sendo descrito de forma variável que apenas 1% a 10% dos casos apresentam uma causa potencialmente tratável.[65][66]
A tomografia por emissão de pósitrons pode ajudar a diferenciar a DA da demência vascular, mas não é usada no diagnóstico da demência vascular.
Outros testes
O ECG é usado para verificar a presença de fibrilação atrial, o que aumenta o risco de isquemia cerebral embólica. Outras anormalidades, mais inespecíficas, podem sugerir doença cardíaca subjacente que pode refletir fatores de risco comuns para doença aterosclerótica.
A ultrassonografia duplex das carótidas é indicada para os pacientes com demência causada por infarto cortical, para descartar estenose carotídea como fonte de embolia. Uma estenose de carótida >70% geralmente é considerada significativa, mas as estenoses de baixo grau (de 50% a 70%) podem ser importantes se o paciente for sintomático e, especialmente, se houver a presença de placas ulceradas. Na ausência de sintomas neurológicos focais agudos, não há motivos para se fazer uma ultrassonografia duplex das carótidas.
A ecocardiografia é indicada para os pacientes com demência considerados como tendo alto risco de cardioembolismo. Estes são pacientes que apresentam exames de imagem sugestivos de infartos múltiplos, consistentes com embolia, incluindo aqueles com AVC bilateral cortical múltiplo, arritmia cardíaca ou insuficiência cardíaca. Na ausência deles, um ecocardiograma geralmente não é útil.
A avaliação do risco de suicídio precisa ser incluída no processo diagnóstico tanto no cenário da atenção primária quanto da secundária, pois o risco aumenta nos primeiros 3 meses após o diagnóstico de demência, principalmente nos pacientes mais jovens, com menos de 65 anos, e naqueles com comorbidades psiquiátricas.[67]
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