Abordagem

A síndrome de Stevens-Johnson e a necrólise epidérmica tóxica são similares a queimaduras de segundo grau em termos de efeitos fisiológicos.

O tratamento requer uma equipe multidisciplinar para que os pacientes recebam os cuidados ideais diários relativos à ferida, nutrição, cuidados intensivos, controle da dor e cuidados de suporte.[74] A transferência para o centro de tratamento de queimaduras, um centro especializado em cuidados de feridas ou uma unidade de terapia intensiva dermatológica é recomendada para pacientes com síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica.[63][74]

O tratamento exato dependerá da extensão do comprometimento da pele, mas os mesmos princípios gerais são aplicáveis tanto à síndrome de Stevens-Johnson quanto à necrólise epidérmica tóxica. O tratamento deve ser iniciado caso a caso, dependendo da apresentação de cada paciente.[75][76]

Ambas as condições têm uma tendência de evolução ao longo de vários dias, de modo que os pacientes devem ser monitorados rigorosamente.

Cuidados imediatos

Após o diagnóstico, o agente causador deve ser identificado e removido imediatamente. Geralmente, será um novo medicamento iniciado 2-3 semanas antes do início da erupção cutânea.

Os medicamentos implicados com mais frequência na síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica estão listados na seção de etiologia. Consulte Etiologia.

Os pacientes com síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica devem ser avaliados da mesma forma que os pacientes com queimadura cutânea, usando uma abordagem estruturada para avaliar as vias aéreas, a respiração e a circulação. Consulte Queimadura cutânea (abordagem diagnóstica).

A gasometria arterial e a saturação de oxigênio ajudarão a determinar o estado clínico respiratório do paciente.

É necessária uma avaliação imediata do envolvimento da área total de superfície corporal (ATSC) para avaliar a gravidade da doença. Vários métodos podem ser usados, como a regra de 9 de Wallace, Palmer e a tabela de Lund-Browder para estimativa de queimaduras, ou SCORTEN.[55][57] Wallace rule of 9s Opens in new window Consulte Abordagem do diagnóstico.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Regra dos noveDo acervo pessoal do Dr. Sheridan [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@215b60c1[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Diagrama de Lund-BrowderDo acervo pessoal do Dr. Sheridan [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@2ba82d2a

Quanto maior a porcentagem da ATSC envolvida, maior será a necessidade hídrica.[56]

Considere a intubação e a traqueostomia precoce em pacientes com comprometimento oral e um dos seguintes fatores:[74]

  • Área de superfície corporal (ASC) inicial de 70% ou mais

  • Progressão da ASC envolvida do dia de hospitalização 1 ao dia de hospitalização 3 de ≥15%

  • O diagnóstico neurológico subjacente impede a proteção das vias aéreas

  • Comprometimento das vias aéreas documentado na laringoscopia direta.

As evidências sugerem que, para pacientes intubados, a taxa de mortalidade sobre para mais de 50%.[54]

Como o paciente não requer anticoagulação terapêutica no momento da internação, os pacientes imóveis devem receber heparina de baixo peso molecular profilática.[74]

A tromboprofilaxia mecânica com meias de compressão graduada ou compressão pneumática intermitente é recomendada para pacientes com doença aguda que apresentam aumento do risco de trombose, que estão com sangramento ou com alto risco de sangramento importante.[74]

Os pacientes com alto risco de sangramento e aqueles nos quais a nutrição enteral não pode ser estabelecida devem receber um inibidor da bomba de prótons para prevenir gastrite relacionada ao estresse e ulceração intestinal.[63][74]

O potencial envolvimento oral, ocular e urogenital deve ser analisado como parte da avaliação inicial de todos os pacientes com síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica.[74]

Tratamento de feridas

O cuidado da ferida pode ocorrer após uma abordagem conservadora ou cirúrgica ao desbridamento, dependendo das necessidades do paciente.[63]

O tratamento conservador (estratégia anti-cisalhamento) recomenda:[74]

  • Preservar a epiderme descolada como curativo biológico

  • Limitar a troca de curativos

  • Usar uma cama hidroaérea

  • Usar curativos não aderentes

  • Usar lise e drenagem de feridas apenas para o conforto do paciente

  • Limpar as feridas com água estéril, soro fisiológico ou solução diluída de clorexidina ao trocar os curativos

  • Aplicar um emoliente em toda a epiderme para melhorar a função de barreira da pele, reduzir a perda de líquidos e estimular a re-epitelização

  • Considerar o uso de curativos primários não aderentes e impregnados de prata para obter propriedades antibacterianas,, reduzir a necessidade de troca de curativos e melhorar o conforto do paciente

  • Usar curativos absorventes secundários para controlar o exsudato.

A abordagem cirúrgica para o cuidado da ferida para pacientes com síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica geralmente ocorre após a prática de manejo da queimadura: quando o desbridamento cirúrgico da pele descolada é alcançado, as feridas são cobertas com um curativo biológico, como xenoenxerto (pele de porco), aloenxerto (pele de cadáver) ou curativos hospitalares.[77] Com a cicatrização, considere um curativo não aderente impregnado de prata para a troca de curativos e maior conforto do paciente.

As orientações do Reino Unido recomendam que os pacientes sejam transferidos a uma unidade de queimadura para o desbridamento cirúrgico e o cuidado da ferida caso apresentem necrólise epidérmica tóxica (>30% da ASC com perda epidérmica) e evidências do seguinte:[63]

  • Deterioração clínica

  • Extensão do descolamento epidérmico

  • Pus subepidérmico

  • Sepse local

  • Conversão da ferida e/ou cicatrização tardia.

Após a regeneração da pele (cerca de 2-3 semanas), emolientes podem ser usados para mantê-la elástica e prevenir o ressecamento.

Manejo hídrico

Se um paciente apresenta vômitos frequentes, pode ocorrer desidratação. Além disso, dependendo da extensão da descamação da pele, o paciente pode estar perdendo quantidades significativas de fluidos através da superfície desnuda da pele. Os eletrólitos e o equilíbrio hídrico devem ser monitorados diariamente.[63][74]

Caso os pacientes possam tomar líquidos por via oral, encoraje-os a fazê-lo. Caso contrário, administre fluidoterapia intravenosa, como a solução de Ringer lactato ou cloreto de sódio a 0.9%, para hidratar o paciente. Um estudo de série de casos indica que aproximadamente 2 mL/kg/% ATSC pode ser adequado se não houver nenhuma outra complicação.[78]

Independente da quantidade calculada de fluidos necessários, a avaliação clínica da resposta do paciente é extremamente importante. A ressuscitação fluídica é monitorada pelo débito urinário. É importante que um adulto tenha um débito urinário de 0.5 mL/kg/hora (30-50 mL/hora) e crianças com <30 kg tenham um débito de 1 mL/kg/hora.[63][74]

Aumente ou reduza a ressuscitação fluídica com base no débito urinário.

Manejo da dor

A analgesia deve ser administrada com base na gravidade dos sintomas para assegurar o conforto em repouso. O nível da dor deve ser avaliado a cada 4 horas e analisado pelo menos uma vez ao dia usando uma ferramenta de dor validada.[63][74] Os pacientes precisarão de mais medicamentos contra dor durante a troca dos curativos.[63][74]

Caso a dor leve não seja controlada com paracetamol deve ser considerado um opioide oral, como tramadol.[74] Morfina ou fentanila podem ser necessárias para pacientes com escores de dor moderada a intensa. Cetamina em doses baixas pode ser considerada como uma alternativa ou terapia adjuvante para a dor decorrente da síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica.[74] Gabapentina e pregabalina atuam na dor neuropática e podem reduzir o consumo de opioides tanto na fase aguda como na fase de cicatrização para pacientes com síndrome de Stevens-Johnson.[74]

Os anti-inflamatórios não esteroidais devem ser evitados em razão do aumento do risco de lesão renal ou gástrica.[74]

Imunoglobulina intravenosa e ciclosporina

Não há indicações claras sobre a administração de imunoglobulina intravenosa (IgIV). Alguns médicos administram IGIV aos pacientes que têm uma erupção cutânea com evolução rápida e que envolve pelo menos 6% da ATSC. Outros só administram IGIV quando a ATSC afetada é de 20%. Não há ensaios clínicos randomizados e controlados que sejam definitivos para orientar o tratamento. A atual literatura consiste em pequenas séries retrospectivas e prospectivas. Revisões desses pequenos ensaios clínicos mostraram algum benefício e nenhuma grande complicação com o uso de IGIV.[2][24][42][44][79][80][81] Para pacientes com sobreposição síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica e necrólise epidérmica tóxica, muitos centros de queimados administram IgIV quando há uma rápida evolução da erupção cutânea e quando o paciente for clinicamente considerado um candidato.

Houve relatos esporádicos de casos de tratamento bem-sucedido da necrólise epidérmica tóxica com a ciclosporina. Em uma revisão retrospectiva de prontuários de 71 pacientes com síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica, a ciclosporina foi associada com menos mortes que o esperado (índice de mortalidade padrão de 0.43), enquanto a IGIV foi associada com mortalidade em excesso (índice de mortalidade padrão de 1.43).[82] Outro estudo realizado com 16 pacientes tratados com ciclosporina demonstrou uma taxa de mortalidade menor que o previsto pelo escore SCORTEN.[83] Resultados de um ensaio clínico pequeno (n=29) de fase 2 aberto sugere que a ciclosporina pode reduzir a mortalidade e a progressão de descolamento epidérmico entre pacientes com síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica. Houve uma morte em um pequeno estudo de 12 pacientes com uma ATSC média de 77% tratados com ciclosporina e plasmaférese.[84] Outras metanálises sugerem que o uso de ciclosporina na necrose epidérmica é eficaz para reduzir o risco de morte.[75][85][86][87]

Comprometimento oral

Ocorre comprometimento oral na maioria dos pacientes com síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica, resultando em dor, ingestão oral prejudicada e higiene bucal ineficiente. Os pacientes devem realizar um exame oral na apresentação e diariamente durante a fase aguda da doença.[63][74]

Recomenda-se aplicar pomada de petrolato nos lábios a cada 2 horas durante a doença aguda.[63][74]

Controle da dor

Para proporcionar alívio da dor em curto prazo, devem ser administrados enxaguantes bucais ou sprays com propriedades anestésicas, anti-inflamatórias e analgésicas locais (por exemplo, lidocaína viscosa, benzidamina), principalmente antes de comer ou de realizar a higiene oral.[63][74]

Agentes de revestimento oral tópico são recomendados para reduzir a dor em pacientes com comprometimento da mucosa oral.[74]

Higiene bucal

A boca do paciente deve ser higienizada diariamente com enxágue bucal morno com soro fisiológico ou uma esponja oral.[63][74]

Para reduzir a colonização bacteriana da mucosa, deve-se usar um enxágue oral antisséptico (por exemplo, clorexidina diluída).[63][74]

Um enxágue bucal com corticosteroide tópico (por exemplo, dexametasona) ou uma pomada ultrapotente de corticosteroide tópico são recomendados durante a fase aguda da doença.[63][74]

Nutrição

O suporte nutricional deve ser administrado por via oral, se possível. Para pacientes que não toleram a ingestão oral, forneça alimentação enteral por meio de sonda nasogástrica.[74] A colocação de sonda nasogástrica deve ser evitada em pacientes com comprometimento da mucosa nasofaríngea.

Deve-se oferecer suporte nutricional de 30-35 kcal/kg, mantendo um controle glicêmico rigoroso.[74] Caso a ingestão calórica do paciente não seja suficiente com a nutrição enteral, ela deve ser suplementada por via parenteral.[74]

Envolvimento ocular

Todos os pacientes que manifestam sinais e sintomas de síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica devem ser submetidos a uma consulta oftalmológica e um exame completo na internação, e diariamente durante a fase aguda da doença, até que se estabeleça que não há deterioração visual.[63][74][88] O acompanhamento deve ser determinado caso a caso.[74]

Lubrificantes oculares (colírios e pomadas) devem ser administrados a cada 2 horas durante a fase aguda da doença em pacientes com comprometimento ocular.[63][74] 

Recomenda-se realizar um exame diário de toda a superfície ocular (pálpebras, margem da pálpebra, conjuntiva e córnea).[74] Isso deve incluir uma avaliação de defeitos epiteliais conjuntivais tarsais e fornicais e simbléfaro precoce ao virar as pálpebras para fora com rotação do olhos.

Todos os pacientes devem ser submetidos à coloração por fluoresceína para detectar lesões corneanas, pequenos objetos estranhos ou partículas nos olhos, além da produção anormal de lágrimas.[74]

A posição das pálpebras em repouso deve ser avaliada para lagoftalmia, principalmente em pacientes inconscientes, pois é essencial realizar a prevenção da exposição corneana.[63][74]

O transplante de membrana amniótica deve ser considerado durante a avaliação inicial de qualquer paciente com suspeita de síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica e em todos os exames de acompanhamento durante a fase aguda.[74] A cobertura de toda a superfície ocular com membrana amniótica, juntamente com corticosteroides tópicos intensivos em curto prazo, durante a fase aguda da síndrome de Stevens-Johnson e da necrólise epidérmica tóxica mostrou estar associada à preservação de uma boa acuidade visual e a uma superfície ocular intacta.[88]

Comprometimento urogenital

O comprometimento urogenital ocorre em aproximadamente 70% das mulheres e homens com síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica.[89][90] Isso pode resultar em erosões do escroto/grandes lábios, pênis/vulva; disúria; hematúria; retenção urinária; e sequelas de longo prazo como estenose uretral e cicatrização, xerose, fimose, dispareunia, dor crônica, sangramento, disfunção sexual, infertilidade e ansiedade.[74]

O exame do trato urogenital de todos os pacientes com síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica é recomendado após a avaliação inicial, e diariamente durante a hospitalização.[63][74] Um cateter urinário deve ser inserido se o comprometimento urogenital causar disúria/retenção significativa.[63]

A pele/mucosa vulvar/urogenital deve ser revestida com uma pomada e/ou gaze com pomada para ajudar a reduzir a dor, a formação de adesão e facilitar a cicatrização durante a fase aguda da doença.[74] Para mulheres com suspeita de comprometimento vaginal, um dilatador intravaginal pode ser usado para aplicar:[63][74]

  • Uma pomada não esteroidal (por exemplo, vaselina), com reaplicação conforme a necessidade para manter a barreira de proteção, e/ou

  • Uma pomada de corticosteroide de alta potência, se houver inflamação ativa.

A retirada gradual do corticosteroide tópico deve basear-se na melhora clínica.

Em caso de suspeita de candidíase vaginal, obtenha uma preparação de hidróxido de potássio e uma cultura fúngica e inicie o tratamento com um medicamento antifúngico adequado.[74]

O medicamento pode ser alternado com creme de estrogênio para estimular a cicatrização da mucosa vaginal.[74]

Dilatadores intravaginais podem ser usados por, no máximo, 24 horas antes da substituição.[74] Caso as pacientes não se sintam confortáveis com o uso de um dilatador intravaginal, o medicamento pode ser aplicado com um aplicador vaginal.

A supressão menstrual pode reduzir o risco de adenose vaginal e endometriose e pode ser considerada em mulheres com comprometimento grave da mucosa genital.[74]

Terapia ocupacional e fisioterapia

Os pacientes podem desenvolver limitação na mobilidade com diminuição da força. Planeje exercícios diários de acordo com a capacidade do paciente, com a ajuda de um fisioterapeuta, e, se necessário, um terapeuta ocupacional.[44]

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