Abordagem

A avaliação de pacientes com suspeita de miopatia inflamatória idiopática (MII) começa com a obtenção da história detalhada e exame físico, seguidos de uma seleção cuidadosa de investigações.

História

A história do paciente deve incluir questões que avaliem a presença de sintomas que sugerem:[2]

  • Fraqueza proximal (dificuldade para realizar atividades como pentear o cabelo, alcançar objetos acima da cabeça, levantar-se da cadeira e subir escadas)

  • Fraqueza distal (dificuldade para escrever, tricotar e costurar)

  • Fraqueza troncular (dificuldade para se virar na cama e sentar-se)

  • Fraqueza no pescoço (dificuldade para levantar a cabeça)

  • Quedas frequentes

Pacientes com todos os subtipos de MII, exceto miosite de corpos de inclusão esporádica, apresentam sintomas de fraqueza proximal simétrica no início da doença, antes de desenvolver fraqueza geral em estágio avançado da doença.[2] Por outro lado, pacientes com miosite de corpos de inclusão desenvolvem fraqueza distal no início. Além disso, pacientes com miosite de corpos de inclusão costumam relatar quedas frequentes, como resultado do comprometimento precoce do quadríceps.[72] Pode ocorrer mialgia em pacientes com miopatia necrosante mediada imunologicamente.[73]

Além de determinar o padrão da fraqueza, as seguintes informações também devem ser obtidas:[2]

  • Severidade da fraqueza

    • Crônica (geralmente mais de 1 ano) na miosite de corpos de inclusão

    • Início agudo a subagudo em outros subtipos de MII

  • Presença de fatores desencadeantes (por exemplo, medicamentos, toxinas, infecções)

  • Outras causas, como metabólicas e endócrinas

A obtenção de história subsequente deve focar em determinar a presença de comprometimento extramuscular. Isso deve incluir:[2][74]

  • Presença de disfagia e disfonia. Avaliação de pneumonia por aspiração resultante da disfagia

  • Comprometimento da pele, com rash típico de dermatomiosite

    • Alguns pacientes com MII (por exemplo, síndrome antissintetase e doença anti-MDA5) apresentam apenas rash típico de dermatomiosite, mas não apresentam nenhum sintoma de fraqueza ou creatina quinase sérica elevada.

    • Mãos de mecânico e outros rashes nas mãos costumam receber um diagnóstico equivocado de dermatite de contato.

  • Sintomas de doença pulmonar intersticial; por exemplo, tosse seca, dispneia e tolerância reduzida ao esforço

  • Comprometimento cardíaco; por exemplo, dor torácica, palpitações, tolerância reduzida ao esforço, sintomas de insuficiência cardíaca

  • Dor articular periférica, edema e rigidez matinal que sugerem comprometimento da articulação

  • Fenômeno de Raynaud

  • Sintomas constitucionais, como febre e perda de peso

  • Presença de outros sintomas de doença do tecido conjuntivo

  • Rastreamento de neoplasia maligna. As questões devem incluir perda de peso não intencional, história familiar de câncer, tabagismo, febre inexplicada e sudorese noturna

Outras histórias relevantes, como a história médica pessoal e a história familiar, também devem ser obtidas.

Exame físico

Cada subtipo de MII tem um padrão único de comprometimento muscular e extramuscular. Assim, o exame físico de pacientes com suspeita de MII deve cobrir as seguintes áreas:

  • Teste de força muscular manual

  • Comprometimento da pele

  • Exame sistêmico direcionado

Teste de força muscular manual

Os seguintes itens devem ser avaliados ao realizar o teste de força muscular:

  1. Simetria do envolvimento muscular

  2. Grupo(s) de músculos envolvido(s) (por exemplo, proximal vs. distal)

  3. O grau de força em cada grupo muscular

O grau da força muscular pode ser determinado com o uso da escala do Medical Research Council ou de Kendall.[75][76]

Deve ser testada a força dos seguintes grupos musculares:[77]

  • Deltoide

  • Bíceps

  • Extensores do punho

  • Quadríceps

  • Dorsiflexores do tornozelo

  • Flexores do pescoço

  • Glúteo médio

  • Glúteo máximo

Embora a característica patognomônica da MII seja a fraqueza proximal simétrica, há exceções a essa regra.

  • Miosite de corpos de inclusão. O padrão de fraqueza muscular pode ser assimétrico, com fraqueza precoce no quadríceps.[77]​ Flexores do dedo/punho e extensores do joelho são predominantemente mais afetados.[78]​ Pode ocorrer fraqueza facial leve estendendo-se para os músculos extraoculares em até 60% dos pacientes.[27]​ Isso é observado em menor extensão em outros subtipos de MII. Em um estágio mais avançado da doença, todos os grupos musculares podem chegar a ser afetados.

  • Dermatomiosite clinicamente amiopática. Alguns pacientes com MII (por exemplo, síndrome antissintetase e doença anti-MDA5) apresentam apenas rash típico de dermatomiosite, mas não apresentam nenhum sintoma de fraqueza, nenhuma fraqueza no teste de força muscular ou creatina quinase sérica elevada.[2]

A presença de fraqueza muscular extraocular é improvável na MII e deve ensejar a avaliação de outras causas.

Comprometimento da pele

As lesões cutâneas características observadas em pacientes com MII são:[4][72][77][79]​​​

  • Eritema violáceo periorbital frequentemente associado a edema (rash heliotrópico)

  • Pápulas eritematosas a violáceas (pápulas de Gottron) e máculas (sinal de Gottron) sobrepondo as superfícies extensoras das articulações

  • Eritema da dobra ungueal periungueal com hemorragia cuticular puntiforme

  • Eritema na parte inferior anterior do pescoço e na parte superior do tórax (sinal V)

  • Eritema na parte posterior dos ombros, pescoço e parte superior das costas (sinal de xale)

  • Poiquilodermia, simultaneidade de hiperpigmentação, hipopigmentação, telangiectasia e atrofia superficial

  • Ulcerações nas articulações e pápulas palmares (especialmente na dermatomiosite anti-MDA5)

  • Erupções hiperceratóticas não pruriginosas nas superfícies laterais dos dedos (mãos de mecânico), que são uma característica importante em pacientes com síndrome antissintetase

  • Calcinose em pacientes com dermatomiosite juvenil, particularmente em associação com anticorpos anti-NXP2 e anti-TIF1-gama positivos

Exame sistêmico direcionado

Os pacientes devem ser avaliados quanto à presença de disfagia causada por fraqueza muscular nos músculos faríngeos ou na porção superior do esôfago.[4]

A presença de artrite é comum em pacientes com miopatia inflamatória idiopática, particularmente naqueles com síndrome antissintetase. O exame sistêmico direcionado geralmente encontra envolvimento simétrico das pequenas articulações das mãos, o que pode ser confundido com artrite reumatoide.[4]

Exames dos sistemas cardíaco e respiratório devem ser realizados para avaliar a presença de doença pulmonar intersticial, envolvimento cardíaco e sinais de insuficiência cardiorrespiratória. Pacientes com dermatomiosite positiva para anticorpos anti-MDA5 com doença pulmonar intersticial com rápida progressão podem desenvolver síndrome do desconforto respiratório do adulto e insuficiência respiratória, o que acarreta um prognóstico desfavorável.[4][79]

A presença de anormalidades sugestivas de neoplasia maligna deve ser avaliada com exames específicos que incluem abdome/pelve, mama e linfonodos (cervicais/axilares/inguinais) e espaço nasal posterior associado ao carcinoma nasofaríngeo.[74][80]

Investigações iniciais

As investigações para miopatia inflamatória idiopática consistem em exames laboratoriais, sorológicos, bioquímicos, estudos de imagem e biópsia muscular.[72][77]

Exames laboratoriais

Enzimas derivadas do músculo:[1]​​[4][77]​​​

  • A creatina quinase sérica é o marcador de diagnóstico e monitoramento mais sensível, embora seus níveis possam estar normais em alguns pacientes com miopatia inflamatória idiopática. A creatina quinase pode aumentar até 50 vezes o limite superior do normal na polimiosite, na dermatomiosite, na miosite de sobreposição e na síndrome antissintetase. Em pacientes com miopatia necrosante imunomediada, os níveis de creatina quinase podem estar significativamente elevados em até 100 vezes o limite superior do normal, mas os níveis de creatina quinase tendem a ser normais ou levemente elevados em não mais do que 10 vezes o limite superior do normal em pacientes com miosite de corpos de inclusão. É importante observar que a creatina quinase sérica também pode estar elevada em pacientes com rabdomiólise, infecções, miopatia relacionada a toxinas, doenças metabólicas, miopatia neurogênica e miopatia congênita, que, portanto, devem ser cuidadosamente descartadas.

  • A lactato desidrogenase, a aldolase, a mioglobina, a aspartato aminotransferase e a alanina aminotransferase também podem estar elevadas, mas são menos específicas para lesão muscular. Raramente, os níveis séricos de aldolase estão aumentados seletivamente sem elevação do nível de creatina quinase.

  • A velocidade de hemossedimentação pode estar elevada com artrite, serosite ou infecção concomitantes, mas está menos comumente elevada em pacientes com apenas miosite.

Exames sorológicos para autoanticorpos

Anticorpos miosite-específicos (MSA)/anticorpos miosite-associados (MAA):

Os MSAs/MAAs são encontrados em até 70% dos pacientes com miopatia inflamatória idiopática.[4][6]

  • A imunoprecipitação é o padrão-ouro para os exames de MSA/MAA, mas consome muito tempo para ser considerada adequada para os exames de rotina. Outros exames disponíveis (por exemplo, ensaio de imunoadsorção enzimática, imunoensaio com esferas direcionadas por laser e técnicas de immunoblotting) não detectam o repertório completo de MSAs, apresentam resultados variáveis em termos de desempenho e não possuem uma abordagem padronizada.[4][6]

  • A maioria dos MSAs produzirá um teste de fator antinuclear positivo, mas o padrão de coloração na imunofluorescência indireta não é distinto o suficiente para confirmar a especificidade do anticorpo. Determinados MSAs (especialmente aqueles associados à síndrome antissintetase) podem produzir um teste de FAN negativo ou apenas fracamente positivo.[6]

  • Os anticorpos antimitocôndria (AMA) podem ser encontrados em uma pequena porcentagem de adultos com dermatomiosite, polimiosite e miosite de corpos de inclusão. Nesses pacientes positivos para AMA foi relatada a presença de fenômeno de Raynaud, disfagia, cardiomiopatia e miopatia inflamatória idiopática mais grave. Entretanto, no momento, o AMA não é formalmente reconhecido como MSA ou MAA.[6]

  • Autoanticorpos associados a outras doenças do tecido conjuntivo, como lúpus eritematoso sistêmico e esclerose sistêmica e autoanticorpos associados relevantes também podem ser analisados dependendo do contexto clínico em pacientes com miopatia inflamatória idiopática com características clínicas de outras doenças do tecido conjuntivo.[6] Consulte Lúpus eritematoso sistêmico e Esclerose sistêmica.

Biomarcadores para miopatia inflamatória idiopática

  • Vários biomarcadores associados à avaliação da gravidade da doença e ao prognóstico para subtipos específicos de miopatia inflamatória idiopática (particularmente dermatomiosite anti-MDA5) foram sugeridos. Eles incluem ferritina, proporção neutrófilos/linfócitos, contagem de linfócitos periféricos, IL-6 e Krebs von den Lungen 6 (KL6).[79]

Possíveis estudos de imagem para pacientes com miopatia inflamatória idiopática incluem eletromiografia, ressonância nuclear magnética e ultrassonografia muscular.[77]

Eletromiografia (EMG)

Realiza-se uma EMG para confirmar o padrão miopático do distúrbio e para a exclusão de um distúrbio neurogênico primário.

Os registros típicos da EMG incluem:

  • Potenciais da unidade motora miopática caracterizados por recrutamento precoce

  • Unidades motoras polifásicas de curta duração e baixa amplitude na ativação voluntária

  • Aumento da atividade espontânea em repouso

Essas anormalidades não são específicas para miopatia inflamatória idiopática; elas podem ser observadas em várias miopatias e apenas na fase aguda da doença.[77]

Ressonância nuclear magnética (RNM)

A RNM, geralmente das coxas, é realizada para avaliar a extensão da inflamação muscular, a presença de atrofia muscular e substituição do tecido gorduroso. Se houver qualquer dúvida sobe o local mais apropriado para a biópsia muscular, a RNM pode ajudar a determinar o melhor local, seja no estágio inicial ou para quaisquer biópsias subsequentes.[72][81] A inflamação muscular é indicada quando a alta captação do sinal é observada em imagens com supressão de gordura e recuperação de inversão de tau curto (STIR) em T2, representando edema muscular, ou quando as imagens em T1 mostram infiltração de gordura pela alta captação do sinal, indicativa de lesão crônica.[2]

Ultrassonografia muscular

A ultrassonografia muscular é uma técnica de imagem facilmente disponível para avaliar pacientes com miopatia inflamatória idiopática. Ela possui alta sensibilidade para detecção de miopatia inflamatória idiopática comprovada por biópsia, com altos valores preditivos positivos e negativos quando realizada por um profissional experiente. O resultado pode incluir o seguinte:[2]

  • Miopatia inflamatória idiopática aguda, ecogenicidade leve "transparente" com massa muscular normal ou aumentada, provavelmente indicativa de edema.

  • Miopatia inflamatória idiopática crônica, o músculo parece mais atrofiado (aumento da ecogenicidade com redução do volume)

  • Dermatomiosite, a espessura fascial, indicativa de fasciite, está aumentada

  • Miosite de corpos de inclusão, maior ecogenicidade é observada no flexor profundo dos dedos em comparação ao flexor ulnar do carpo, conhecido como "contraste de ecogenicidade FPD-FUC"

Biópsia muscular

A biópsia muscular pode ser usada para confirmar a inflamação muscular, identificar o subtipo de miopatia inflamatória idiopática e descartar outras potenciais causas de miopatia.[72][77]

Investigações para manifestações extramusculares

As manifestações extramusculares em pacientes com miopatia inflamatória idiopática podem envolver os pulmões, o coração e o aumento do risco de neoplasia maligna.[58] Se houver suspeita de manifestações extramusculares, as investigações podem incluir o seguinte, dependendo da apresentação dos sintomas:​[2][58][74]​​​[82]

Pulmões, doença pulmonar intersticial:

  • Tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) dos pulmões

  • teste de função pulmonar

  • Capacidade de difusão

Coração, envolvimento cardíaco:

  • Troponinas

  • Eletrocardiograma

  • Ecocardiografia

  • Ressonância nuclear magnética (RNM) cardíaca

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal