Abordagem
A avaliação inicial envolve obter uma história e um exame físico detalhados (incluindo exame de toque retal [ETR]), e investigações iniciais.
História
Uma história detalhada inclui:
Descrição dos hábitos intestinais do paciente
Avaliação da duração e da gravidade dos sintomas
Qualquer história de eventos precipitantes, incluindo história medicamentosa.
Questões específicas sobre hábitos intestinais incluem: detalhes da frequência das fezes, consistência das fezes (pode ser classificada usando a escala de forma de fezes de Bristol [BSFS]), o tamanho das fezes, a urgência em defecar, o grau de esforço durante a defecação, a sensação de evacuação incompleta, a necessidade de descompactação por toque das fezes e qualquer história de ignorar a necessidade de defecar.
A história deve apurar o surgimento, a gravidade e a duração de cada sintoma. Os pacientes frequentemente definem constipação com base em esforço excessivo, sensação de evacuação incompleta, tentativas frustradas ou demoradas de defecar, fezes duras e, com menos frequência, pelo número de fezes por semana.[1][2][3] O American College of Gastroenterology descreve a constipação como uma defecação insatisfatória caracterizada por fezes infrequentes, dificuldade na passagem das fezes ou defecação que é infrequente e/ou dificultosa.[4]
O paciente também deve ser questionado sobre a presença de fatores de risco para constipação. Os fatores de risco incluem sexo feminino, idade >65 anos, dieta com baixo teor de fibras, ingestão inadequada de líquidos ou calorias, estilo de vida sedentário e uso de qualquer medicamento indutor de constipação (por exemplo, opioides, bloqueadores dos canais de cálcio, antipsicóticos, antidepressivos tricíclicos).[18][30][35] Procedimentos cirúrgicos e parto também podem estar associados à constipação, inclusive qualquer história de cirurgia abdominal, parto vaginal, necessidade de episiotomia ou lesão obstétrica.
Considere a constipação induzida por opioides nos pacientes que fizerem uso de opioides.[18]
Escala de Bristol para consistência de fezes e diário com a frequência das evacuações
Um diário prospectivo de fezes de 7 dias pode ser útil para documentar a frequência e a consistência das fezes, e outros sintomas de constipação.[37] Aplicativos digitais de evacuações, como o Constipation Stool Diary, foram validados como alternativa aos diários de papel com a frequência das defecações.[38][39]
A lembrança retrospectiva dos padrões de fezes muitas vezes pode ser pouco confiável.[40] Uma pontuação de forma das fezes de Bristol (BSFS) ≤3 indica fezes duras.
Tipo 1 - grumos duros separados, como nozes (difíceis de passar)
Tipo 2 - formato de salsicha, mas grumosas
Tipo 3 - formato de salsicha, mas com rachaduras na superfície
Tipo 4 - formato de salsicha ou cobra, lisa e macia
Tipo 5 - gotas macias com bordas de corte claro (passadas facilmente)
Tipo 6 - pedaços fofos com bordas irregulares, fezes moles
Tipo 7 - aguada, sem pedaços sólidos (totalmente líquida)
Exame físico
O exame físico inclui um exame neurológico detalhado para avaliar sinais de neuropatia, diabetes, hipotireoidismo, câncer gastrointestinal e problemas neurológicos. O abdome é examinado quanto a massas ou à presença de fezes nos quadrantes abdominais inferiores esquerdo ou direito. A inspeção anorretal busca escoriações na pele, acrocórdones, fissuras anais ou hemorroidas. Avaliação da sensação perineal e do reflexo anocutâneo suavemente batendo na pele perianal com uma haste flexível de algodão (ponta Q) ou agulha cega em todos os quatro quadrantes incitará contração por reflexo do esfíncter anal externo. Se esse reflexo estiver ausente, deve-se suspeitar de neuropatia.
Um ETR é realizado para avaliar estenoses retais, fezes no arco retal, fezes positivas para heme e retoceles. Se houver suspeita de retocele em uma paciente feminina, um exame vaginal pode ser útil.[9][41] O tônus do esfíncter anal é avaliado, tanto em repouso quanto durante contração.
Se houver fezes, sua consistência deve ser anotada e pacientes devem ser questionados quanto a se estavam cientes da sua presença. Não saber da presença das fezes no reto pode sugerir hipossensibilidade retal.
A avaliação do tônus em repouso e em contração do esfíncter anal e do músculo puborretal é feita pedindo-se ao paciente para contrair. O paciente deve ser solicitado a empurrar e pressionar para baixo como se fosse defecar. Durante essa manobra, o examinador deve perceber o relaxamento do esfíncter anal externo e/ou do músculo puborretal, junto com a descida perineal. Uma mão posicionada no abdome pode medir o esforço de pressão abdominal. Uma ausência desses achados normais deve elevar o índice de suspeita de um distúrbio da evacuação, como defecação dissinérgica.[8]
Características de alarme
Características de alarme detectadas durante exame físico e da história incluem:
Sangramento retal
Fezes positivas para sangue
Perda de peso
Sintomas obstrutivos
Surgimento recente dos sintomas
Prolapso retal
Mudança no calibre das fezes
Idade >50 anos.
A presença de qualquer uma dessas características indica um maior risco de causa secundária para constipação. Etapas subsequentes na avaliação diagnóstica e manejo inicial dependerão da presença ou ausência das características de alarme.
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Algoritmo diagnóstico para a constipação. Os laxantes tradicionais incluem laxantes formadores de volume fecal, laxantes osmóticos, laxantes estimulantes e amaciantes das fezes. Consulte a seção Abordagem de tratamento para obter detalhes adicionais. AXR: radiografia abdominalCriado pelo BMJ Knowledge Centre a partir de material fornecido por Satish Rao, MD e Ashok Attaluri, MD [Citation ends].
Investigações iniciais em pessoas com características de alarme
Um hemograma completo e estudos de eletrólitos séricos (incluindo cálcio e magnésio), glicose e função tireoidiana são realizados quando há suspeitas clínicas de uma causa secundária.[9][41] Não há estudos demonstrando a utilidade de realizar exames de sangue em todos os pacientes que apresentam constipação.
Radiografias e enemas de bário abdominais são realizados, embora sua especificidade e sensibilidade exatas nesse contexto não sejam conhecidas. A radiografia abdominal pode ser útil para avaliar a carga de fezes colônicas nos pacientes obesos, nos quais o exame físico é difícil. A colonoscopia também pode ser considerada. A American Society of Gastrointestinal Endoscopy recomenda a colonoscopia nos pacientes com constipação apenas se eles tiverem características de alarme ou anemia ferropriva. Os pacientes com mais de 50 anos de idade podem ser considerados para colonoscopia se não tiverem realizado rastreamento para câncer de cólon anteriormente.[42]
As diretrizes do Reino Unido recomendam testes imunoquímicos quantitativos fecais (FITs) como base para o encaminhamento nos casos de suspeita de câncer colorretal em adultos com alteração no hábito intestinal.[43] Se o resultado do FIT for ≥10 microgramas de hemoglobina/g de fezes, encaminhe os pacientes com urgência. O encaminhamento não deve ser protelado se houver suspeita clínica forte (por exemplo, devido a uma massa abdominal) e o FIT for negativo, ou se os pacientes não trouxerem suas amostras.[43]
Se qualquer uma dessas investigações revelar uma causa secundária, ela deve ser tratada adequadamente. Porém, se todas as investigações forem normais, os pacientes podem ser gerenciados e investigados melhor, embora não tenham características de alarme.
Manejo inicial de pessoas sem características de alarme
Os seguintes são tratamentos iniciais, cujos resultados ajudarão a decidir sobre a necessidade de investigações adicionais em pessoas sem características de alarme:
Educação do paciente
Orientação para ingerir uma dieta rica em fibras
Orientação para beber mais fluidos
Orientação para realizar exercícios regulares
Laxantes tradicionais.
Consulte Abordagem de tratamento.
A radiografia abdominal pode ser útil para avaliar a carga de fezes colônicas em pacientes obesos, nos quais o exame físico é difícil.
Investigações adicionais (pessoas sem características de alarme e pessoas com características de alarme com investigações iniciais normais)
Se as medidas de tratamento iniciais forem eficazes, elas devem ser continuadas. Porém, se forem ineficazes, após cerca de 6 a 8 semanas o diagnóstico de defecação dissinérgica será levado em consideração. Sintomas associados a dissinergia incluem:
Sensação de bloqueio anal
Esforço
Uso de manobras digitais para auxiliar na defecação.
Pacientes com constipação e avaliações negativas e/ou falta de resposta à terapia convencional devem passar por teste fisiológico. Testes fisiológicos incluem estudos de trânsito colônico, manometria anorretal, estudos de expulsão de balão e manometria colônica (indicada em pacientes selecionados). Embora não haja evidência definitiva de que isso afeta o desfecho do tratamento, essa abordagem define a fisiopatologia subjacente e facilita a terapia focada.[4][18][44]
Defecografia também pode ser realizada nesse estágio. A defecografia pode fornecer informações úteis sobre anatomia e pode ajudar na avaliação de vários parâmetros de função anorretal(ângulo anorretal em repouso e durante esforço, descida perineal, diâmetro anal, recuo do músculo puborretal, quantidade de esvaziamento retal e do retocele).[18][45] Uma vez que esse procedimento envolve exposição a altos níveis de radiação, o médico deve ter cuidado ao obter este teste, especialmente nas mulheres férteis. A ressonância nuclear magnética (RNM) pélvica dinâmica (defecografia por ressonância magnética) é uma modalidade mais recente que pode avaliar simultaneamente a anatomia global do assoalho pélvico e o movimento dinâmico.[46][47][48] No entanto, como os dados normativos para as defecografias e RMN com bário são escassos, a distinção entre normal e patologia anormal pode ser desafiadora, e as duas modalidades devem ser consideradas de maneira complementar.[18] Em uma revisão Cochrane de exames de imagem realizados em mulheres com sintomas de obstrução da defecação, a sensibilidade combinada para o estudo com bário, em comparação com a defecografia por RM para a descida do assoalho pélvico foi de 98% versus 94%, e a especificidade combinada foi de 83% versus 79%, respectivamente.[49]
Esses testes adicionais podem ajudar a diagnosticar constipação de trânsito lento ou defecação dissinérgica. Porém, esses testes não estão amplamente disponíveis e frequentemente precisam de encaminhamento a um hospital de nível terciário. Se o teste fisiológico for normal, o diagnóstico de síndrome do intestino irritável-constipação (SII-C) predominante pode ser considerado, especialmente se dor abdominal for um dos sintomas predominantes.
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