Etiologia

A HTG pode ser genética (primária) ou adquirida (secundária). As causas genéticas podem ser monogênicas ou poligênicas, mas uma causa monogênica é relativamente rara.[5][13]

Causas primárias/genéticas incluem quilomicronemia monogênica (anteriormente conhecida como hiperlipoproteinemia [HLP] do tipo 1 ou síndrome da quilomicronemia familiar), quilomicronemia multifatorial ou poligênica (anteriormente HLP do tipo 5 ou hiperlipidemia mista), HTG multifatorial ou poligênica (anteriormente HLP do tipo 4 ou HTG familiar), disbetalipoproteinemia (anteriormente HLP do tipo 3 ou disbetalipoproteinemia) e hiperlipoproteinemia combinada (anteriormente HLP do tipo 2B ou hiperlipidemia familiar combinada).[5][12]

Fatores secundários podem contribuir para a expressão clínica de HTG, mas isso geralmente ocorre em um contexto de suscetibilidade poligênica. As causas secundárias de HTG incluem condições clínicas, fatores de estilo de vida e medicamentos:[4][5][9]

  • Condições clínicas: diabetes mellitus, síndrome metabólica, resistência à insulina, obesidade, doença renal crônica, síndrome nefrótica, hipotireoidismo, gravidez (particularmente no terceiro trimestre, quando a elevação dos triglicerídeos associada à gravidez atinge a intensidade máxima), mieloma, lúpus eritematoso sistêmico, doença hepática, infecção por HIV, síndrome de Cushing, sarcoidose

  • Fatores de estilo de vida: consumo excessivo de álcool; dieta rica em gordura saturada, açúcar ou alimentos com alto índice glicêmico; estilo de vida sedentário

  • Medicamentos: glicocorticoides, esteroides anabolizantes, estrogênios orais, diuréticos tiazídicos e de alça, betabloqueadores não cardiosseletivos, isotretinoína, bexaroteno, propofol, sequestrantes de ácidos biliares, ciclofosfamida, asparaginase, capecitabina, interferona, tacrolimo, sirolimo, ciclosporina, inibidores da protease, agentes antipsicóticos de segunda geração (por exemplo, clozapina, olanzapina).

Fisiopatologia

Os triglicerídeos são transportados no corpo em lipoproteínas ricas em triglicerídeos que são compostas de lipídios centrais (triglicerídeos e ésteres de colesterol) e apolipoproteínas de superfície, fosfolipídios e colesterol livre; os dois principais tipos de lipoproteínas ricas em triglicerídeos são os quilomícrons e as lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL).[5][13] Os quilomícrons são secretados pelo intestino e transportam triglicerídeos exógenos (alimentares), enquanto a VLDL é secretada pelo fígado e transporta triglicerídeos de origem endógena.[13][19] As partículas de VLDL são distribuídas para os tecidos periféricos, onde são metabolizadas pelas lipases lipoproteicas (LPL) endoteliais para utilização de energia (tecido muscular) ou armazenamento (tecido adiposo).[19] Tanto as partículas de quilomícrons quanto as de VLDL são depuradas por uma via comum que se concentra na LPL, que deixa partículas remanescentes para catabolismo.[19] Tanto os remanescentes de quilomícrons quanto de VLDL são absorvidos pelo fígado, embora alguns remanescentes de VLDL sofram hidrólise adicional pela lipase hepática, o que leva à geração de partículas de lipoproteína de baixa densidade (LDL).[13] O nível de triglicerídeos circulante é determinado pela eficiência tanto da lipólise mediada por LPL quanto da subsequente captação de partículas remanescentes, que são mecanismos saturáveis, e à medida que as taxas de secreção e os níveis plasmáticos de triglicerídeos aumentam, a lipólise diminui.[19][20][21]

Quando a atividade da LPL é diminuída por razões genéticas ou adquiridas, a depuração das partículas de lipoproteínas ricas em triglicerídeos de origem exógena e endógena é comprometida, resultando em seu acúmulo no sangue.[5][19] Fatores extrínsecos como sobrepeso ou obesidade, consumir uma dieta rica em gordura saturada ou alimentos com alto índice glicêmico e consumo de etanol podem causar HTG aumentando a produção de quilomícrons e VLDL. As intervenções que reduzem os níveis de triglicerídeos podem reduzir a produção de VLDL e promover a depuração de VLDL, ou ambos.[5][19]

Outros distúrbios de lipoproteínas associados à HTG incluem um aumento nos níveis de colesterol não lipoproteína de alta densidade (não-HDL), porque a VLDL e os remanescentes são componentes importantes da família de lipoproteínas de colesterol não HDL.[22][23][24][25]​​​ Além disso, os níveis de apolipoproteína B (apoB) estão tipicamente aumentados, porque a apoB-100 de comprimento total é um componente estrutural importante tanto da VLDL quanto dos seus remanescentes.[23] Os níveis de colesterol remanescente são elevados na HTG, e parece que o conteúdo de colesterol das partículas remanescentes é muito mais proativamente aterogênico do que o conteúdo de triglicerídeos.[22] Além disso, os pacientes com HTG têm níveis aumentados de partículas de LDL pequenas e densas qualitativamente deletérias e altamente aterogênicas.[22][23]​​​ Por fim, as partículas de HDL estão quase sempre diminuídas nos pacientes com HTG; a diminuição das atividades da proteína de transferência de colesterol esterificado (CETP) e da LPL resultam em uma menor produção e a uma alteração da composição da HDL, o que aumenta o catabolismo da HDL.[19][26]​​​ A principal consequência clínica da HTG leve a moderada é o risco incremental ou residual dos desfechos de doença cardiovascular aterosclerótica (DCVA), como infarto do miocárdio e AVC, após se contabilizarem os níveis de colesterol LDL aterogênico.[27]​ Em contraste, a principal preocupação clínica da HTG grave é o risco elevado de pancreatite aguda, especialmente em crianças e adultos jovens com síndrome de quilomicronemia familiar monogênica devido ao comprometimento genético grave da lipólise plasmática.[28]​ Nos adultos com HTG grave devida a quilomicronemia multifatorial, há o risco adicional de desfechos de DCVA, além do aumento do risco de pancreatite aguda.[28]

Classificação

A HTG pode ser classificada de duas maneiras: 1) de acordo com a gravidade da elevação dos triglicerídeos; e 2) se a elevação de triglicerídeos é primária (genética) ou secundária (adquirida).[5][6]

As classificações históricas para os fenótipos da HTG foram baseadas em diferenças bioquímicas qualitativas e quantitativas nas lipoproteínas plasmáticas (por exemplo, os fenótipos de hiperlipoproteinemia [HLP] de Fredrickson ou da Classificação Internacional de Doenças [CID] da Organização Mundial da Saúde).[7] No entanto, a maioria dos laboratórios não tem mais tecnologia ou expertise para realizar essa fenotipagem complexa. Além disso, não existe nenhuma evidência randomizada e controlada para demonstrar que os desfechos clínicos são alterados pelo uso deste sistema. Portanto, um sistema de classificação simplificado baseado simplesmente no nível de triglicerídeos é atualmente preferencial.[5]

Diferentes diretrizes e sociedades têm valores diferentes para a classificação da gravidade da HTG.

  • Endocrine Society:[8]

    • Triglicerídeos normais: <1.7 mmol/L (<150 mg/dL)

    • HTG leve: 1.7 a 2.3 mmol/L (150-199 mg/dL)

    • HTG moderada: 2.3 a 11.2 mmol/L (200-999 mg/dL)

    • HTG grave: 11.2 a 22.4 mmol/L (1000-1999 mg/dL)

    • HTG muito grave: >22.4 mmol/L (≥2000 mg/dL)

  • American Heart Association/American College of Cardiology:[2]

    • HTG moderada: 2.0 a 5.6 mmol/L (175-499 mg/dL)

    • HTG grave: ≥5.6 mmol/L (≥500 mg/dL)

      Nota: para HTG moderada, o consenso de especialistas do American College of Cardiology de 2021 usa uma definição de triglicerídeos em jejum ≥1.7 mmol/L (≥150 mg/dL) ou triglicerídeos sem jejum ≥2.0 mmol/L (≥175 mg/dL) e triglicerídeos <5.6 mmol/ L (<500 mg/dL).[9]

  • Diretrizes do Adult Treatment Panel (ATP) III do National Cholesterol Education Program:[10]

    • Triglicerídeos normais em jejum: <1.7 mmol/L (<150 mg/dL)

    • Triglicerídeos elevados limítrofe: 1.7 a 2.3 mmol/L (150-199 mg/dL)

    • Triglicerídeos altos: 2.3 a 5.6 mmol/L (200-499 mg/dL)

    • Triglicerídeos muito altos: >5.6 mmol/L (≥500 mg/dL)

  • European Society of Cardiology/European Atherosclerosis Society:[11]

    • HTG leve a moderada: 2-10 mmol/L (175-885 mg/dL)

    • HTG grave: >10 mmol/L (>885 mg/dL)

O fato de existirem vários esquemas de classificação indica que nenhum esquema é o mais útil ou predominante na clínica.

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