Abordagem

Corticosteroides e imunossupressores compõem a base do tratamento. O julgamento clínico forma a base de qualquer decisão para tratar, devido à possível toxicidade dos medicamentos usados, o tratamento nem sempre pode ser indicado.

Pacientes com cirrose, osteopenia menopausada ou compressão vertebral, labilidade emocional ou psicose, hipertensão pouco controlada ou diabetes instável, apresentam aumento do risco de efeitos adversos com corticosteroides (e podem, portanto, ter um desfecho desfavorável).[1]

Indicações para tratamento

Todos os indivíduos com hepatite autoimune devem ser considerados candidatos à terapia, exceto aqueles com doença inativa com base na avaliação clínica, laboratorial e histológica.[1]

O tratamento é obrigatório quando os sintomas ou a atividade da doença são graves e na presença de hepatite autoimune grave.

Doença grave

Os pacientes serão considerados como tendo doença grave se apresentarem:[1][26][36]

  • níveis de aminotransferase sérica maiores que 10 vezes o limite superior do normal, ou

  • níveis de aminotransferase sérica 5 vezes o limite superior do normal com nível de gamaglobulina sérica ao menos duas vezes o limite superior do normal, ou

  • necrose em ponte ou necrose multiacinar na histologia hepática.

Hepatite autoimune aguda grave

Existem diferentes entidades clínicas de hepatite autoimune aguda grave:[26]

  • a exacerbação aguda da hepatite autoimune crônica, e

  • hepatite autoimune aguda verdadeira sem achados histológicos de doença hepática crônica.

A American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD) e a European Association for the Study of the Liver (EASL) definem a hepatite autoimune aguda grave como:[1][26]

  • icterícia

  • razão normalizada internacional (INR) >1.5 a <2

  • ausência de encefalopatia

  • ausência de doença hepática previamente reconhecida.

Esses pacientes devem ser tratados, a menos que outras considerações (por exemplo, alto risco de intolerância ao medicamento devido a comorbidades, cirrose inativa avançada) se apliquem.[1]

Pacientes que não atendem aos critérios para doença grave

O tratamento deve ser individualizado e a decisão de tratar ou monitorar é baseada na presença de sintomas (fadiga, artralgia, icterícia); níveis de aminotransferase sérica, gamaglobulinas ou ambas; e a presença de hepatite de interface na histologia hepática.[1]

O tratamento não deve ser iniciado em pacientes com cirrose que se tornou inativa e também pode ser adiado em pacientes com doença minimamente ativa que apresentam comorbidades.[1] Esses pacientes devem ser acompanhados de perto com avaliação em intervalos de 3 a 6 meses.[26]

Pacientes com fator antinuclear (FAN) negativo, mas com achados de biópsia sugestivos de hepatite autoimune, podem precisar de tratamento. A abordagem do tratamento seria ditada pelos mesmos parâmetros que informam o manejo de um paciente com FAN positivo.

Manejo de hepatite autoimune aguda grave

Pacientes com hepatite autoimune aguda grave devem ser tratados com monoterapia com corticosteroides em altas doses o mais cedo possível.[26]

Se não houver melhora em 7 a 14 dias, o paciente deve ser avaliado para transplante de fígado de emergência.[1][26]

Pacientes com hepatite autoimune aguda grave e insuficiência hepática aguda devem ser avaliados para transplante de fígado imediatamente.[1]

Esquemas de tratamento inicial para doença ativa

Os tratamentos iniciais recomendados para hepatite autoimune incluem um corticosteroide isolado ou em combinação com terapia imunossupressora.[1][26][36]

Monoterapia com corticosteroide

A AASLD recomenda a monoterapia com corticosteroides como um possível tratamento inicial para pacientes com hepatite autoimune que não apresentam hepatite aguda grave ou insuficiência hepática aguda.[1]

A British Society of Gastroenterology (BSG) e a EASL recomendam que a monoterapia com corticosteroides seja reservada para pacientes com contraindicação à terapia imunossupressora (por exemplo, citopenia, neoplasias malignas ativas ou deficiência de tiopurina metiltransferase [TPMT]), ou quando o ciclo de tratamento presumido será curto (ou seja, menos de 6 meses).[26][36]

A monoterapia com corticosteroide é contraindicada em mulheres menopausadas e pacientes com osteoporose, diabetes, glaucoma, catarata, hipertensão, depressão maior e labilidade emocional.[1][26][36]

A prednisolona é um metabólito ativo da prednisona e qualquer uma pode ser usada; no entanto, a cirrose avançada pode prejudicar significativamente a conversão da prednisona em prednisolona, embora esse comprometimento geralmente seja insuficiente para alterar a resposta ao tratamento ou justificar a administração preferencial de prednisolona.[1][41][42]

A budesonida é recomendada como uma alternativa à prednisona ou prednisolona em pacientes não cirróticos que apresentaram, ou apresenta, aumento do risco de, efeitos colaterais graves com prednisona ou prednisolona (por exemplo, diabetes mal controlado, osteoporose, psicose).[26][36] A maioria dos estudos é favorável e relata boa resposta ao tratamento.[43][44][45][46]​​​[47] A monoterapia com budesonida demonstrou normalização das transaminases, mas as respostas histológicas ao tratamento não foram bem estudadas até agora; portanto, a budesonida é contraindicada em pacientes com cirrose e pacientes que apresentam hepatite autoimune aguda grave.[1]

Terapia com corticosteroides associados a imunossupressores

A AASLD recomenda a combinação de um corticosteroide associado a azatioprina como um tratamento inicial alternativo para pacientes com hepatite autoimune que não apresentam hepatite aguda grave ou insuficiência hepática aguda.[1]

A BSG e a EASL recomendam a combinação de um corticosteroide associado a azatioprina como opção de tratamento inicial quando o ciclo de tratamento presumido é >6 meses, visto que resulta em menos efeitos colaterais e melhor eficácia em comparação com a monoterapia com corticosteroide.[26][36]

A azatioprina deve ser iniciada 2 semanas após o tratamento com corticosteroides para confirmar a responsividade aos corticosteroides, avaliar o status de TPMT e avaliar a resposta ao tratamento, descartando a possibilidade de hepatite induzida por azatioprina.[1][26] Algumas pessoas têm atividade reduzida da enzima TPMT, que medeia a eliminação da mercaptopurina (o metabólito ativo da azatioprina). Aqueles com menor atividade de TPMT correm maior risco de toxicidade pela azatioprina; portanto, é recomendado que todos os pacientes sejam testados rotineiramente para atividade de TPMT.[1][26][36] A azatioprina deve ser evitada ou usada em dose mais baixa naqueles com menor atividade de TPMT.

A azatioprina não é recomendada para pacientes com cirrose descompensada.[1]

A azatioprina pode ser continuada durante a gravidez.[1][26] Os efeitos adversos da azatioprina incluem hepatite colestática, doença veno-oclusiva, pancreatite, náuseas, vômitos e supressão da medula óssea.

A prednisolona é um metabólito ativo da prednisona e qualquer uma pode ser usada; no entanto, a cirrose avançada pode prejudicar significativamente a conversão da prednisona em prednisolona, embora esse comprometimento geralmente seja insuficiente para alterar a resposta ao tratamento ou justificar a administração preferencial de prednisolona.[1][41][42]

A budesonida é recomendada como uma opção alternativa à prednisona ou prednisolona em pacientes não cirróticos que apresentaram, ou apresentam, aumento do risco de, efeitos colaterais graves com prednisona ou prednisolona (por exemplo, diabetes mal controlado, osteoporose, psicose).[26][36] A budesonida não deve ser usada em pacientes com cirrose ou que apresentem hepatite autoimune aguda grave.[1]

Um estudo de pacientes pediátricos com hepatite autoimune comparou a combinação de prednisona e azatioprina versus budesonida e azatioprina e não encontrou diferenças estatisticamente significativas na resposta e nos efeitos adversos.[48] Tendências não significativas foram observadas, incluindo peso mais baixo no grupo da budesonida e taxa de remissão bioquímica modestamente melhorada no grupo da prednisona.

O micofenolato e a ciclosporina podem ser considerados imunossupressores alternativos à azatioprina para pacientes intolerantes à azatioprina ou com contraindicação ao seu uso.[1]

O micofenolato combinado com prednisona foi relatado por evidências de revisão sistemática como superior à azatioprina com prednisona na normalização dos níveis de alanina aminotransferase, aspartato aminotransferase e imunoglobulina G e na taxa de não resposta em pacientes com hepatite autoimune.[49][50] O micofenolato é contraindicado na gravidez.[1]

Estudos demonstraram que a ciclosporina normaliza os níveis séricos de transaminase e melhora a histologia em pacientes com hepatite autoimune sem efeitos adversos significativos que requeiram o término da terapia.[51][52] Entretanto, seu alto perfil de toxicidade pode limitar seu uso em virtude do aumento do risco de hipertensão, insuficiência renal, hiperlipidemia, hirsutismo, infecção oportunista e malignidade.

Manejo da hepatite autoimune com colangite biliar primária (síndrome de sobreposição)

Pacientes com características histológicas de hepatite autoimune, mas achados sorológicos de cirrose biliar primária (isto é, anticorpos antimitocondriais [AMA] direcionados a enzimas na família 2-oxoácido desidrogenase) podem progredir rapidamente para cirrose, então mesmo pacientes assintomáticos devem ser tratados.

Uma combinação de um corticosteroide associado a imunossupressor é geralmente preferencial.[1] Pacientes com contraindicações à terapia com imunossupressores (por exemplo, citopenia, neoplasias malignas ativas ou deficiência de TPMT) são tratados com monoterapia com corticosteroide.[3]

O ácido ursodesoxicólico deve ser administrado em combinação com terapia imunossupressora em pacientes com síndrome de sobreposição.[1]

Esquemas de tratamento de segunda linha (manejo do fracasso do tratamento, resposta incompleta e intolerância a medicamento)

As terapias de segunda linha são usadas para controlar a falha do tratamento, a resposta incompleta e a intolerância ao medicamento.[1]

A falha do tratamento é definida como agravamento das características clínicas, laboratoriais e histológicas apesar da observância à terapia.[1] Uma elevação dos valores de aminotransferase em pelo menos 67% geralmente é considerada um sinal de falha do tratamento, bem como o desenvolvimento de icterícia, ascite ou encefalopatia hepática. Pelo menos 9% dos pacientes adultos e 5% a 15% das crianças apresentam falha no tratamento com esquemas de tratamento padrão.

A resposta incompleta é definida como falha em alcançar remissão após 3 anos de terapia, com alguma ou nenhuma melhora nas características clínicas, laboratoriais e histológicas, mas sem agravamento da doença. Esse desfecho é observado em aproximadamente 15% dos pacientes.[1]

A intolerância ao tratamento indica a incapacidade de continuar a terapia devido aos efeitos adversos do medicamento.[1]

A AASLD recomenda um ensaio com micofenolato ou tacrolimo para crianças e adultos com hepatite autoimune que apresentam falha no tratamento, resposta incompleta ou intolerância ao medicamento aos agentes de primeira linha. Com base na facilidade de uso e no perfil de efeitos adversos, a AASLD sugere o micofenolato em vez do tacrolimo como agente de segunda linha inicial.[1] O micofenolato é contraindicado na gravidez.[1]

A EASL e a BSG recomendam uma abordagem padrão para controlar a falha do tratamento com doses muito altas de um corticosteroide ou uma combinação de um corticosteroide com azatioprina por pelo menos 1 mês.[26][36] A dose do corticosteroide e da azatioprina é reduzida após cada mês de melhora clínica e laboratorial, e a redução da dose é mantida até que os níveis convencionais de manutenção dos medicamentos sejam atingidos.

Terapia de manutenção

A terapia de manutenção deve ser continuada até a remissão, falha do tratamento, resposta incompleta ou toxicidade medicamentosa.[1]

Os corticosteroides são usados isoladamente ou em combinação com um imunossupressor (por exemplo, azatioprina, mercaptopurina). A preferência do medicamento é informada de acordo com as opções de tratamento iniciais e depende de comorbidades e intolerância. Possíveis complicações da terapia imunossupressora em longo prazo incluem oncogenicidade e teratogenicidade.

Doença hepática descompensada

A terapia combinada não é recomendada para pacientes com doença hepática descompensada; a monoterapia com corticosteroide em altas doses é aconselhada antes da avaliação para transplante.[1][26] Ainda é controverso se a terapia medicamentosa com corticosteroides afeta a história natural ou reduz a necessidade de transplante de fígado.

No geral, o transplante de fígado é amplamente bem-sucedido com taxa de sobrevida em 5 anos de 80% a 90%.[1]​ Pacientes que recebem transplantes de fígado para hepatite autoimune, no entanto, têm maior risco de desenvolver rejeição celular e ductopênica aguda, em comparação com pacientes que recebem transplante de fígado para outras doenças.[53]

Prevenção de recidiva em longo prazo

A recidiva é definida como a exacerbação da atividade da doença após a indução da remissão e retirada do medicamento e ocorre em até 87% dos adultos e 80% das crianças.[1] Essa infecção é comumente assintomática.

O exame do tecido hepático antes da retirada do medicamento pode ajudar a descartar inflamação não suspeita e reduzir a frequência de recidiva.[1]

Os pacientes que apresentam recidiva após a retirada do medicamento geralmente respondem ao regime original.[1] Um esquema de manutenção de longo prazo pode ser implementado quando a remissão bioquímica é alcançada.

Pontos finais do tratamento

A remissão está associada ao desaparecimento dos sintomas, à melhora dos níveis de aminotransferase sérica, à normalização dos níveis de bilirrubina sérica e gamaglobulina e à normalização da histologia hepática ou com inflamação mínima, mas sem hepatite de interface.[1]

A normalização dos índices antes do fim do tratamento confere uma redução do risco relativo de recidiva entre 3 e 11 vezes com 87% dos pacientes que alcançam a remissão sustentada com valores normais antes da descontinuação do tratamento. Aproximadamente 65% dos pacientes entram em remissão dentro de 18 meses de terapia e 80% dentro de 3 anos, com uma duração média de tratamento para remissão de 22 meses.[1] Adultos raramente alcançam a remissão em menos de 12 meses e a probabilidade de remissão diminui após 2 anos.[1] A melhora histológica fica atrás da melhora clínica e laboratorial por 3 a 6 meses, o que é importante ao considerar biópsia hepática repetida.[3]

A recidiva ocorre em 20% a 100% dos pacientes que entram em remissão, dependendo dos achados histológicos antes da supressão do medicamento.[1] Pacientes com histologia normal têm uma frequência de 20% de recidiva, enquanto pacientes com hepatite portal no término do tratamento têm uma frequência de recidiva de 50% dentro de 6 meses.[1] Pacientes com evolução para cirrose durante o tratamento ou com hepatite de interface na supressão do medicamento comumente têm recidiva.[1]

A toxicidade medicamentosa requer descontinuação prematura ou alteração da terapia convencional em 13% dos pacientes.[1]

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