Abordagem

O quadro clínico de apresentação da hepatite autoimune pode ser semelhante ao de muitas outras doenças hepáticas. As características da hepatite autoimune incluem a presença de outras doenças autoimunes, níveis elevados de aminotransferase, presença de autoanticorpos específicos e hepatite de interface na biópsia hepática.[1][20]

História médica

As manifestações clínicas são variáveis, desde doença assintomática até insuficiência hepática fulminante. Os sintomas comuns incluem:[1]

  • fadiga

  • mal-estar

  • letargia

  • anorexia

  • náuseas

  • desconforto abdominal

  • prurido leve

  • artralgia envolvendo pequenas articulações.

Raramente, os pacientes podem apresentar febre, oligomenorreia, encefalopatia e sangramento gastrointestinal associado à hipertensão portal.[1][21][22]

Uma história de outras doenças autoimunes pode estar presente, como tireoidite, diabetes do tipo 1, doença celíaca e colite ulcerativa.[1][3]​​​

Exame físico

Em geral, os sinais físicos estão ausentes em pacientes com hepatite autoimune.

Sinais de doença hepática crônica avançada (por exemplo, nevos aranha, cabeça de medusa, esplenomegalia, ascite, eritema palmar) ou manifestações de doença autoimune extra-hepática podem ser observados (por exemplo, vitiligo, doença inflamatória intestinal).[1]

Avaliação laboratorial

Testes da função hepática (TFHs) são realizados em todos os pacientes que apresentam os sintomas e sinais descritos. Em pacientes com hepatite autoimune, eles serão anormais na apresentação.

Os níveis de aminotransferase (alanina aminotransferase [ALT] e aspartato aminotransferase [AST]) são mais visivelmente elevados que os níveis de bilirrubina e de fosfatase alcalina (FAL), com valores que variam de 200 a 300 unidades internacionais/L, embora os valores de muitos milhares sejam às vezes encontrados em pacientes com evolução aguda (fulminante).[23]

Os níveis de bilirrubina e de FAL estão aumentados de modo leve a moderado na maioria dos pacientes. Entretanto, a hepatite autoimune pode se apresentar com um quadro colestático marcado por altos níveis de bilirrubina conjugada e de FAL.[14]

Gama globulina sérica elevada, particularmente imunoglobulina (Ig) G, é outra característica laboratorial típica.[1] Os níveis de albumina sérica podem ser reduzidos e o tempo de protrombina prolongado.[24][25]​​

Pacientes cujos testes da função hepática (TFH) são anormais e são examinados quanto a autoanticorpos séricos para determinar se têm hepatite autoimune e, se tiver, qual o tipo. Pacientes de todas as idades geralmente são examinados rotineiramente quanto a todos os autoanticorpos disponíveis.[1]

Categorização sorológica da hepatite autoimune

Hepatite autoimune do tipo 1

Caracterizada pela detecção de fator antinuclear (FAN) e/ou anticorpos antimúsculo liso (AML)/anticorpos anti-actina.[1]

FANs são encontrados em 43% dos pacientes com hepatite autoimune to tipo 1 e são os marcadores tradicionais da doença, embora não sejam específicos da doença.[26] São direcionados contra antígenos nucleares diversos, incluindo centrômeros, ribonucleoproteínas e complexos de ribonucleoproteína.[2] Pacientes com hepatite autoimune do tipo 1 com FAN positivo também podem ter anticorpos direcionados contra ácido desoxirribonucleico (DNA) de fita simples (anti-ssDNA) e DNA de fita dupla (anti-dsDNA).[27]​ Os AMLs são direcionados contra componentes de actina e não actina, incluindo tubulina, vimentina, desmina e esqueletina, além de serem os marcadores padrão da hepatite autoimune.[2] Anticorpos antiactina são encontrados em 41% dos pacientes com hepatite autoimune do tipo 1.[26]

Hepatite autoimune do tipo 2

A hepatite autoimune do tipo 2 é caracterizada por anticorpos contra o microssoma renal hepático tipo 1 (anti-LKM-1), geralmente na ausência de FAN e AML.[1]

Os anticorpos contra o citosol hepático tipo 1 (anti-LC1) estão presentes em 32% dos pacientes com anti-LKM-1, ocorrendo principalmente em crianças com doença grave.​[1] Nem anti-LKM-1, nem anti-LC1 são específicos da doença, pois também foram identificados em uma pequena proporção (5% a 10%) de pacientes adultos e pediátricos com infecção crônica por hepatite C.[3]​​

Os anticorpos anti-LKM-3 estão presentes em 17% dos pacientes com hepatite autoimune do tipo 2 e podem ser úteis na avaliação de pacientes soronegativos.[1]

Anticorpos contra antígeno hepático solúvel/pâncreas hepático (anti-SLA/LP) são encontrados em aproximadamente 10% a 30% de todos os pacientes com hepatite autoimune.[28][29]​ Anti-SLA/LP é o único autoanticorpo específico da doença e, portanto, tem alto valor diagnóstico. Isso levou ao desenvolvimento de ensaios comerciais confiáveis para a detecção de anti-SLA/LP (ensaio de imunoadsorção enzimática [ELISA] e dot-blot).[26]

Pacientes soronegativos para FAN/AML ou anti-SLA/LP

Em pacientes soronegativos para FAN/AML ou anti-SLA/LP, é útil testar a presença de autoanticorpos citoplasmáticos antineutrófilos perinucleares atípicos (p-ANCA) e anticorpos contra o receptor de asialoglicoproteína (anti-ASGP-R) para determinar se eles têm hepatite autoimune.[1]

A prevalência de p-ANCA, tradicionalmente associada com a colangite esclerosante primária e doença inflamatória intestinal, é de 40% a 95% em pacientes com hepatite autoimune do tipo 1.[2][3]​ O anti-ASGP-R é direcionado contra uma glicoproteína transmembrana na superfície de hepatócitos (ASGP-R) e parece estar correlacionado à atividade histológica.[2]

Pacientes com cirrose biliar primária

Pacientes com cirrose biliar primária terão exame positivo para anticorpos antimitocondriais (AAM), mas vale lembrar que eles também podem ser observados na hepatite autoimune (síndrome de sobreposição).[1]

Outros testes para descartar diagnósticos diferenciais

O diagnóstico diferencial inclui hepatite alcoólica, hepatite viral, lesão hepática induzida por medicamento, doença de Wilson, deficiência de alfa 1-antitripsina e esteatose hepática associada a disfunção metabólica (antes conhecida como esteatose hepática não alcoólica). Os seguintes exames são solicitados para ajudar a descartar alguns desses diagnósticos diferenciais:[1]

  • anticorpos imunoglobulina M (IgM) contra vírus da hepatite A (IgM anti-HAV)

  • teste para o antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg)

  • anticorpos contra antígeno do núcleo da hepatite B (anti-HBc)

  • anticorpo contra hepatite C e RNA viral da hepatite C (hepatite viral)

  • ceruloplasmina sérica (doença de Wilson)

  • nível de alfa 1-antitripsina (deficiência de alfa 1-antitripsina)

  • ferro sérico e capacidade total de ligação do ferro (hemocromatose genética).

Sistema de pontuação para diagnóstico

O sistema de pontuação para diagnóstico do Grupo Internacional de Hepatite Autoimune (IAIHG) foi criado em 1993, revisado em 1999 e simplificado em 2008 (ver Critérios).[1] O escore revisado pode ser útil para aqueles pacientes que não apresentam características típicas de hepatite autoimune.[1] É necessária a validação dos escores original e simplificado revisados em estudos prospectivos.

Assim que o diagnóstico tiver sido determinado, e antes do tratamento, recomenda-se que os pacientes sejam examinados quanto à atividade da tiopurina metiltransferase (TPMT). Em pacientes com deficiência de TPMT, a azatioprina é contraindicada.[1]

Exames de imagem

A maioria dos pacientes com elevação das enzimas hepáticas passará por uma ultrassonografia abdominal. Não há características de imagem típicas para hepatite autoimune; no entanto, a ultrassonografia pode avaliar obstrução biliar extra-hepática, anormalidades na morfologia do fígado e mudanças associadas com a hipertensão portal, como esplenomegalia.[30][31]​​

Histologia hepática

A menos que contraindicado, uma biópsia hepática deve ser realizada para determinar o diagnóstico e avaliar o estado do fígado antes do tratamento, pois a terapia pode alterar os achados histológicos.[1][26]​ A rota percutânea geralmente não é considerada segura se a razão normalizada internacional (INR) é superior a 1.5 ou a contagem plaquetária é inferior a 50,000/mm³. A via transjugular é preferencial em pacientes com coagulopatia, trombocitopenia grave ou ascite​.[32] As possíveis complicações incluem sangramento, perfuração do intestino e pneumotórax. O risco de mortalidade é muito baixo (0.01%).[33]

A hepatite autoimune é caracterizada por uma lesão periportal ou hepatite de interface (um infiltrado portal mononuclear com plasmócitos). O diagnóstico depende da presença de plasmócitos em abundância. Algum grau de fibrose está quase invariavelmente presente. Outras características histológicas incluem hepatite panacinar (lobular) e necrose centrilobular (zona 3 de Rappaport), que supostamente são manifestações histológicas precoces da hepatite autoimune.

A fibrose pode estar ausente nas formas mais leves da doença e ser extensa na doença avançada, conectando as áreas portal e central (ponte) e levando à distorção arquitetural de lóbulos, aparecimento de nódulos regenerativos e cirrose.

Alterações no ducto biliar podem estar presentes em aproximadamente 25% dos pacientes, mas geralmente são leves. As alterações biliares proeminentes são indicativas de um processo alternativo da doença e devem levantar suspeita de colangite esclerosante primária ou síndromes de sobreposição.

Um infiltrado de plasmócitos, rosetas de hepatócitos e células gigantes multinucleadas podem ser observadas.[1][34]

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