Abordagem

O objetivo do tratamento é reduzir a mortalidade por todas as causas e as consequências adversas de saúde relacionadas ao fígado, incluindo doença hepática em estágio terminal e carcinoma hepatocelular, chegando à cura virológica (evidenciada por uma resposta virológica sustentada).[66]​ Os antivirais de ação direta (DAAs) são o tratamento padrão. A utilização dos DAAs melhorou substancialmente o tratamento do vírus da hepatite C (HCV) e tornou possível a cura virológica na maioria dos pacientes.[82]

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Infecção aguda

O tratamento deve ser iniciado em todos os pacientes com infecção aguda por HCV com viremia sem aguardar resolução espontânea. Os mesmos regimes usados para infecção crônica são recomendados para infecção aguda.[66]

Infecção crônica

As diretrizes da American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD)/Infectious Diseases Society of America (IDSA) recomendam o tratamento antiviral para todos os pacientes com infecção crônica por HCV, exceto aqueles com baixa expectativa de vida que não podem ser tratados com terapia de HCV, transplante de fígado ou outra terapia direcionada. Estudos demonstram que o tratamento de um estágio precoce da doença está associado com a melhora dos desfechos em comparação com a expectativa de que a doença progrida para estágios mais avançados. Pacientes com uma curta expectativa de vida devem ser tratados por um especialista. Caso o tratamento seja postergado por qualquer razão, recomenda-se realizar a avaliação contínua da doença hepática[66]

O rápido desenvolvimento dos DAAs resultou em mudanças nas diretrizes do tratamento, sendo as recomendações atualizadas constantemente pela AASLD. Os leitores são aconselhados a consultar o site em busca de alterações nas recomendações.[66] Diretrizes usadas podem diferir segundo os países e os fatores de custo são importantes em alguns países para determinar as decisões quanto ao tratamento.

AASLD/IDSA: HCV guidance - recommendations for testing, managing, and treating hepatitis C Opens in new window

Às vezes, as recomendações da AASLD são consideradas controversas, pois elas podem diferir das indicações da bula aprovadas para alguns medicamentos.

Os componentes do esquema de medicamentos incluem:

  • Elbasvir/grazoprevir

  • Glecaprevir/pibrentasvir

  • Ledipasvir/sofosbuvir

  • Sofosbuvir/velpatasvir

  • Sofosbuvir/velpatasvir/voxilaprevir.

Os regimes de ombitasvir/paritaprevir/ritonavir com ou sem dasabuvir, daclatasvir associados a sofosbuvir e regimes de sofosbuvir associado a simeprevir não são mais recomendados pelas diretrizes da AASLD, mas ainda podem ser usados em outros países.

Os esquemas específicos usados primeiramente dependem do genótipo e da presença ou ausência de cirrose. Embora raros, os ensaios de genotipagem podem indicar a presença de uma infecção mista (por exemplo, genótipo 1a e genótipo 2). Regimes pangenotípicos que exibem atividade contra os genótipos 1 a 6 (por exemplo, sofosbuvir/velpatasvir, sofosbuvir/velpatasvir/voxilaprevir e glecaprevir/pibrentasvir) devem ser considerados nesses pacientes.[66] Os regimes pangenotípicos requerem durações de tratamento relativamente mais curtas e simplificaram bastante o tratamento da infecção por HCV.

Esquemas de tratamento simplificados

  • As diretrizes da AASLD recomendam esquemas de tratamento simplificados em pacientes elegíveis. Para se qualificar para o tratamento simplificado, os pacientes devem ser adultos com infecção crônica pela hepatite C (qualquer genótipo) que não tenham cirrose descompensada e que não tenham recebido tratamento anteriormente para sua condição. Qualquer paciente com doença renal em estágio terminal e cirrose compensada, um episódio atual ou prévio de cirrose descompensada, carcinoma hepatocelular conhecido ou suspeito ou história de transplante de fígado não é elegível para tratamento simplificado. Além disso, gestantes e pacientes que são positivos para antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg) também não são elegíveis. Em pacientes com coinfecção por HIV, a abordagem simplificada não deve ser usada naqueles com esquemas contendo tenofovir desoproxila caso sua TFGe seja <60 mL/minuto devido à necessidade de monitoramento adicional.[66]

  • Os esquemas simplificados recomendados são glecaprevir/pibrentasvir por 8 semanas (todos os genótipos) ou sofosbuvir/velpatasvir por 12 semanas (todos os genótipos, exceto o genótipo 3, que requer o teste basal de substituições associadas à resistência ao NS5A primeiro).[66]

  • Os algoritmos de tratamento simplificado fornecem orientações claras e concisas sobre a avaliação pré-tratamento, o monitoramento durante o tratamento, a avaliação da resposta e o acompanhamento. Pensa-se que esses regimes simplificados podem expandir o número de profissionais da saúde que prescrevem terapia antiviral e, portanto, aumentar o número de pacientes tratados.[66]

Eficácia de DAAs

  • Uma revisão Cochrane de 138 ensaios clínicos randomizados (25,232 pacientes) comparando DAAs sem intervenção ou placebo, isoladamente ou com cointervenções, revelou que os DAAs têm sido estudados principalmente em curto prazo, tendo resposta virológica sustentada (RVS) como um desfecho alternativo, e há pouco ou nenhum dado até o momento sobre o efeito dos DAAs na morbidade ou mortalidade relacionada a hepatite C.[83] A AASLD/IDSA discordou das conclusões da revisão e divulgou uma resposta na qual exige que os autores da revisão se retratem ou revisem as conclusões.[84] A European Association for the Study of the Liver também publicou uma declaração em resposta à revisão expressando sérias preocupações sobre as conclusões da revisão.[85] As conclusões da revisão foram atualizadas em setembro de 2017; os autores concluíram que não eram capazes de determinar o efeito do tratamento em longo prazo com DAAs, que não tinham certeza de como o tratamento com DAAs afeta a morbidade e a mortalidade e que, embora os DAAs possam reduzir o número de pessoas com vírus detectável em seu sangue, a RVS (como desfecho) ainda requer validação adequada.[83][86]

  • Um grande estudo de coorte retrospectivo de mais de 245.000 participantes adultos nos EUA descobriu que DAAs foram independentemente associados a um menor risco de mortalidade, bem como doença hepática (por exemplo, carcinoma hepatocelular) e não hepática (por exemplo, doença renal crônica, doença cardiovascular, diabetes, câncer) em comparação com nenhum tratamento. A taxa de mortalidade por todas as causas foi de 36.5 mortes por 1000 pessoas-ano para aqueles tratados com DAAs, em comparação com 64.7 mortes por 1000 pessoas-ano naqueles que não foram tratados.[87]

  • Um grande estudo de coorte constatou que o tratamento com DAAs está associado à redução do risco de mortalidade por todas as causas e de carcinoma hepatocelular após o ajuste para possíveis fatores de confundimento (por exemplo, idade, sexo, escore de fibrose, genótipo do HCV). Após a inclusão no estudo, foram disponibilizadas informações de acompanhamento de 9895 pacientes, sendo que 31% destes apresentavam cirrose. Curiosamente, neste estudo, observou-se também um menor risco de morte não relacionada ao fígado.[88]

  • Um estudo de coorte prospectivo de 1760 pacientes constatou que a RVS global era de 96.6% em pacientes com infecção por HCV tratados com DAAs e que os DAAs reduziram significativamente o risco de novas complicações relacionadas ao fígado, como descompensação hepática, desenvolvimento de carcinoma hepatocelular, necessidade de transplante de fígado e morte.[89]

  • Apesar do uso bem-sucedido dos DAAs, um estudo de coorte de base populacional com 21,790 pacientes descobriu que aqueles que completaram o tratamento com sucesso apresentavam uma alta taxa de mortalidade em comparação com a população em geral (entre 3 e 14 vezes maior, dependendo do estágio da doença hepática), com as causas de morte relacionadas aos medicamentos e ao fígado são as principais causas do excesso de mortalidade. Portanto, são necessários apoio e acompanhamento contínuos após a conclusão de um tratamento bem-sucedido, a fim de se garantir o máximo impacto do tratamento.[90]

Avaliações antes do início do tratamento

Antes de iniciar o tratamento, as seguintes avaliações são recomendadas:[66]

  • Estadiamento da fibrose hepática

  • Hemograma completo (até 6 meses antes do início do tratamento)

  • INR (até 6 meses antes do início do tratamento)

  • Perfil hepático (até 6 meses antes do início do tratamento)

  • Taxa de filtração glomerular estimada (até 6 meses antes do início do tratamento)

  • Genótipo e subtipo do HCV

  • RNA-HCV quantitativo (carga viral do HCV)

  • História de doença hepática descompensada e gravidade da doença hepática por meio do escore de Child-Pugh (em pacientes programados para receber um inibidor da protease NS3)

  • Presença de substituições associadas à resistência AASLD/IDSA: HCV resistance primer Opens in new window

  • Coinfecção por HIV

  • Teste de gravidez sérico (em mulheres em idade fértil que estão começando um esquema com ribavirina).

A introdução de DAAs nos esquemas de tratamento do HCV significa que há um aumento do risco de interações medicamentosas com outros medicamentos que o paciente possa estar tomando concomitantemente (por exemplo, antirretrovirais, anticonvulsivantes, antifúngicos, corticosteroides, estatinas, antibióticos, fitoterápicos). Possíveis interações medicamentosas devem ser avaliadas antes de se iniciar um esquema de tratamento antiviral, principalmente em pacientes com coinfecção por hepatite C/HIV que recebem terapia antirretroviral, pois determinados medicamentos podem ser contraindicados com esses medicamentos ou um ajuste da dose pode ser necessário.

A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA emitiu um aviso sobre o risco de reativação da hepatite B em pacientes tratados com DAAs e com infecção atual ou prévia por hepatite B.[91] Embora o risco seja baixo, a reativação da hepatite B resultou em problemas graves no fígado (exigindo transplante de fígado) ou morte. Todos os pacientes devem ser rastreados quanto a evidências de infecção atual ou prévia por hepatite B (ou seja, com teste para antígeno de superfície da hepatite B [HBsAg], anticorpo contra o antígeno de superfície da hepatite B [anti-HBs] e anticorpo contra o antígeno de núcleo da hepatite B [anti-HBc]) antes de iniciarem o tratamento com DAAs. Os pacientes com teste positivo para HBsAg conhecido ou encontrado devem ser avaliados para saber se seu nível de DNA do vírus da hepatite B atende aos critérios de iniciação a terapia antiviral para hepatite B. A vacinação contra hepatite B é recomendada para todos os indivíduos suscetíveis.[66]

Ribavirina não é recomendada para mulheres com potencial para engravidar e seus parceiros durante ou, pelo menos, 6 meses antes da gravidez. As mulheres com potencial para engravidar devem ser aconselhadas a não engravidarem enquanto recebem um esquema contendo ribavirina e pelo menos 6 meses após suspender o esquema. Parceiros de mulheres com potencial para engravidar devem tomar cuidado para evitar a gravidez enquanto recebem um esquema com ribavirina e até 6 meses após suspender o esquema.[66]

Resposta ao tratamento

A resposta virológica sustentada (RVS) é definida como RNA-HCV não detectável no soro 12 semanas ou mais depois da conclusão do tratamento, o que está bem correlacionado à ausência em longo prazo do vírus.[66]

Uma revisão sistemática constatou altas taxas de RVS para todos os esquemas aprovados pela FDA. As taxas de RVS foram >95% em pacientes com infecção pelo genótipo 1 para a maioria das combinações de medicamentos e populações de pacientes. Constatou-se que as taxas globais de efeitos adversos graves e a descontinuação do tratamento são baixas (<10%) em todos os pacientes.[92]

Pacientes que não alcançam uma RVS (ou seja, devido à falha do tratamento em depurar a infecção ou em manter a depuração da infecção com recidiva após a conclusão do tratamento) têm a possibilidade de apresentar lesão hepática contínua e transmissão com infecção em andamento. Esses pacientes devem ser monitorados para doença hepática progressiva e considerados para repetição do tratamento quando tratamentos alternativos estão disponíveis.[66] As opções recomendadas para pacientes submetidos a tratamento prévio dependem do esquema prévio do paciente que resultou em falha do tratamento.[66]

Populações exclusivas de pacientes

As estratégias de manejo e os esquemas medicamentosos podem diferir em algumas populações de pacientes: por exemplo, gestantes, crianças, pacientes com comprometimento renal (ou pacientes com transplante de rim), coinfecção por HCV/HIV, cirrose descompensada, homens que fazem sexo com homens, indivíduos que usam drogas injetáveis, ambientes corretivos e aqueles que desenvolvem infecção recorrente por HCV após transplante de fígado. O tratamento desses pacientes está fora do escopo deste tópico, e as diretrizes devem ser consultadas.[66] As diretrizes de HIV dos Estados Unidos recomendam os esquemas de tratamento da diretriz da AASLD.[93]

Cirrose descompensada

Inclui pacientes com comprometimento hepático moderado ou grave (Child-Pugh classe B ou C) que podem ou não ser candidatos a transplante de fígado, inclusive aqueles com carcinoma hepatocelular. Esses pacientes devem ser encaminhados a um médico com experiência no tratamento desses pacientes, de preferência em um centro de transplante de fígado. O esquema de tratamento dependerá do genótipo do paciente e da elegibilidade para receber ribavirina.[66]

Alguns DAAs são contraindicados ou não são recomendados em pacientes com comprometimento hepático moderado a grave (Child-Pugh B ou C). A FDA recebeu relatos raros de agravamento da função hepática ou insuficiência hepática quando estes pacientes são tratados com os seguintes medicamentos:

  • Elbasvir/grazoprevir

  • Glecaprevir/pibrentasvir

  • Sofosbuvir/velpatasvir/voxilaprevir

  • Ombitasvir/paritaprevir/ritonavir ± dasabuvir.

Estes medicamentos não são indicados para pacientes com comprometimento hepático moderado a grave, e a maioria dos casos notificados se refere a pacientes que não deveriam ter recebido prescrição para estes medicamentos porque apresentavam sinais e sintomas de doença hepática avançada (ou outros problemas hepáticos graves) antes do início do tratamento. No geral, estes eventos adversos ocorreram nas primeiras 4 semanas de tratamento. A resolução dos sintomas (ou melhora no agravamento da função hepática) ocorreu na maioria dos pacientes após a interrupção da medicação; entretanto, alguns casos levaram a insuficiência hepática e morte. Ao prescrever estes medicamentos, avalie a gravidade da doença hepática na linha basal e monitore o paciente quanto a sinais e sintomas clínicos que indiquem agravamento da função hepática (por exemplo, aumento das enzimas hepáticas, ascite, icterícia, hemorragia por varizes, encefalopatia) durante o tratamento. Isto é especialmente importante nos pacientes com problemas hepáticos graves preexistentes ou fatores de risco que possam contribuir para o agravamento clínico da função hepática durante o tratamento (por exemplo, carcinoma hepatocelular, abuso de álcool). Estes medicamentos não devem ser prescritos para pacientes com história de descompensação hepática prévia. Descontinue o uso destes medicamentos em pacientes que desenvolvam evidências de descompensação hepática, ou se clinicamente indicado.[94][95] Consulte um especialista ao se decidir sobre o esquema antiviral adequado para pacientes com comprometimento hepático moderado a grave.

Pacientes que desenvolvem infecção por hepatite C recorrente após o transplante de fígado também devem ser encaminhados a um especialista para tratamento.

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