Abordagem
O tratamento de sepse em crianças exige o reconhecimento imediato. Revisões de mortes em crianças sugerem que costuma haver falha no reconhecimento de sepse e choque séptico, com consequente tratamento tardio ou inadequado no primeiro contato com os serviços de saúde.[93][94] Portanto, a instrução dos pais e dos profissionais da saúde da comunidade para que reconheçam os primeiros sinais de sepse tem imensa importância.
Uma abordagem ABC (vias aéreas, respiração e circulação [do inglês Airway, Breathing e Circulation]) padrão com ênfase particular na administração precoce de antibióticos e ressuscitação fluídica é essencial no tratamento de crianças com sepse e choque séptico.[59][95]
Paediatric Sepsis Six
Vários estudos demonstraram a importância de cuidados protocolizados e pacotes de cuidados na sepse pediátrica, especialmente quando desenhados e implementados com a compreensão das nuances do sistema de saúde local.[6][96][97][98][99][100] A iniciativa Paediatric Sepsis Six é um exemplo de pacote de cuidados destinado a facilitar o tratamento imediato da sepse utilizando 6 elementos de cuidados de maneira urgente.
Recomenda-se que as seguintes 6 intervenções sejam iniciadas até 1 hora após a manifestação de uma suspeita de sepse:[101]
Médicos sênior e experientes ou especialistas devem ser envolvidos e consultados precocemente.
Oxigênio suplementar deve ser administrado se a saturação de oxigênio for inferior a 92% ou se houver evidência de choque.
Deve-se obter acesso intravenoso (IV) ou intraósseo (IO) nos 5 minutos após a apresentação e fazer exames de sangue, incluindo hemocultura, glicemia (a hipoglicemia deve ser tratada) e gasometria arterial, capilar ou venosa. Hemograma completo, lactato sérico e proteína C-reativa iniciais também devem ser solicitados para avaliação.
Antibióticos intravenosos ou IO devem ser administrados com cobertura de amplo espectro, de acordo com as políticas locais.
Deve ser considerada ressuscitação fluídica. Se o lactato for >2 mmol/L, administre fluidos em bolus de 10 mL/kg sem demora e informe a unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP) se for >4 mmol/L. Deve-se tomar cuidado para evitar sobrecarga hídrica examinando o paciente regularmente (por exemplo, se há crepitações pulmonares e hepatomegalia).
O suporte vasoativo-inotrópico deve ser considerado precocemente se os parâmetros fisiológicos normais não forem restaurados após a administração de ≥20 mL/kg de fluidos (ou ≥10 mL/kg em neonatos). Informe urgentemente a UTIP ou um centro regional nesta fase.
Suporte respiratório e às vias aéreas
As vias aéreas e a respiração devem ser controladas de acordo com algoritmos pediátricos de suporte avançado de vida e ressuscitação.
As vias aéreas do paciente devem ser mantidas o tempo todo; nem todos os pacientes com sepse ou choque séptico precisam de intubação e ventilação. Recomenda-se intubação se for necessário suporte respiratório ou se o paciente apresentar rebaixamento do nível de consciência. A ventilação mecânica diminui a carga de trabalho cardíaca nos pacientes com comprometimento cardiovascular, pois reduz o esforço da respiração e exerce efeitos positivos na função do ventrículo esquerdo.[102] O médico deve estar preparado para colapso cardiovascular e/ou parada cardíaca durante a indução de anestesia para intubação. A ressuscitação fluídica e o uso de inotrópicos concomitantes devem ser considerados durante a indução anestésica. São recomendados agentes anestésicos com perfil cardiovascular relativamente estável (por exemplo, cetamina com atropina).[95] O etomidato não é atualmente recomendado para anestesia em crianças com choque séptico em virtude de preocupações relativas à supressão adrenal.[6]
Deve-se fornecer oxigênio suplementar, inicialmente em alta concentração, caso haja instabilidade cardiovascular ou choque.[95] Ele deve ser preferivelmente administrado por meio de uma máscara de oxigênio com reservatório ou uma câmara pressurizada em torno da cabeça ("headbox") em neonatos. Então, o oxigênio deve ser ajustado de acordo com a oximetria de pulso para atingir uma saturação de oxigênio >94% assim que o paciente estiver hemodinamicamente estável. Deve-se ter cuidado em neonatos prematuros ou com suspeita de cardiopatia congênita.
Ressuscitação fluídica inicial
Ocorre uma intensa perda de fluidos do espaço intravascular na sepse, em virtude de extravasamento capilar, que pode persistir por vários dias. A ressuscitação fluídica tem o objetivo de restaurar a frequência cardíaca, a pressão arterial e o tempo de enchimento capilar normais do paciente.[95]
A escolha do fluido é tópico de debate, mas menos importante, contanto que o fluido seja isotônico. As diretrizes da Surviving Sepsis Campaign pediátrica recomendam o uso de soluções cristaloides equilibradas/tamponadas (solução de Hartmann ou solução de Ringer lactato), em vez de soro fisiológico ou albumina para ressuscitação inicial. Embora faltem dados pediátricos de alta qualidade, as evidências de estudos observacionais e de intervenção em adultos favorecem o uso de soluções balanceadas devido ao conteúdo de cloreto no soro fisiológico que induz acidose metabólica hiperclorêmica quando administrado em grandes quantidades.[6]
Atualmente, não há evidências suficientes para fazer uma recomendação a favor ou contra o uso de coloides em crianças.[103][104][105]
[ ]
[Evidência B] Soluções contendo amido (incluindo hidroxietilamido - HES) não devem ser usadas no tratamento da sepse, pois há evidências que mostram que aumentam o risco de disfunção renal e mortalidade.[108][109][110]
Diante dos riscos graves causados a essas populações de pacientes, o Pharmacovigilance Risk Assessment Committee da European Medicines Agency, em fevereiro de 2022, recomendou suspender as soluções para infusão com HES na Europa.[107] A Surviving Sepsis Campaign não recomenda o uso de amidos para os pacientes com sepse e choque séptico.[111] Nos EUA, a Food and Drug Administration (FDA) divulgou alterações em alertas de segurança, em julho de 2021, para as soluções que contêm HES, declarando que os produtos com HES não devem ser usados, a menos que uma alternativa adequada de tratamento não esteja disponível.[106]
O suporte vasoativo-inotrópico deve ser considerado precocemente no choque refratário a fluidos.
Manejo hídrico inicial de acordo com o cenário
A orientação sobre ressuscitação fluídica inicial da Surviving Sepsis Campaign estratifica o manejo hídrico recomendado de acordo com se a criança está ou não sendo tratada em um centro com disponibilidade de cuidados intensivos:[6]
Se houver um centro de cuidados intensivos, administre até 40-60 mL/kg de fluido em bolus (administrado como bolus individuais de 10-20 mL/kg de cada vez) durante a primeira hora, ajustado para marcadores clínicos de débito cardíaco e interrompido se sinais de sobrecarga hídrica se desenvolverem. Se uma criança apresentar evidência de perfusão anormal após 40-60 mL/kg de fluidos, de acordo com a Surviving Sepsis Campaign (ou 20 mL/kg, de acordo com o Sepsis 6 Toolkit), ou antes, se desenvolver sobrecarga hídrica, o tratamento deve ser intensificado para incluir o início de inotrópicos/vasopressores, que normalmente seriam administrados em um ambiente de cuidados intensivos.
Se não houver disponibilidade de cuidados intensivos e a criança for normotensa, os fluidos de manutenção devem ser iniciados sem a administração de fluidos em bolus. Essa recomendação é baseada no ensaio FEAST, no qual o fluido em bolus rápido na primeira hora de ressuscitação, administrado em um ambiente com recursos limitados, aumentou a mortalidade em comparação com apenas os fluidos de manutenção.[112][113]
Se não houver disponibilidade de cuidados intensivos e a criança for hipotensa, recomenda-se a administração de até 40 mL/kg de fluidos em bolus durante a primeira hora, administrados em bolus individuais de 10-20 mL/kg de cada vez e ajustados de acordo com os marcadores clínicos de débito cardíaco. Deve-se suspender a administração caso haja sinais de sobrecarga hídrica (ou seja, aumento do esforço respiratório, crepitações pulmonares, hepatomegalia, ritmo de galope).
Os pacientes podem precisar de grandes volumes de fluido para dar suporte ao seu volume circulante
Não é incomum uma criança com choque séptico receber >100 mL/kg de ressuscitação fluídica nas primeiras 24 horas de internação em virtude da má distribuição de fluidos. No entanto, eles devem sempre ser monitorados rigorosamente quanto a sinais de sobrecarga hídrica. Identificar a sobrecarga hídrica é especialmente difícil em crianças pequenas, nas quais estertores costumam estar ausentes no exame respiratório, mesmo no contexto de edema pulmonar grave. O agravamento do estado respiratório, particularmente aumento da frequência respiratória, evidência radiológica de edema pulmonar ou hepatomegalia nova ou em expansão podem ser os únicos indícios de sobrecarga hídrica em evolução.[6]
Requisitos de fluido de manutenção
Varia de acordo com a condição clínica e deve ser avaliada e adaptada de acordo com as necessidades de cada criança. As necessidades de fluidos são calculadas pela seguinte equação:
(4 mL/kg para os primeiros 10 kg) + (2 mL/kg para cada kg entre 11-20) + (1 mL/kg para cada kg >20) = taxa horária.
Por exemplo, para calcular a taxa horária de manutenção de fluidos para uma criança pesando 23 kg:
(4 mL x 10 kg) + (2 mL x 10 kg) + (1 mL x 3 kg) = taxa horária
40 mL + 20 mL + 3 mL = 63 mL/hora.
As necessidades de fluidos avaliadas por essa equação são frequentemente superestimadas. A recomendação habitual é restringir os fluidos a 60% a 80% do valor estimado com base na equação, pois crianças com sepse frequentemente apresentam retenção de líquidos decorrente da presença de síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético. Por outro lado, as perdas insensíveis de líquido podem estar aumentadas se a criança tiver febre significativa.
É importante avaliar os fluidos em paralelo à revisão formal regular do estado de hidratação, do equilíbrio hídrico, da função renal e dos níveis séricos de eletrólitos.
O National Institute for Health and Care Excellence (NICE) publicou uma orientação sobre a sepse e uma orientação sobre fluidoterapia intravenosa em crianças e neonatos hospitalizados.[50][114][Evidência B][Evidência C] As diretrizes do NICE sobre sepse recomendam que idade, perfil de fator de risco e mensuração do lactato de um paciente devem orientar a ressuscitação fluídica.[50]
Manutenção adicional do equilíbrio hídrico
Em pacientes que não conseguem manter um equilíbrio hídrico uniforme naturalmente após a ressuscitação fluídica adequada, pode ser indicada diurese ou terapia renal substitutiva (TRS).[6]
A sobrecarga hídrica é comum em crianças criticamente enfermas com instabilidade hemodinâmica e lesão renal aguda, e é importante monitorar a ocorrência dos sinais clínicos (ou seja, crepitações pulmonares à ausculta, hepatomegalia, >10% de aumento de peso a partir da linha basal).
Administração precoce de diuréticos e TRS contínua devem ser consideradas caso ocorra sobrecarga hídrica. No contexto de lesão renal aguda e sobrecarga hídrica, existem cada vez mais evidências indicando que o uso precoce de TRS e o controle ativo do equilíbrio hídrico melhoram a sobrevida.[115][116]
A oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) venoarterial pode ser usada como terapia de resgate em crianças com choque séptico apenas se refratária a todos os outros tratamentos.[6]
Antibioticoterapia
A administração precoce de antibióticos salva vidas. Iniciar os antibióticos até uma hora após o reconhecimento da suspeita de sepse é uma das intervenções recomendadas no protocolo de cuidados Paediatric Sepsis Six.[59] As diretrizes da Surviving Sepsis Campaign pediátrica recomendam fortemente que os antibióticos sejam administrados o mais rápido possível, e sempre dentro de 1 hora após o reconhecimento da sepse, se houver sinais de choque séptico.[6]
A Academy of Medical Royal Colleges (AOMRC) emitiu uma declaração em maio de 2022 (retificada em outubro de 2022) recomendando que o momento da terapêutica antimicrobiana deve se basear na gravidade da doença, de acordo com a National Paediatric Early Warning Scoring Tool (PEWS).[117] Isso reforça que qualquer criança indisposta (por exemplo, com características de sepse grave ou choque séptico) ou aquelas com escore >9 no National PEWS devem receber antibióticos até 1 hora após a identificação da sepse; é importante enfatizar que as evidências mais sólidas do benefício relativo à mortalidade pela administração precoce de antibióticos são observadas nos pacientes mais prostrados.[118][119]
Em adultos, um estudo revelou que para cada hora de retardo no início da administração de antibióticos no choque séptico existe um aumento associado de 7.6% na mortalidade.[120] Existem poucos estudos similares em crianças; entretanto, existem evidências convincentes de que a administração precoce de antibióticos salva vidas também de crianças hipoativas. Em um estudo retrospectivo com 80 crianças com "sepse grave"/choque séptico, observou-se que as que receberam antibióticos até 1 hora depois da internação apresentaram níveis significativamente mais baixos de lactato sérico e de proteína C-reativa nas primeiras 24 horas de internação.[121] Outro estudo retrospectivo em 130 crianças com "sepse grave" ou choque séptico relatou um aumento na razão de chances (3.92) para mortalidade em crianças ingressadas na unidade de terapia intensiva pediátrica que recebem antibióticos passadas 3 horas do reconhecimento da sepse (ou 4.84 após ajuste para gravidade de doença).[122]
Infelizmente, muitos protocolos e métricas de desempenho atuais não diferenciam de maneira adequada a infecção não complicada da sepse, e não permitem um tempo suficiente para que se distingua a sepse de síndromes inflamatórias não infecciosas.[123][124]
Isso promove, potencialmente, a administração desnecessária de antibióticos de amplo espectro e contribui para a resistência antimicrobiana, o que representa uma nova ameaça à saúde púbica global.[125]
Em crianças com pontuações entre 5 e 8 no National PEWS, a declaração recomenda que os médicos têm <3 horas para uma avaliação e investigação detalhadas para orientar a antibioticoterapia direcionada. Esse tempo é estendido para <4 horas nos pacientes com pontuações entre 1 e 4. Não se trata de uma recomendação para se protelar desnecessariamente a administração dos antimicrobianos, mas sim para fornecer mais tempo nos protocolos para que os médicos investiguem as potenciais fontes de infecção e administrem uma terapia direcionada. Essa declaração diverge dos atuais protocolos nacionais (que recomendam a administração de antibióticos a todos em até 1 hora), mas o parecer de muitos órgãos nacionais (incluindo o UK Sepse Trust, a Paediatric Critical Care Society e a Intensive Care Society) sugerem que a implementação nas políticas nacionais ocorrerá em um futuro próximo. A declaração da AOMRC também oferece uma estrutura de suporte à decisão clínica para os médicos que tratam pacientes com suspeita de infecção. Ela recomenda uma revisão clínica precoce por um médico experiente, investigações, períodos de observação/escalonamento e uma estratégia de tratamento com base nas alterações fisiológicas pelo uso do National PEWS.
A escolha do antibiótico é complexa e deve se basear na síndrome clínica, na doença subjacente, em intolerâncias ou alergias medicamentosas e na suscetibilidade ao patógeno local. O tratamento deve ser iniciado com antibióticos de amplo espectro adequados para abranger os organismos prevalentes para cada faixa etária e área geográfica. Isso deve ser mudado para um esquema adequado de antibioticoterapia de espectro estreito, quando um patógeno causador for identificado.[6]
É aconselhável revisar a antibioticoterapia diariamente quanto ao efeito clínico e reduzir quando for adequado. Um ciclo de 5 a 7 dias de antibióticos intravenosos seria suficiente na maioria das infecções menos complicadas. Em infecções profundas ou disseminadas, ou em infecções em pacientes imunocomprometidos, podem ser necessários ciclos prolongados de antimicrobianos.
Antibióticos para sepse neonatal de início precoce
A sepse neonatal de início precoce (SIP) é definida como sepse neonatal ocorrendo nas primeiras 72 horas de vida.[9]
O esquema de antibioticoterapia deve cobrir estreptococos do grupo B (GBS) e bacilos Gram-negativos. Um exemplo de esquema de antibioticoterapia empírico adequado recomendado pelo National Institute for Health and Care Excellence do Reino Unido é benzilpenicilina associada à gentamicina.[83] A ampicilina associada a gentamicina é outro exemplo.[9] Não há evidências suficientes que respaldem a superioridade de nenhum esquema de antibioticoterapia para sepse neonatal de início precoce em relação a outro. São necessários ensaios clínicos randomizados e controlados maiores.[126]
Antibióticos para sepse neonatal de início tardio
A sepse neonatal de início tardio (SIT) é definida como sepse neonatal ocorrendo depois das primeiras 72 horas até 1 mês de vida.[10]
Os organismos causadores são diferentes dos da SIP e variam amplamente entre as unidades. Em países desenvolvidos, estafilococos coagulase-negativos são a principal causa, seguidos por estreptococos do grupo B e bactérias Gram-negativas.
As opções de tratamento para os organismos causadores incluem:
Estafilococos coagulase-negativos: vancomicina
SGB, Escherichia coli, enterococos: cefotaxima ou piperacilina/tazobactam
Bactérias Gram-negativas (por exemplo, Klebsiella): gentamicina
Pseudomonas: ceftazidima ou piperacilina/tazobactam
Listeria monocytogenes: ampicilina
Bactérias anaeróbias (por exemplo, enterocolite necrosante): metronidazol ou clindamicina
Não há evidências suficientes que respaldem a superioridade de nenhum esquema de antibioticoterapia para sepse neonatal de início tardio em relação a outro. São necessários ensaios clínicos randomizados e controlados maiores.[9] Exemplos de esquemas de antibioticoterapia empíricos adequados incluem ampicilina associada à gentamicina ou cefotaxima ou vancomicina associada à gentamicina ou cefotaxima. Ceftazidima ou piperacilina/tazobactam pode ser adicionada ao esquema empírico se houver suspeita de Pseudomonas. Metronidazol ou clindamicina pode ser adicionado ao esquema empírico para cobrir anaeróbios/enterocolite necrosante.
Antibióticos para lactentes e crianças pequenas
Os esquemas de antibioticoterapia empíricos devem abranger os organismos comuns mais prevalentes (por exemplo, Staphylococcus, Streptococcus, Neisseria meningitides e Haemophilus influenzae). Para infecções adquiridas na comunidade, uma cefalosporina de terceira geração (por exemplo, cefotaxima e ceftriaxona) é uma opção de primeira linha adequada. Para infecções hospitalares, pode ser usada uma penicilina de largo espectro (por exemplo, piperacilina/tazobactam) ou um carbapenêmico (por exemplo, meropeném). Pode-se considerar uma maior ampliação dessa cobertura (por exemplo, com gentamicina ou vancomicina), dependendo de fatores específicos de cada caso.[127] Entretanto, em crianças sem comprometimento imunológico e sem alto risco de patógenos multirresistentes, não é recomendado o uso rotineiro de vários antimicrobianos empíricos direcionados contra o mesmo patógeno.[6]
O meropeném fornece cobertura de amplo espectro contra bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, incluindo Pseudomonas. Piperacilina/tazobactam e ciprofloxacino também cobrem bactérias Gram-negativas.[127] A vancomicina é recomendada para tratamento dos estafilococos coagulase-negativos e/ou Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) associados ao cateter vascular. Ela também é recomendada para pacientes com neutropenia, para tratar a sepse associada ao cateter.[128] A teicoplanina pode também ser utilizada para essa indicação. A clindamicina deve ser usada para síndromes do choque tóxico induzidas por toxinas com hipotensão refratária.[6]
Em pacientes neutropênicos, piperacilina/tazobactam ou meropeném são considerados agentes de primeira linha. As diretrizes do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) dão suporte ao uso de piperacilina/tazobactam como agente de primeira linha com progressão para um carbapenêmico (como meropeném) se houver deterioração clínica (por exemplo, choque).[128]
As fluoroquinolonas devem ser evitadas se alternativas estiverem disponíveis
Quando houver alternativas eficazes e apropriadas que possam ser prontamente administradas, os antibióticos fluoroquinolonas devem ser evitados. Em novembro de 2018, a European Medicines Agency (EMA) concluiu uma revisão dos efeitos adversos graves, incapacitantes e potencialmente irreversíveis associados aos antibióticos fluoroquinolonas sistêmicos e inalatórios. Entre os efeitos adversos estão tendinite, ruptura de tendão, artralgia, neuropatias e outros efeitos sobre os sistemas musculoesquelético ou nervoso. Em consequência desta revisão, a EMA agora recomenda restringir o uso dos antibióticos fluoroquinolonas somente a casos de infecção bacteriana grave e com risco de vida. Os pacientes mais idosos e os que apresentam comprometimento renal ou tenham sofrido transplante de órgãos sólidos e aqueles tratados com corticosteroides têm maior risco de danos a tendões. Deve-se evitar a coadministração de uma fluoroquinolona e um corticosteroide.[129] A Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency (MHRA) do Reino Unido respalda esta recomendação.[130] A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA emitiu uma comunicação de segurança semelhante em 2016, restringindo o uso de fluoroquinolonas em casos de sinusite aguda, bronquite aguda e infecções do trato urinário não complicadas.[131] Além dessas restrições, a FDA emitiu avisos sobre o aumento do risco de dissecção de aorta, hipoglicemia significativa e efeitos adversos para a saúde mental em pacientes que tomam fluoroquinolonas.[132][133]
Apoio precoce de especialista
Médicos sênior e experientes ou especialistas devem ser envolvidos e consultados precocemente. Uma revisão sobre mortes de crianças no Reino Unido sugeriu que o fator evitável recorrente mais significativo foi a falha em reconhecer e/ou em avaliar o histórico ou sinais clínicos que indicavam a gravidade da doença.[93][94] Isso ocorreu com mais frequência no instante do primeiro contato entre a criança doente (frequentemente febril) e os serviços de saúde. Em muitos casos, isso causa um atraso crítico no encaminhamento ou tratamento.
Terapia vasoativa
Se a instabilidade cardiovascular persistir apesar da ressuscitação fluídica, a terapia vasoativa (vasopressores e/ou inotrópicos) deve ser considerada. O uso precoce de vasoativos no choque refratário a fluidos mostrou melhorar os desfechos.[95][134]
As diretrizes da Surviving Sepsis Campaign pediátrica recomendam adrenalina ou noradrenalina como o agente vasoativo de primeira linha preferencial. A dopamina pode ser substituída se adrenalina ou noradrenalina não estiverem prontamente disponíveis.[6]
Para não atrasar o tratamento, medicações vasoativas de concentração diluída podem ser administradas através de acesso intravenoso periférico antes da inserção de cateter central. O acesso intraósseo é uma alternativa caso o acesso intravenoso não esteja disponível.[95]
Se o monitoramento hemodinâmico avançado estiver disponível, distinguir choque vasoconstritor ("frio") e choque vasodilatador ("quente") pode ser útil para orientar a terapia. Esta distinção não deve ser feita com base em sinais clínicos isolados.[6] No choque vasoconstritor, definido como baixo débito cardíaco com alta resistência vascular sistêmica ou baixo débito cardíaco com baixa resistência vascular sistêmica, inotrópicos (incluindo milrinona, dobutamina ou levosimendana) devem ser administrados além de titulação de fluido e um agente vasoativo inicial (adrenalina, noradrenalina ou dopamina). No choque vasodilatador, definido como alto débito cardíaco com baixa resistência vascular sistêmica, agonistas dos receptores da vasopressina (vasopressina) devem ser administrados além da titulação de fluidos e um agente vasoativo inicial (adrenalina, noradrenalina ou dopamina).[6][95] O débito cardíaco deve ser monitorado de maneira minuciosa. O uso da ecocardiografia direcionada está se tornando mais disseminado nas unidades de terapia intensiva pediátricas e pode fornecer informações valiosas para diferenciar um choque vasodilatador dos pacientes com baixo débito cardíaco.[135]
Caso um paciente se torne refratário ao vasopressor ou inotrópico ao qual respondeu inicialmente, é necessário fazer uma reavaliação. Pode ser necessário um vasopressor ou inotrópico adicional ou substituto.
Manejo da temperatura
Não há evidências a favor ou contra o uso de antipiréticos em crianças febris com sepse, embora seja razoável e recomendado fornecer terapia antipirética para otimizar o conforto do paciente, reduzir a temperatura corporal extrema e reduzir a demanda metabólica.[6][136] Os antipiréticos de venda livre são seguros e eficazes na redução da febre em comparação com o placebo.[136]
Controle de foco
Quando houver a possibilidade de um foco de infecção localizado que provavelmente não seja tratado por antibióticos isoladamente, deve-se considerar a instituição de medidas físicas para remover o foco de infecção.[6][50] Os princípios de controle de foco são os mesmos para diferentes faixas etárias, embora os aspectos práticos possam ser distintos, dependendo do foco da infecção. Deve-se obter a assistência de um especialista.
Exemplos de controle de foco incluem:
Incisão e drenagem de abscessos ou de coleções de fluidos infectadas
Desbridamento de tecidos moles infectados
Remoção de corpos estranhos infectados
Remoção de cateter urinário em casos de sepse originária do trato urinário
Remoção de cateteres venosos centrais percutâneos em caso de infecção da corrente sanguínea associada a cateter venoso central
Laparotomia e ressecção de isquemia intestinal (ou cirurgia para controle de danos) em casos de enterocolite necrosante.
Monitoramento do débito cardíaco e objetivos
O suporte de terapia intensiva subsequente com terapia guiada por monitoramento hemodinâmico avançado (como débito cardíaco/índice cardíaco, resistência vascular sistêmica ou saturação venosa central de oxigênio [Scvo2]) é recomendado quando disponível, juntamente com a avaliação clínica.[6][95]
Não há dados de ECRCs para dar suporte a alvos hemodinâmicos específicos em crianças; no entanto, os membros do painel de diretrizes pediátricas Surviving Sepsis Campaign relataram o uso de metas de pressão arterial média (PAM) entre o 5º e o 50º percentil ou maiores que o 50º percentil para a idade. Os ECRCs para definir os alvos hemodinâmicos ideais, incluindo PAM, são urgentemente necessários para informar a prática na sepse pediátrica.[6]
Outros meios de monitoramento de débito cardíaco incluem:
Saturação venosa central de oxigênio, medida por gasometria em uma amostra de sangue da veia cava superior (VCS) por meio de um cateter venoso central de demora
Ultrassonografia Doppler transesofágica
Monitoramento do débito cardíaco por ultrassonografia
Monitoramento do débito cardíaco por contorno de pulso.
Terapia antifúngica e antiviral
A prática de fornecer profilaxia antifúngica durante a administração de antibioticoterapia varia de uma instituição para outra. Os neonatos podem receber nistatina oral para ajudar a prevenir candidíase.[83][137]
Bebês com peso muito baixo ao nascer (ou seja, <1500 g) e crianças imunocomprometidas de qualquer idade apresentam o risco particular de infecções fúngicas invasivas primárias ou infecções fúngicas secundárias como resultado da alteração da flora colonizadora da superfície durante o tratamento com antibiótico.[138] Os pacientes podem necessitar de tratamento prolongado com fluconazol ou anfotericina B lipossomal por via intravenosa se houver suspeita ou confirmação de infecção fúngica invasiva. Deve ser administrado tratamento antifúngico em associação com antibióticos empíricos em lactentes com peso muito baixo ao nascer e em pacientes imunocomprometidos com suspeita de sepse.[138]
O tratamento para o vírus do herpes simples (por exemplo, aciclovir) deve ser considerado na sepse ou se indicado pela história do paciente ou testes investigativos.[60] A infecção pelo vírus do herpes simples tipo 1 (HSV-1) pode ser adquirida de mães com infecção ativa no momento do parto. A infecção congênita por HSV-1 pode ser grave e devastadora; portanto, o tratamento deve ser iniciado antes que os resultados do teste estejam disponíveis em pacientes com SIP.[139]
Para pacientes com sepse complicando uma doença semelhante à gripe (influenza) durante a temporada local de gripe (influenza), a terapia antiviral empírica (por exemplo, oseltamivir) deve ser administrada enquanto se aguarda o teste do vírus respiratório.[6][140]
Transfusão sanguínea
A hemoglobina é essencial para o fornecimento de oxigênio aos tecidos, sendo, portanto, muito importante no tratamento geral de uma criança com sepse que esteja hemodinamicamente instável (baixo débito cardíaco, baixa pressão arterial média) com fornecimento de oxigênio comprometido. Sugere-se que seja mantida nesses pacientes uma concentração de hemoglobina >10 g/dL (hematócrito aproximado de 0.3).
Depois da remissão do choque, pode ser adequado o estabelecimento de um limiar de transfusão mais baixo. Em uma análise de subgrupo do estudo TRIPICU (Transfusion Requirements in the Pediatric Intensive Care Unit), crianças com sepse hemodinamicamente estável não mostraram diferenças significativas quanto a mortalidade, tempo de hospitalização ou insuficiência de órgãos progressiva entre limiares de transfusão restritivos e liberais (hemoglobina <7 g/dL em comparação com <9.5 g/dL, respectivamente).[141] No entanto, houve um número levemente maior de suspensões temporárias do protocolo e transfusões no grupo restritivo. No estudo TRISS (Transfusion Requirements in Septic Shock), pacientes adultos com choque séptico não demonstraram diferenças significativas na mortalidade em 90 dias, duração do suporte à vida e eventos adversos entre os limiares de transfusão de <7 g/dL e <9 g/dL.[142] Faltam informações sobre a segurança dos limiares de transfusão restritivos em crianças com instabilidade hemodinâmica, particularmente sobre choque séptico, e o ACCM atualmente recomenda transfusão com meta de 10 g/dL para obter sinais de fornecimento de oxigênio adequado (ScvO₂ ≥70%).[95]
Corticosteroides
A hidrocortisona intravenosa não é recomendada pelas diretrizes pediátricas da Surviving Sepsis Campaign para tratar crianças com choque séptico se a ressuscitação fluídica e a terapia com vasopressores forem capazes de restaurar a estabilidade hemodinâmica, mas pode ser considerada no choque refratário a fluidos e resistente a inotrópicos.
Atualmente, nenhuma investigação de alta qualidade dá suporte ou refuta o uso rotineiro de corticosteroides adjuvantes para choque séptico pediátrico ou disfunção orgânica associada à sepse. As evidências de seu uso costumam ser conflitantes.[6][143] Há, entretanto, evidências para o uso de hidrocortisona em choque refratário a fluidos e resistente a inotrópicos com suspeita ou comprovação de insuficiência adrenal absoluta.[6][144]
Considerações especiais: choque séptico em neonatos
Choque séptico é difícil de ser diferenciado de outras formas de choque em prematuros ou neonatos. Qualquer neonato que apresente sinais de choque cardiogênico (por exemplo, perfusão insuficiente, cianose, sopro cardíaco, hepatomegalia, diferença entre volume de pulso e pressão entre membros superiores e inferiores) deve receber inicialmente uma infusão de prostaglandina (ou seja, alprostadil) sob orientação de um especialista até que possa ser descartada uma lesão cardíaca ducto-dependente. O alprostadil pode causar apneia acima de uma dose específica. A dinoprostona é usada em alguns países para manutenção da patência ductal.
No neonato, o acesso venoso e arterial umbilical pode ser preferível aos acessos venoso central e arterial periférico.
Os vasoativos-inotrópicos que podem ser usados nesses pacientes incluem dopamina, dobutamina, adrenalina e noradrenalina.
Terapias não comprovadas
Imunoglobulina intravenosa (IGIV):
Existem evidências insuficientes para dar suporte ao uso de rotina de IGIV no tratamento de sepse.[6] Uma revisão Cochrane mostrou que a IGIV não tem efeito sobre os desfechos em sepse neonatal suspeita ou comprovada.[145] Outra revisão Cochrane não observou benefícios na sobrevida com imunoglobulinas padrão e imunoglobulinas policlonais enriquecidas com imunoglobulina M, ou com IGIV policlonal padrão, quando usadas em neonatos com sepse.[146] Nessa revisão, foi mostrado que a IGIV reduziu a mortalidade em alguns estudos, mas isso não se reproduziu em ensaios clínicos com baixo risco de viés. As duas revisões incluíram achados do grande estudo INIS (International Neonatal Immunotherapy Study), que não descobriram efeito benéfico com IGIV na sepse neonatal.[147]
Pode haver algum benefício do uso de IGIV em populações pediátricas selecionadas.[6] Uma metanálise, incluindo um ensaio randomizado e quatro não randomizados, indicou uma redução na mortalidade de 33.7% para 15.7% em pacientes com síndrome do choque tóxico estreptocócico tratado com clindamicina que receberam IGIV.[148]
Fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF):
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