Monitoramento

Recomenda-se o monitoramento em um centro de tratamento de espinha bífida pelo menos a cada 3 meses durante os primeiros 2 anos, a cada 6 meses para crianças em idade pré-escolar e uma vez ao ano para crianças em idade escolar, adolescentes e adultos. É essencial que cada consulta clínica inclua uma revisão sistemática de sinais e sintomas de:

  • Mau funcionamento da derivação (cefaleia, vômitos, sonolência, alteração de personalidade, rápido crescimento da cabeça, convulsões)

  • Malformação de Chiari II (oftalmoplegia; apneia do sono; arqueamento do pescoço; disfagia)[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica mostrando malformação de ChiariDo acervo do Dr. Nienke P. Dosa; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@14356aca

  • Siringe (dormência dos ombros; hiper-reflexia ou assimetria dos membros superiores; escoliose progressiva; fraqueza das mãos; encarceramento do nervo ulnar; síndrome do túnel do carpo)

  • Medula presa (dorsalgia, escoliose de rápida progressão; evolução da deformidade cavovara; espasmos nas pernas; alteração no nível motor ou sensorial; alteração no funcionamento sexual, do intestino ou da bexiga; sintomas progressivos associados à malformação de Chiari)[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) da coluna apresentando medula presaDo acervo do Dr. Nienke P. Dosa; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@59775bc6

  • Funcionamento da bexiga e do intestino.

Além disso, a pele deve ser sempre inspecionada quanto a úlceras por pressão ou atrito em locais comuns de pressão, incluindo áreas sobrejacentes das tuberosidades isquiáticas, cóccix, calcâneo e tornozelos, e entre os pododáctilos.

Outras avaliações e investigações de acompanhamento dependem da faixa etária.

Lactente

  • Como a função vesical pode mudar significativamente à medida que o choque medular do reparo da lesão é resolvido, é essencial monitorar trimestralmente os tratos superiores com estudos de ultrassonografia seriada dos rins e da bexiga durante o primeiro ano de vida. A hidronefrose requer investigação adicional com vídeo-urodinâmica ou uma cistouretrografia miccional. A urodinâmica é recomendada entre 6 a 12 meses de idade para determinar se há necessidade de cateterismo intermitente limpo. Se a criança desenvolver infecções do trato urinário (ITUs), vídeo-urodinâmicas ou cistouretrografia miccional será usada para identificar refluxo e orientar a iniciação de profilaxia antibiótica.

  • Os lactentes assintomáticos que apresentam ventriculomegalia leve ou moderada podem ser monitorados com segurança por até 5 meses com ultrassonografia craniana desde que a espessura do manto cortical seja de pelo menos 3.5 cm. É improvável que a hidrocefalia evolua depois dos 9 meses de idade.

  • É feita uma ressonância nuclear magnética (RNM) do crânio após a colocação da derivação, que será usada como estudo basal para documentar o tamanho do ventrículo e anomalias estruturais do cérebro, incluindo a malformação de Chiari II. Estudos comparativos poderão ser realizados se houver sinais ou sintomas de mau funcionamento da derivação. Também pode ser feita uma tomografia computadorizada (TC) de crânio como estudo basal, embora seja necessária cautela para limitar a exposição à radiação sempre que possível.

Primeira infância

  • O foco deve ser uma revisão cuidadosa da função motora fina, motora grossa, da linguagem, social e adaptativa, bem como os serviços de suporte sociais e de desenvolvimento que existem para auxiliar a família. É necessária uma avaliação formal do desenvolvimento usando instrumentos padronizados para avaliar esses elementos. Além disso, deve-se prestar atenção específica aos objetivos da fisioterapia, ortóticos e/ou outros equipamentos necessários. As preocupações relativas à visão devem ser identificadas, uma vez que dificuldades de integração motora visual podem ser um sinal precoce de dificuldade de aprendizagem não verbal.

  • Devem ser observadas alterações na capacidade de andar e na resistência. Novas atrofias musculares e perdas de marcos motores (engatinhar, andar e sentar) devem ser avaliadas. Os equipamentos usados devem ser analisados, como suportes para as pernas, equipamentos para banho e mobilidade com uso de rodas, bem como a presença de escadas no domicílio e a capacidade para atravessá-las.

  • O peso, a estatura e o índice de massa corpórea (IMC) devem ser medidos em cada consulta. A baixa estatura pode ser resultante de uma combinação de escoliose e puberdade precoce.

  • Estrabismo afeta até 20% das crianças com mielomeningocele. Recomenda-se o encaminhamento ao oftalmologista.

  • A avaliação ortopédica deve incluir uma reavaliação de escoliose, cifose, contraturas de adução do quadril e deformidades ortopédicas, como pé torto, pé equino, calcâneo valgo ou tálus vertical. Deve ser realizado um teste muscular manual dos membros superiores e inferiores com foco específico em alterações no tônus muscular ou atrofia (por exemplo, presença de espasticidade, assimetria na força muscular). Geralmente é feito um raio-X pélvico anteroposterior aos 2 anos de idade para determinar se existe displasia ou luxação do quadril, o que pode afetar o equilíbrio da marcha ou ao sentar, ou contribuir para úlceras por pressão nos quadris ou nas nádegas.[115] Exames seriados de escoliose serão necessários para avaliar a evolução da curva a cada 1 a 2 anos ou se houver preocupação quanto à evolução.

  • A vigilância da função da bexiga com estudos seriados de ultrassonografia renal e vesical é recomendada a cada 6 a 12 meses até a idade escolar (anualmente para crianças mais velhas e adolescentes). Se for observada hidronefrose, uma vídeo-urodinâmica ou uma cistouretrografia miccional deverá ser realizada para identificar refluxo e orientar a iniciação de profilaxia antibiótica. Embora um estudo urodinâmico inicial geralmente seja realizado entre 6 e 12 meses de idade, ele também é indicado sempre que houver preocupação relativa a uma alteração da função vesical. Ele é usado para determinar se o paciente tem uma bexiga com alto ou baixo risco em relação à deterioração do trato superior. Alguns centros incluem estudos urodinâmicos anuais em seus protocolos de monitoramento de medula presa.[157]

  • A independência com o autocuidado no manejo do intestino e da bexiga deve ser alcançada na idade de 7 anos. O enema colônico anterógrado é uma opção segura de tratamento cirúrgico para constipação grave e encoprese que facilita a independência e que demonstrou melhorar a qualidade de vida das crianças e das famílias.[158]

  • Um exame de TC de crânio e radiografias seriadas da derivação serão indicados em casos agudos somente se houver sinais ou sintomas de mau funcionamento da derivação. A RNM é preferível em casos não agudos para uma visualização detalhada da neuroanatomia para orientar intervenções cirúrgicas.

  • Um estudo do sono será indicado em casos de crescimento lento, sibilância frequente, sufocamento ou engasgo, ou se a história sugerir apneia do sono.[159][160]

Idade escolar e adolescência

  • O desempenho escolar, o funcionamento social e a independência com o autocuidado (por exemplo, cateterismo intermitente, verificações cutâneas diárias e técnica de transferência) devem ser o foco nessa faixa etária. É conveniente envolver o paciente diretamente desde cedo. Deve-se oferecer aos jovens uma parte da consulta sem os pais, para discutir assuntos delicados, como comportamento de risco e humor, e, se tiverem capacidade cognitiva, eles deverão ser um informante-chave durante a história.

  • É importante monitorar o desempenho escolar rigorosamente, pois o decaimento acadêmico pode ser uma apresentação sutil de mau funcionamento da derivação. A presença de dificuldade de aprendizagem não verbal, disfunção executiva e deficit de atenção deve ser avaliada. Deve ser realizada uma avaliação neuropsicológica para identificar deficits sutis de memória de curto prazo e dificuldades visuais-motoras de crianças que não respondem a adaptações e intervenções educacionais apropriadas.

  • Também é importante perguntar especificamente sobre exercícios físicos e nutrição, bem como analisar modificações do estilo de vida para a prevenção da obesidade.

  • A mobilidade deve ser monitorada, devendo-se anotar as formas escolhidas de mobilidade funcional (andar, com dispositivos ou cadeiras de rodas). A manutenção da amplitude de movimento do joelho fica difícil com o crescimento dos membros e pode exigir liberações dos tecidos moles (tendões do jarrete) para manter a eficiência da caminhada. O desequilíbrio muscular do tornozelo também pode exigir correção para manter o pé em uma posição de sustentação de peso. Pode-se oferecer uma cirurgia óssea para prevenir a deformidade dos pés com o crescimento e corrigir a torção tibial. A correção cirúrgica da escoliose pode ser considerada em casos graves, mas pode afetar de modo adverso o andar e as transferências. Por esse motivo, é preferível a fusão espinhal anterior à fusão anteroposterior combinada.[161] É necessário garantir que a criança tenha acesso à cozinha e ao banheiro para desenvolver suas habilidades, e que seja capaz de sair da casa em caso de emergência, seja por escada ou rampa.

  • Para os adolescentes que foram submetidos à cistoplastia de aumento (um procedimento que visa melhorar a continência urinária), é recomendável fazer o monitoramento anual dos eletrólitos, da ureia e da creatinina. A clearance da creatinina, além dos eletrólitos, da ureia e da creatinina, também deve ser monitorada anualmente para pacientes com condutor ileal (indicado quando a adesão e/ou dificuldades motoras finas impedem a independência em relação ao manejo da bexiga).

  • Uma ultrassonografia renal e vesical de rastreamento deverá ser feita anualmente se o paciente estiver estável e não houver ITUs intercorrentes. Para as faixas etárias mais jovens, RNM, TC de crânio e radiografias seriadas da derivação serão indicadas somente se houver sinais ou sintomas de mau funcionamento da derivação. Um estudo do sono geralmente será necessário se houver história de apneia do sono. Uma RNM cranioencefálica e da coluna deverá ser pedido se houver sintomas progressivos associados à malformação de Chiari. Radiografias simples posteroanteriores ou laterais da coluna deverão ser feitas no início do estirão de crescimento na pré-adolescência e monitoradas a cada 6 a 12 meses se houver escoliose clínica. A análise da marcha pode ajudar no planejamento dos procedimentos ortopédicos. O mapeamento por pressão do assento pode ajudar a determinar áreas de pressão e facilitar a correção de úlceras por pressão isquiáticas recorrentes.

Adultos

  • Embora a maioria dos pacientes com espinha bífida não tenha deficiência intelectual, muitos pacientes com hidrocefalia controlada por derivação têm algum grau de dificuldade de aprendizagem não verbal e/ou disfunção executiva. Isso pode ter um impacto significativo na sua capacidade de navegar no sistema de saúde e seguir as recomendações médicas. Portanto, é importante explorar as conexões de órgãos e suporte social referentes a vida independente, transporte e coordenação de cuidados. Também é possível obter informações detalhadas sobre dificuldades com memória de curto prazo, tomada de decisões, tomada de iniciativas e organização. É importante identificar as adaptações (por exemplo, lembrete para cateterismo) e suportes (orientação vocacional) existentes para os pacientes adultos com dificuldades de aprendizagem não verbal e/ou disfunção executiva.

  • Os fluxos de recursos para equipamentos clínicos duráveis e serviços de saúde domiciliar também devem ser identificados. É útil pedir ao paciente para identificar pessoas ou entidades-chave com as quais podem ser previstas comunicações. Deve-se considerar a tutela para adultos que não podem dar consentimento informado ou controlar as finanças.

  • A avaliação ortopédica deve abordar o funcionamento inicial e quaisquer alterações em mobilidade, transferências, presença de dores nas costas ou nas pernas, cirurgias ortopédicas anteriores e história de fraturas. É importante discutir as atividades da vida diária quanto ao seu modo de realização, quais são os equipamentos usados e se o equipamento está adequado e em boas condições. Isso inclui suportes, muletas ou andador, cadeira de rodas, equipamento de banho e rampa ou elevador. A acessibilidade doméstica para atividades diárias e opções de transporte comunitário também devem ser revistas.

  • Uma ultrassonografia renal e vesical de rastreamento deverá ser feita anualmente se o paciente estiver estável e não houver ITUs intercorrentes. Para os pacientes que foram submetidos à cistoplastia de aumento (um procedimento que visa melhorar a continência urinária), é recomendável fazer o monitoramento anual dos eletrólitos, da ureia e da creatinina. Além disso, recomenda-se uma cistoscopia anual para avaliar câncer de bexiga começando 10 anos após a cirurgia, devido ao risco por toda a vida de evoluir para câncer de bexiga no local da anastomose. A clearance da creatinina, assim como eletrólitos, ureia e creatinina, também deve ser monitorada uma vez ao ano para pacientes com condutor ileal (indicado quando a adesão e/ou dificuldades motoras finas impedem a independência em relação ao manejo da bexiga).

  • Recomenda-se uma RNM cranioencefálica e da coluna e radiografias seriadas da derivação no início da vida adulta para documentar a anatomia basal. Uma TC de crânio e radiografias seriadas da derivação serão indicadas em casos agudos se houver sinais ou sintomas de mau funcionamento da derivação, como cefaleia e edema ao longo do trato da derivação. Também deve ser feita uma RNM da coluna em caso de sintomas de medula presa, como dorsalgia, escoliose de rápida progressão, alteração no nível motor ou sensorial ou alteração no funcionamento do intestino ou da bexiga. O estado da derivação deve ser sempre avaliado se houver sinais ou sintomas de medula presa. Uma RNM cranioencefálica e da coluna é indicada se forem apresentados sintomas associados à malformação de Chiari, como sufocamento, engasgos, nova oftalmoplegia ou disartria, arqueamento do pescoço, sensibilidade na fenda occipital e apneia do sono. Um estudo do sono deve ser feito se houver história de apneia do sono.

  • O exame cutâneo cuidadoso é essencial para verificar lesões por pressão ou atrito em áreas sem sensibilidade. O mapeamento por pressão do assento pode ajudar a determinar áreas de pressão e facilitar a correção de úlceras por pressão isquiáticas recorrentes. Os pacientes devem ser orientados sobre a técnica de transferência e para elevar periodicamente as pernas. Isso ocorre porque estase venosa e linfedema são comuns entre adultos com espinha bífida.[127]

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