Abordagem

A maioria dos defeitos do tubo neural é detectada no período pré-natal ou no nascimento. O exame físico deve incluir o registro cuidadoso do funcionamento dos nervos cranianos e do cerebelo, teste manual de força muscular e reflexos tendinosos profundos, nível sensitivo, presença de reflexo superficial anal e tônus retal.

Investigações, como ultrassonografia craniana, tomografia computadorizada (TC) de crânio e ressonância nuclear magnética (RNM) do crânio e da coluna cervical, serão necessárias se houver suspeita de hidrocefalia ou anomalias anatômicas estruturais subjacentes. Esses dados basais são essenciais para o manejo do paciente durante doenças agudas. Qualquer deterioração da linha basal deve ser prontamente avaliada com um alto nível de suspeita de hidrocefalia progressiva ou mau funcionamento da derivação (se houver).

História pré-natal

Espinha bífida e anencefalia são tipicamente diagnosticadas por ultrassonografias pré-natais e raramente representam um desafio diagnóstico. Os exames de ultrassonografia no segundo e terceiro trimestres podem ser benéficos para o rastreamento de anomalias fetais; no entanto, foi relatada variabilidade significativa na sensibilidade da ultrassonografia de rotina para a detecção de anomalias fetais. Os benefícios e as limitações da ultrassonografia devem ser discutidos com todas as pacientes.[67]

A história familiar e materna deve focar a presença de anomalias congênitas na linha média que possam sugerir uma alteração cromossômica subjacente (por exemplo, defeitos cardíacos conotruncais, anomalias renais, fenda labial ou fenda palatina) ou perda gestacional inexplicada.

A história pré-natal deve focar os fatores de risco conhecidos, incluindo exposição a possíveis teratógenos (por exemplo, ácido valproico, carbamazepina, isotretinoína ou metotrexato), estado nutricional materno (incluindo suplementação de vitaminas, especialmente folato) e a existência de diabetes materno. É importante assegurar se a amniocentese foi oferecida ou não e se foram registradas deformidades nos membros ou anomalias cardíacas ou renais na ultrassonografia pré-natal. Se algum desses problemas estiver presente, esses achados exigirão investigação genética, ultrassonografia de alta resolução e/ou RNM fetal (uma rápida RNM do feto pode ser usada para definir melhor anomalias estruturais do cérebro que possam estar associadas a defeitos do tubo neural).[61][68][69][70]

Os pais podem estar sobrecarregados com informações ou totalmente desinformados sobre o diagnóstico. Portanto, sua compreensão do diagnóstico e do prognóstico deve ser explorada como parte da consulta pré-natal.

Avaliação pré-natal

A avaliação pré-natal com o teste triplo, que inclui alfafetoproteína (AFP), gonadotropina coriônica humana (hCG) e estriol não conjugado (uE3), ou o teste quádruplo (que também inclui inibina A), é oferecida rotineiramente entre 15 e 20 semanas de gestação. Um cálculo matemático que envolve os níveis dessas 3 ou 4 substâncias e considerações sobre idade, peso, raça e estado da mãe quanto ao diabetes são usados para determinar o risco. Tanto o teste triplo como o quádruplo podem detectar cerca de 75% a 80% das gestações afetadas por espinha bífida e quase 95% dos casos de anencefalia.[71]

A ultrassonografia após um teste triplo/quádruplo elevado descarta um defeito do tubo neural aberto com um alto grau de confiança, embora a interpretação requeira bastante conhecimento e haja relatos de estudos de resultados falso-negativos.[61][72][73]

Quando um feto é identificado com um defeito do tubo neural, a amniocentese deve ser oferecida para identificar anormalidades cromossômicas associadas, especificamente a trissomia do 13 e a trissomia do 18. A identificação de uma anormalidade genética tem implicações importantes nas orientações relativas ao prognóstico, manejo da gestação e avaliação para saber se a paciente é candidata a uma reparação do defeito do tubo neural dentro do útero.[74][75][76] Em caso de várias anomalias congênitas, são oferecidos análise cromossômica por microarray e aconselhamento genético.[61]

A ecocardiografia fetal pode ser considerada se a ultrassonografia pré-natal sugerir malformação cardíaca congênita ou houver suspeita de uma síndrome genética associada a defeitos cardíacos. Se a ecocardiografia fetal ou a história familiar for sugestiva de síndrome velocardiofacial, um teste de hibridização in situ de fluorescência (FISH) também será indicado para identificar a microdeleção de 22q11.

A RNM fetal é realizada quando se considera uma cirurgia fetal pré-natal ou quando os achados da ultrassonografia não forem claros.[61][74][77]​​ A ausência de uma membrana de cobertura é associada com escoliose e um alto risco de disfunção vesical.[78][79]

Neonatos e lactentes

História

  • Logo após o nascimento e durante a primeira infância é importante perguntar sobre a presença de dificuldades de alimentação, que podem estar relacionadas à fraqueza dos músculos inervados do tronco encefálico; sintomas de hidrocefalia, incluindo arqueamento do pescoço ou choro estridente, crescimento rápido da cabeça, fontanela abaulada, desvio dos olhos para baixo (sinal do sol poente); e se foi observada assimetria nos movimentos espontâneos de braços e pernas do bebê.

  • Os padrões de defecação e micção também devem ser analisados, uma vez que bexiga e intestino neurogênicos são características comuns, embora este último raramente seja um problema nos lactentes. Lactentes devem molhar no mínimo 4 fraldas em um período de 24 horas. Bexiga distendida e diminuição do débito urinário sugerem esvaziamento incompleto. Gotejamento urinário constante sugere uma saída da bexiga aberta, incontinência por transbordamento ou ureter ectópico. A exsudação das fezes sugere um baixo tônus do esfíncter anal. A constipação não é comum no período neonatal.

  • Também devem ser estabelecidas quaisquer dificuldades para trocar as fraldas ou vestir. Isso pode indicar diminuição da amplitude de movimento das pernas ou a presença de espasticidade.

  • A malformação de Chiari II se apresenta no nascimento em aproximadamente dois terços dos lactentes submetidos ao fechamento pré-natal da mielomeningocele e em quase todos os bebês (96%) submetidos ao fechamento pós-parto.[80][81][82]​​​​ Ela consiste no deslocamento caudal do vérmis e das tonsilas cerebelares e, ocasionalmente, do quarto ventrículo, para o canal vertebral cervical. Alguns bebês também podem apresentar achados associados, como disgenesia do corpo caloso e anormalidades de migração neuronal e da sulcação cerebral. Esses achados estão associados a um aumento do risco de dificuldade de aprendizagem. Os sintomas relativos à malformação de Chiari são uma preocupação clínica para 15% a 35% dos pacientes, e podem representar risco à vida nos 3 primeiros meses após o nascimento.[81][83]​​​ Eles incluem sufocamento, regurgitação nasal, vômitos, refluxo, pneumonias por aspiração, apneia, arqueamento do pescoço, ronco, estridor inspiratório e um choro em tom agudo ou rouco.

Exame físico

  • As lesões que não são cobertas pela pele são denominadas espinha bífida aberta. Os tipos incluem os seguintes:

    • Mielomeningocele:: herniação conjunta das meninges e medula espinhal. Associada à hidrocefalia e à malformação de Chiari II.

    • Mielosquise: herniação das meninges e de elementos da medula espinhal. Caracterizada por uma massa achatada tipo placa de tecido neural desorganizado.

    • Meningocele: herniação das meninges sem envolvimento de elementos da medula espinhal.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Neonato com mielomeningoceleDo acervo do Dr. Greg Liptak; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3d985213[Figure caption and citation for the preceding image starts]: MielomeningoceleDo acervo do Dr. Greg Liptak; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@16519b00[Figure caption and citation for the preceding image starts]: MeningoceleDo acervo da Dra. Zulma Tovar-Spinoza; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7da1e2b2

  • As lesões que são cobertas pela pele são denominadas espinha bífida fechada. Geralmente, elas estão associadas a uma anomalia visível das costas, como reentrância ou dobras glúteas assimétricas, hemangioma, tufos de pelos ou outros sinais cutâneos.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: MielomeningocistoceleDo acervo da Dra. Zulma Tovar-Spinoza; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7f26ad72[Figure caption and citation for the preceding image starts]: AcrocórdonDo acervo da Dra. Zulma Tovar-Spinoza; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@2d285ce

  • Os parâmetros de crescimento devem ser monitorados, incluindo a medição diária do perímetro cefálico e o tamanho da fontanela. O crescimento rápido da cabeça (transposição de 2 categorias de percentil) e o abaulamento da fontanela indicam hidrocefalia progressiva.

  • Deve ser realizada a inspeção de anomalias congênitas primárias ou secundárias, principalmente em relação a anomalias congênitas na linha média, como fenda labial ou palatina e sopro cardíaco. Esses achados, se existirem, requerem uma pronta avaliação genética quanto a trissomia do 13, trissomia do 18 e síndrome de deleção 22q, caso ainda não tenha sido feita no período pré-natal.

  • Assimetria facial e outras anormalidades do nervo craniano, incluindo desvio visual lateral e para cima, elevação do palato, dificuldade para sugar e choro agudo são sinais de aumento da pressão intracraniana e malformação de Chiari II sintomática que exigem um monitoramento rigoroso por um neurocirurgião.

  • A presença de deformidades ortopédicas deve ser avaliada, inclusive escoliose congênita, cifose congênita, quadris subluxados ou deslocados (como demonstrado por abdução assimétrica dos quadris, ou sinal de Barlow ou Ortolani positivo: constatação de um "clique" no quadril quando ele volta à posição original), contratura de flexão dos joelhos e quadris, pé torto (deformidade equinovaro) e tálus vertical (pé chato rígido com equino).

  • A posição do neonato ou lactente em repouso e o movimento volitivo quando alerta devem ser observados, inclusive o controle do músculo abdominal. O tônus e a massa muscular dos membros superiores e inferiores deve ser avaliados, assim como a presença de reflexo superficial anal e tônus retal. O tônus varia dependendo do nível da lesão. Gotejamento de urina ou vazamento de mecônio ou fezes sugerem, respectivamente, diminuição do tônus do esfíncter da bexiga e do tônus retal. A função sensitiva frequentemente sofre uma diminuição e deve ser avaliada por meio de um teste de sensibilidade dolorosa nos pés, nas pernas e nas nádegas, o que é demonstrado por uma resposta reduzida ou ausente à picada.

Investigações

  • A ultrassonografia craniana é usada em casos de suspeita de hidrocefalia para estimar a espessura do manto cortical e monitorar a progressão do tamanho do ventrículo antes da colocação da derivação. Os lactentes assintomáticos que apresentam ventriculomegalia leve ou moderada podem ser monitorados com segurança por até 5 meses desde que a espessura do manto cortical tenha no mínimo 3.5 cm na ultrassonografia craniana.

  • A ultrassonografia da coluna é recomendada em neonatos com estigma lombossacral conhecido por ser associado a disrafismo espinhal, como massas de linha média ou paramediana e/ou marcas neurocutâneas, ondulações na linha média puntiforme e ondulações profundas paramedianas. A ultrassonografia pode revelar defeitos, como fixação, diastomielia, hidromielia ou siringomielia.[84]

  • Também pode ser realizada uma TC depois da inserção da derivação para confirmar a colocação do cateter ventriculoperitoneal. Devem ser usadas técnicas de baixa radiação e a exposição repetida deve ser evitada se houver outras modalidades de geração de imagem disponíveis.

  • A RNM é usada para avaliar anomalias estruturais do cérebro, como agenesia do corpo caloso. A RNM é indicada se os sintomas de Chiari forem graves ou se o exame neurológico for acentuadamente assimétrico. Esses sintomas exigem acompanhamento rigoroso do neurocirurgião e RNM do crânio e da coluna cervical para avaliação de hidrocefalia progressiva e/ou siringomielia associada (extensão do canal central com obstrução e formação de cistos na medula espinhal, conhecida como siringe). A malformação de Chiari é o deslocamento caudal do vérmis e das tonsilas cerebelares e, ocasionalmente, do quarto ventrículo, para o canal vertebral cervical.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica mostrando malformação de ChiariDo acervo do Dr. Nienke P. Dosa; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@1cbe6f2a

  • Deve ser obtida uma cultura da urina em todos os neonatos com espinha bífida. Nos 2 primeiros meses de vida, a bacteriúria, mesmo se assintomática, deve ser tratada. Isso ocorre porque, como a infecção do trato urinário pode ser difícil de diagnosticar em neonatos, ela pode evoluir rapidamente para sepse e há um risco maior de cicatrização cortical no período neonatal em comparação às faixas etárias avançadas.

  • O exame de creatinina sérica e ureia deve ser feito assim que o lactente tiver mais de 5 dias. Estudos anteriores refletem os níveis maternos. Se a ureia e a creatinina estiverem elevadas, o cateterismo intermitente deverá ser iniciado e um urologista e um nefrologista deverão ser consultados.

  • Deverá ser realizada uma ultrassonografia renal e vesical alguns dias após o reparo da condição para determinar o tamanho e a configuração dos rins, estimar a capacidade da bexiga e avaliar a presença de hidronefrose.

  • Um estudo urodinâmico é recomendado entre 6 e 12 meses de idade para determinar a pressão no ponto de vazamento do detrusor e a presença de dissinergia detrusor-esfincteriana, bem como a capacidade e complacência da bexiga. Essas informações orientam o manejo da bexiga neurogênica.

  • A cistouretrografia miccional deverá ser realizada somente se a ultrassonografia renal mostrar hidronefrose, para identificar a presença de refluxo vesicoureteral e se é indicada profilaxia antibiótica. Alguns centros preferem fazer um estudo urodinâmico com 4 a 6 semanas para essa finalidade.[85][86][87] No entanto, nem todos os centros são capazes de realizar estudos urodinâmicos em neonatos; muitos fazem apenas uma ultrassonografia renal e vesical associada a uma cistouretrografia miccional para avaliar a função da bexiga nesse estádio.

  • O teste cromossômico de trissomia do 18 e trissomia do 13 e o teste FISH para síndrome de deleção 22q são indicados (caso ainda não tenham sido feitos no período pré-natal) se o exame do neonato registrar outras anomalias congênitas graves ou se existirem mais de 3 anomalias congênitas secundárias além da espinha bífida.

  • A ultrassonografia dos quadris deve ser realizada para lactentes de 3 meses de idade ou menos, com níveis motores sacrais (provavelmente capazes de deambular), que apresentem abdução assimétrica dos quadris ou sinal de Barlow ou Ortolani positivo (constatação de um "clique" no quadril quando ele volta à posição original). Depois dos 3 meses de idade, são usados estudos convencionais de raios X para avaliar os quadris. Existe controvérsia sobre se são necessários exames de imagens para crianças com níveis de lesão mais altos, uma vez que o tratamento traz poucos benefícios e existe um alto risco de nova luxação em crianças que não deambulam.

  • Deve-se considerar a polissonografia ao longo da vida do paciente para identificar distúrbios respiratórios do sono relacionados com a síndrome de Chiari, como apneia central do sono e hipoventilação.

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