Etiologia
Os defeitos do tubo neural resultam de uma interação complexa entre fatores genéticos e ambientais.[32] Isso é demonstrado pela efetividade do folato para a prevenção e pelas taxas mais altas de defeitos do tubo neural entre certas populações raciais e étnicas. Por exemplo, nos EUA, os pais imigrantes hispânicos têm um risco 3 vezes mais elevado de ter uma gestação afetada por um defeito do tubo neural, em comparação à população geral.[33] Por outro lado, pais hispânicos nascidos nos EUA têm risco apenas 2 vezes mais elevado de ter uma gestação afetada por anencefalia e apresentam taxas de espinha bífida semelhantes aos de outras pessoas brancas não hispânicas.[34] Mulheres que já têm um filho com espinha bífida, ou que tiveram uma gestação afetada por um defeito do tubo neural, ou que tenham espinha bífida, têm risco 30 vezes mais elevado de ter um bebê com espinha bífida em comparação à população geral.[2][35] Além disso, o risco de defeitos do tubo neural entre crianças que têm irmãos afetados por espinha bífida é o dobro do risco da população geral.[7]
Trissomia do 18, trissomia do 13 e síndrome de deleção 22q (também conhecida como síndrome velocardiofacial) são distúrbios cromossômicos que geralmente estão associados a defeitos do tubo neural.[2][35] Outros fatores de risco conhecidos incluem obesidade materna, diabetes materna e exposição pré-natal a certos medicamentos, como valproato, carbamazepina, isotretinoína e metotrexato.[26][36][37][38] Baixo status socioeconômico também contribui para o risco de defeitos do tubo neural, mesmo depois de ajuste do estado nutricional materno.[39] Além disso, mostrou-se que a elevação da temperatura corporal central da mãe em 2 graus Fahrenheit ou Celsius durante o primeiro trimestre (seja por febre ou ao uso de saunas ou banheiras de hidromassagem) aumenta o risco de defeitos do tubo neural.[40]
O único fator protetor conhecido mais clinicamente significativo para reduzir a incidência de espinha bífida é o consumo materno de folato. Uma associação entre deficiências de vitamina e defeitos do tubo neural foi observada pela primeira vez em 1976.[41] Estudos subsequentes mostraram que a suplementação de folato reduziu o risco de recorrência de espinha bífida entre casais que já haviam concebido um filho com espinha bífida.[42][43] Estudos observacionais dos programas de fortificação de folato documentaram de modo conclusivo que o folato reduz a incidência de defeitos do tubo neural.[18] Estima-se que haveria uma redução de 50% a 70% de defeitos do tubo neural se a ingesta materna de folato fosse otimizada de acordo com as recomendações da saúde pública.[24] A ingesta inadequada de vitamina B12 por parte da mãe também foi associada a um risco elevado de defeitos do tubo neural.[44]
Acredita-se que os defeitos do tubo neural resultam de anomalias enzimáticas das vias metabólicas que precisam de folato e dos seus metabólicos tetraidrofolato e 5-metiltetraidrofolato.[32] As vias dependentes de folato estão envolvidas nas transferências de carbono simples necessárias para a síntese de nucleotídeos e nas reações de metilação, incluindo a remetilação da homocisteína em metionina. Vários genes candidatos foram estudados, inclusive os que codificam receptores de folato, 5,10 metilenotetraidrofolato redutase (MTHFR), metionina sintase e metionina sintase redutase, que também dependem da disponibilidade de vitamina B12. Os genes envolvidos com o metabolismo de folato-homocisteína também foram incluídos.[32][45]
Embora os genes receptores de folato tenham recebido mais atenção até hoje, a pesquisa de genes candidatos que afetam os fatores de risco maternos, como obesidade e diabetes, também têm um futuro promissor. Três genes envolvidos com o metabolismo da glicose e obesidade foram associados a uma maior suscetibilidade à espinha bífida.[46]
Fisiopatologia
A malformação que causa defeitos do tubo neural ocorre durante a embriogênese, tipicamente até 26 dias após a fertilização.
Dois processos diferentes levam à formação do sistema nervoso central (SNC). O primeiro é a neurulação primária, que se refere à invaginação da placa neural no tubo neural e, subsequentemente, no cérebro e na medula espinhal embrionários. A neurulação secundária se refere à formação da parte inferior da medula espinhal, que dá origem aos elementos lombares e sacrais. Qualquer interrupção que ocorra quando a placa neural inicia sua primeira prega e se funde para formar o tubo neural (dias 17-23) pode causar craniorraquisquise, a forma mais grave de defeito do tubo neural. O fechamento do neuroporo rostral ocorre entre os dias 23 e 26. A interrupção durante essa fase da embriogênese resulta em anencefalia. A mielomeningocele ocorre quando o fechamento do neuroporo caudal é interrompido durante os dias 26 a 30.[2]
Ao contrário dos defeitos fechados do tubo neural, que resultam em patologia localizada da coluna, a espinha bífida e outros defeitos abertos do tubo neural são distúrbios do desenvolvimento neurológico que podem ser rastreados até a embriogênese, e todas as partes do sistema nervoso, inclusive o cérebro, são afetadas. Por exemplo, na hidrocefalia, foi formulada a hipótese de que a lesão aberta na coluna faça com que a pressão intraespinhal seja menor que a pressão intracraniana, causando herniação do cérebro posterior e malformação de Chiari, o que consequentemente altera o fluxo do líquido cefalorraquidiano e resulta em hidrocefalia.[47] Uma teoria alternativa é que a espinha bífida é uma manifestação de hidrocefalia progressiva no feto devido a uma insuficiência do crescimento mesodérmico que influencia tanto o fechamento do tubo neural como a pressão do SNC, levando ao disrafismo.[48] A denudação neuroepitelial ou ependimal no telencéfalo e no aqueduto foi documentada no cérebro fetal antes do desenvolvimento da malformação de Chiari II e da hidrocefalia. Como as áreas desnudadas não podem restabelecer a função celular, também foi formulada a hipótese de que as anomalias nas células que revestem os ventrículos do cérebro induzem a uma patologia cerebral permanente. Finalmente, a tractografia do tensor de difusão documentou o desenvolvimento anormal da substância branca nas vias de associação de crianças com espinha bífida, o que pode explicar os problemas específicos de aprendizagem, disfunção executiva e deficits de atenção que normalmente acompanham a hidrocefalia.[49] As anomalias do cérebro associadas à mielomeningocele incluem agenesia do corpo caloso, agenesia lobar, polimicrogiria, heterotopia da substância cinzenta e cistos e lipomas intracranianos.
Classificação
Defeitos do tubo neural da medula espinhal[1][2]
Espinha bífida aberta (não coberta pela pele)
Mielomeningocele:: herniação conjunta das meninges e medula espinhal. Associada à hidrocefalia e à malformação de Chiari II.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Neonato com mielomeningoceleDo acervo do Dr. Greg Liptak; usado com permissão [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: MielomeningoceleDo acervo do Dr. Greg Liptak; usado com permissão [Citation ends].
Mielosquise: herniação das meninges e de elementos da medula espinhal. Caracterizada por uma massa achatada tipo placa de tecido neural desorganizado.
Meningocele: herniação das meninges sem envolvimento de elementos da medula espinhal.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: MeningoceleDo acervo da Dra. Zulma Tovar-Spinoza; usado com permissão [Citation ends].
Espinha bífida fechada (coberta pela pele)
Defeitos da coluna associados a uma anomalia visível das costas, como reentrância ou dobras glúteas assimétricas, hemangioma, tufos de pelos ou outros sinais cutâneos. Essas lesões também são conhecidas como disrafismo espinhal fechado.
Mielocistocele: lesão multicística contínua com o canal central da medula espinhal; associada à extrofia da cloaca.
Lipomielomeningocele, lipomeningocele, lipomielocistocele: defeitos fechados associados a tumores dos tecidos gordurosos.
Síndrome da medula presa congênita: a extremidade inferior da medula espinhal tem uma ligação anormal com a coluna vertebral ou os tecidos subcutâneos. Geralmente associada ao cone medular baixo (abaixo do interespaço L2-L3).
Filamento terminal lipomatoso: tumor de tecido gorduroso no final da medula espinhal.
Filamento terminal espessado: espessamento no final da medula espinhal.
Diastematomielia: bandas fibrosas, ossos ou cartilagens no canal vertebral; geralmente associada à espinha bífida.
Siringomielia: dilatação do canal central da medula espinhal. Pode resultar em escoliose, fraqueza dos membros superiores e dormência; associada à medula presa e a um mau funcionamento da derivação.
Trato do seio dérmico: conexão entre o canal vertebral e a pele.
Espinha bífida fechada (coberta pela pele sem anomalias visíveis nas costas)
Somente defeito de fusão vertebral, sem envolvimento da coluna e clinicamente não significativo. Achado radiológico incidental presente em 10% a 15% da população.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) da coluna apresentando medula presaDo acervo do Dr. Nienke P. Dosa; usado com permissão [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: MielomeningocistoceleDo acervo da Dra. Zulma Tovar-Spinoza; usado com permissão [Citation ends].
Defeitos do tubo neural do cérebro[1][2]
Anencefalia: ausência total ou parcial de cérebro e da calota craniana. Muitos fetos com anencefalia sofrem aborto espontâneo; poucos sobrevivem além da primeira infância.
Iniencefalia: fechamento anormal ou incompleto do tubo neural na região occipital, que resulta em uma retroflexão intensa do pescoço e do tronco; incompatível com a vida.
Encefalocele: defeito na calota craniana com protrusão do cérebro, mais frequentemente na região occipital. As encefaloceles occipitais são associadas a incapacidade intelectual, hidrocefalia, espasticidade e convulsões. Pacientes com encefaloceles frontais têm melhores desfechos de desenvolvimento.
Craniomeningocele: defeito na calota craniana com protrusão das meninges.
Defeitos do tubo neural do cérebro e da medula espinhal[1][2]
Craniorraquisquise: anencefalia acompanhada por defeito ósseo contíguo da coluna; incompatível com a vida.
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