Abordagem
Introdução
O diagnóstico se baseia em história e exame físico completos; nenhum teste diagnóstico específico confirma o diagnóstico de transtornos do espectro alcoólico fetal (TEAF). Existem diversos critérios diagnósticos.[33][34][35][36][37][38] Apesar de esses critérios terem algumas características em comum, diferenças sutis na terminologia e classificação dos TEAF podem confundir os médicos e devem ser encaradas como uma prioridade internacional para padronizar o processo de diagnóstico.
O diagnóstico de crianças com TEAF é fundamental por vários motivos.
Para pais e tutores, o diagnóstico costuma vir após anos de incerteza e proporciona alívio.[39] Ele oferece uma explicação para os problemas da criança e uma oportunidade de:
Identificar os pontos fortes e fracos da criança
Ajustar suas expectativas
Promover os pontos fortes da criança.
O diagnóstico precoce permite uma intervenção precoce. Existem evidências de que o diagnóstico precoce diminui o risco de deficiência secundária em adolescentes e adultos.[40]
O diagnóstico pode ter benefícios práticos: por exemplo, qualificar os tutores para um "auxílio à deficiência" ou outro suporte financeiro do governo, suporte para intervenções clínicas, provisão de professores auxiliares ou supranumerários na sala de aula e acesso gratuito a aparelhos (por exemplo, próteses auditivas).
Mais importante, o reconhecimento da criança com TEAF identificará as mulheres com risco de danos causados pelo álcool e permitirá a realização de encaminhamento e tratamento. Isso, por sua vez, pode evitar o nascimento de outra criança afetada.
História
A história materna deve incluir questões sobre consumo de bebidas alcoólicas (isto é, quantidade e frequência atualmente e durante a gestação), exposição a drogas e teratogênicos durante a gestação (incluindo drogas ilícitas e medicamentos prescritos para descartar diagnósticos diferenciais) e quadros clínicos. A história familiar pode identificar doenças genéticas, malformações congênitas familiares ou padrões de malformação. Também devem ser obtidas informações sobre gestação, retardo de crescimento intrauterino, peso ao nascer, ordem de nascimento e malformações congênitas.
A idade média no diagnóstico varia de 3.3 a 10 anos.[41][40] Somente 7% das crianças afetadas são diagnosticadas no nascimento, mas 63% são diagnosticadas até os 5 anos de idade.[41] O TEAF é subdiagnosticado no período neonatal, mesmo quando elementos físicos estão presentes.[41][42] Uma barreira para o diagnóstico precoce é o fato de que os critérios de diagnóstico para TEAF relacionados ao neurodesenvolvimento não podem ser avaliados durante a primeira infância.[42] Os desafios de definir o diagnóstico na idade adulta incluem dificuldades para obter uma documentação confiável da exposição pré-natal ao álcool e a possível atenuação dos elementos faciais característicos com a idade.[43]
Na apresentação, a história de desenvolvimento da criança deverá ser solicitada, incluindo a presença de retardo nas fases de desenvolvimento. Especificamente, a história pode incluir o seguinte:
Lactentes: baixa aceitação alimentar, retardo de crescimento, irritabilidade ou desenvolvimento tardio, incluindo atraso no desenvolvimento motor ou atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem
Crianças: retardo de crescimento ou problemas com linguagem, fala, audição, visão, aprendizagem, comportamento e desempenho acadêmico
Adolescentes: abuso de drogas e álcool, desempenho acadêmico insatisfatório (por exemplo, notas ruins na escola, principalmente em idiomas e matemática, reprovações), habilidades sociais insatisfatórias (por exemplo, isolamento, mau relacionamento social e comportamento sexual impróprio), contato com a justiça de menores ou encarceramento.
Sintomas de desatenção, hiperatividade, impulsividade ou comportamentos de alto risco podem indicar transtorno de deficit da atenção com hiperatividade (TDAH). Transtornos mentais podem ser observados em adolescentes. Os comportamentos de internalização incluem ansiedade e depressão; os comportamentos de externalização incluem transtorno de conduta, transtorno desafiador de oposição e TDAH.
As informações sobre os irmãos também são importantes, pois uma proporção significativa será afetada de forma semelhante.
Exame físico
A confirmação do diagnóstico depende do paciente satisfazer critérios de diagnóstico específicos. Vários critérios estão em uso, uma vez que o consenso internacional ainda não existe, a escolha é orientada pela prática local e pela preferência do médico. Os critérios definem os elementos específicos dos 4 transtornos que compõem o TEAF.
Altura, peso e perímetro cefálico devem ser medidos e representados em gráficos de crescimento para a população relevante. Os percentis de corte variam de acordo com os critérios de diagnóstico usados. Na maioria dos critérios, os pontos de corte para crianças com síndrome alcoólica fetal (SAF) são medições de peso e altura abaixo do 10° percentil para a idade e perímetro cefálico <3º percentil (microcefalia).
Dismorfia facial característica inclui os traços a seguir: fenda palpebral curta, lábio superior ou borda vermelha fina (classificação 4 ou 5 no guia do filtro labial) e filtro labial suave (classificação 4 ou 5 no guia do filtro labial). Os guias de filtro labial são réguas pictoriais de 5 pontos, desenvolvidas na Universidade de Washington, Seattle, e usadas para medir a suavidade do filtro labial e a espessura do lábio superior. FAS Diagnostic and Prevention Network: lip-philtrum guides Opens in new window
A face também deve ser examinada quanto às seguintes características: hipoplasia do terço médio da face, orelhas grandes "de abano", pregas epicânticas, hipertelorismo (muito espaço entre os olhos), ptose (pálpebras caídas), micrognatia (mandíbula retraída), microftalmia (olhos pequenos) e fenda labial e/ou palatina.
A presença de grandes malformações congênitas, bem como de pequenas anomalias, deve ser avaliada.[33][38]
As anomalias cardíacas incluem:
Defeitos do septo atrial
Defeitos do septo ventricular
Grandes vasos aberrantes
Tetralogia de Fallot
Defeitos conotruncais.
As anomalias musculoesqueléticas incluem:
Unhas hipoplásicas
Quinto dedo encurtado
Sinostose radioulnar
Contraturas por flexão
Camptodactilia
Clinodactilia do quinto dedo
Pectus excavatum ou carinatum
Síndrome de Klippel-Feil
Hemivértebras
Escoliose
Pregas palmares em forma de taco de hóquei.
As anomalias renais incluem:
Rins aplásticos, displásicos ou hipoplásicos
Duplicação ureteral
Hidronefrose
Rins em forma de ferradura.
As anomalias oculares incluem:
Estrabismo
Anomalias vasculares retinianas
Problemas de refração.
Anormalidades da orelha
Perda auditiva condutiva ou neurossensorial
Anomalias estruturais da orelha (p. ex., orelha tipo "trilho de ferrovia").
Um exame neurológico completo deve ser realizado, incluindo força, tônus, reflexos, coordenação e nervos cranianos. Sinais neurológicos graves (por exemplo, reflexos, força ou tônus anormal) e sinais leves (por exemplo, falta de coordenação e movimentos espelhados) podem estar presentes. Avaliações audiológicas e oftalmológicas formais apropriadas para a idade são necessárias em todas as crianças.
A avaliação da disfunção do sistema nervoso central também deve abordar domínios de disfunções específicas que tenham sido identificadas em crianças com TEAF, incluindo problemas de cognição global (QI), função executiva e raciocínio abstrato, função motora (atraso ou deficits), atenção e hiperatividade, memória, habilidades sociais, problemas sensoriais, fala e linguagem, linguagem pragmática, sucesso acadêmico, transtornos de internalização e externalização e outros transtornos mentais e comportamentais.[36][44] A escolha dos testes usados para avaliar esses domínios é orientada por validade cultural, disponibilidade do teste, idade do paciente e preferência do médico, mas deve incluir ferramentas validades quando estiverem disponíveis.[36][45][46] Um guia para avaliação adequada de deficiência no neurodesenvolvimento é fornecido em várias diretrizes de diagnóstico.[36][47] Ver também: Avaliação de dificuldade de aprendizado e atraso cognitivo.
Investigações
Não existem testes diagnósticos específicos para TEAF e o diagnóstico se baseia em uma avaliação multidisciplinar. Em uma criança com características faciais anormais, uma fotografia digital pode ser usada junto com o software de diagnóstico facial para auxiliar na confirmação do diagnóstico. O software de diagnóstico fotográfico de SAF ajuda o médico a analisar uma fotografia facial bidimensional permitindo a medição exata do comprimento da fenda palpebral e calculando o valor do percentil. Ele também permite calcular a circularidade (área) do lábio superior e atribuir a gravidade da anormalidade do lábio superior e do filtro labial.[48]
Algumas outras investigações específicas são indicadas. Preferivelmente, as investigações devem seguir a identificação de sintomas e sinais clínicos anormais. Por exemplo, eletrocardiografia e ecocardiografia devem ser solicitadas em uma criança com suspeita de defeito cardíaco, uma ressonância nuclear magnética (RNM) ou tomografia computadorizada da cabeça em uma criança com microcefalia, uma ultrassonografia abdominal em uma criança com uma massa palpável, um eletroencefalograma em uma criança com convulsões, uma radiografia de esqueleto em uma criança com suspeita de anomalias musculoesqueléticas. Teste genético (análise cromossômica por microarray) é indicado em todas as crianças, pois é o teste para excluir X frágil como causa em potencial da deficiência no neurodesenvolvimento. Muitos médicos realizam testes de rastreamento (por exemplo, ferritina, função tireoidiana, chumbo sérico, creatina quinase e rastreamento metabólico da urina) para excluir causas comuns e tratáveis de transtornos do desenvolvimento.
A ultrassonografia pré-natal pode ser considerada se houve ingestão pesada de bebidas alcoólicas durante a gestação, para verificar a presença de retardo de crescimento intrauterino, crescimento inadequado da cabeça e/ou malformações congênitas específicas.
Novas evidências sugerem que a RNM funcional, espectroscopia por ressonância magnética e imagem facial tridimensional podem se transformar em ferramentas diagnósticas valiosas. Existem novas evidências sobre marcadores epigenéticos de exposição ao álcool pré-natal no descendente, mas atualmente, isso é uma ferramenta usada apenas em ambientes de investigação.[49][50]
Encaminhamento
A avaliação formal feita por um subespecialsta em pediatria, psicólogo educacional, neuropsicólogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, optometrista e/ou audiologista talvez seja apropriada em resposta às interpretações da história ou do exame físico. Os testes específicos usados variam de acordo com o país, a população, idade da criança, o treinamento e a preferência do médico e das equipes associadas.
O encaminhamento para um geneticista clínico talvez seja necessário para confirmação do diagnóstico e exclusão de diagnósticos alternativos. A avaliação psiquiátrica também pode ser apropriada. O ideal seria encaminhar as crianças com suspeita de TEAF para uma clínica multidisciplinar "central" para avaliação e diagnóstico clínicos, com uma unidade de desenvolvimento infantil ou uma clínica de avaliação de TEAF formada especificamente para crianças expostas ao álcool no útero. A maioria dessas clínicas fica nos EUA ou Canadá. Embora estejam cada vez mais disponíveis em outras partes do mundo, muitas delas dependem de fundos para pesquisa e, assim, não conseguem se sustentar.[44]
Crianças com história de exposição pré-natal ao álcool, mas sem características físicas de TEAF, precisam de acompanhamento porque os problemas comportamentais, mentais e de aprendizagem associados talvez só fiquem evidentes na idade escolar.
Barreiras para o diagnóstico
Profissionais da saúde podem deixar de diagnosticar TEAF por vários motivos. Entre eles: falta de conhecimento sobre os efeitos do consumo de bebidas alcoólicas na gestação na criança não nascida, não perguntar sobre o consumo de bebidas alcoólicas na gestação e não conseguir identificar gestações "de risco".[51][52] Profissionais da saúde também podem ter conhecimento inadequado das características de diagnóstico e dos critérios de diagnóstico usados atualmente, e podem não ter confiança para realizar o manejo de TEAF, tendo inclusive dúvidas sobre processos de encaminhamento, serviços de diagnóstico e tratamento.[51][52] A hesitação quanto a falar sobre o diagnóstico com pais/tutores e o medo de estigmatizar a criança e a família também podem ser uma barreira.[51][52]
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