Abordagem

A abordagem de tratamento para pacientes com mielofibrose primária (MFP) é baseada em uma variedade de considerações, incluindo a presença de sintomas e fatores de risco.

A inclusão em um ensaio clínico deve ser considerada para todos os pacientes com MFP.

Os objetivos do tratamento incluem aliviar os sintomas, melhorar o hemograma e prevenir ou retardar a progressão para doença avançada ou leucemia. A esplenectomia ou a irradiação esplênica não são mais amplamente utilizadas no tratamento da MFP.

O transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas é o único tratamento com potencial de cura.

Avaliação de sintomas e estratificação de risco

A avaliação de sintomas e fatores de risco (para prognóstico e estratificação de risco) é fundamental para orientar o tratamento em pacientes com MFP.

Os sintomas e sua gravidade/carga devem ser avaliados no diagnóstico e a cada revisão clínica usando uma ferramenta validada, como o escore total de sintomas do Formulário de Avaliação de Sintomas de Neoplasia Mieloproliferativa (Myeloproliferative Neoplasm Symptom Assessment Form total symptom score [MPN-SAF TSS]).[39][42]​​​

Os seguintes escores de prognóstico validados podem ser usados para prognóstico e estratificação de risco:

  • International Prognostic Scoring System (IPSS)[43]

  • Dynamic International Prognostic Scoring System (DIPSS)[11]

  • Dynamic International Prognostic Scoring System-plus (DIPSS-plus)[44] [ Dynamic International Prognostic Scoring System-plus (DIPSS-plus) Opens in new window ]

  • Mutation-Enhanced International Prognostic Score System for Transplantation-Age Patients with Primary Myelofibrosis (MIPSS70)[45]

  • Mutation and Karyotype-Enhanced International Prognostic Scoring System for Primary Myelofibrosis (MIPSS70-plus)[13] [ Mutation and Karyotype-Enhanced International Prognostic Scoring System for Primary Myelofibrosis in adults 70 and younger (MIPSS70+ versão 2.0) Opens in new window ]

  • Genetically Inspired Prognostic Scoring System for Primary Myelofibrosis (GIPSS)[46] [ Genetically Inspired International Prognostic Scoring System (GIPSS) Opens in new window ]

O IPSS é validado para avaliação de risco e prognóstico apenas no momento do diagnóstico, enquanto o DIPSS é validado para avaliação de risco e prognóstico a qualquer momento durante a evolução da doença.

O DIPSS usa os seguintes fatores de risco para determinar se um paciente é de baixo risco (escore DIPSS 0), risco intermediário 1 (escore DIPSS 1 ou 2), risco intermediário 2 (escore DIPSS 3 ou 4) ou alto risco (escore DIPSS 5 ou 6):

  • Idade >65 anos

  • Hemoglobina <100 g/L (<10 g/dL)

  • Contagem leucocitária >25×10⁹/L

  • Blastos circulantes ≥1%

  • Sintomas constitucionais

O DIPSS-plus é uma versão modificada do DIPSS que incorpora os seguintes fatores de risco adicionais:

  • Contagem plaquetária

  • Necessidade de transfusão de eritrócitos

  • Anormalidades cromossômicas desfavoráveis

MIPSS70, MIPSS70-plus e GIPSS incorporam todas as mutações genéticas e devem ser usados se o teste molecular tiver sido realizado.

O Escore de Transplante para Mielofibrose (MTSS) pode ser útil na avaliação do risco ao considerar o transplante de células-tronco em um paciente com MFP.[47][48]

É digno de nota que um sistema alternativo de avaliação de risco, o Modelo de Prognóstico de Mielofibrose Secundária a PV e TE (MYSEC-PM), é usado para pacientes com mielofibrose pós-policitemia vera e mielofibrose pós-trombocitemia essencial.[34][49]​​

Menor risco: pacientes assintomáticos

Até 30% dos pacientes podem ser assintomáticos no momento do diagnóstico.[35]

Pacientes assintomáticos de baixo risco (por exemplo, escore DIPSS ≤2; escore MIPSS70 ≤3) sem hiperuricemia ou uma causa corretiva de anemia não necessitam de terapia. A observação é recomendada.[26][50]​​​

Uma tentativa com ácido fólico oral pode ser razoável para pacientes com anemia. O alopurinol pode ser administrado a pacientes com hiperuricemia.

Uma leucocitose assintomática com um nível de ácido úrico sérico normal ou trombocitose não requer terapia.

Menor risco: pacientes sintomáticos

Pacientes sintomáticos de baixo risco (por exemplo, escore DIPSS ≤2; escore MIPSS70 ≤3) podem necessitar de tratamento com um inibidor da Janus quinase (JAK) ou alfapeginterferona 2a.[26][50][51]

  • Ruxolitinibe: para o tratamento de esplenomegalia sintomática e sintomas constitucionais (por exemplo, devido a trombocitose ou leucocitose)

  • Interferona peguilada: para reduzir a fibrose medular e a esplenomegalia sintomática e melhorar a contagem sanguínea[52]

Os inibidores alternativos de JAK são úteis em circunstâncias específicas ou quando um paciente é resistente ou intolerante ao ruxolitinibe.[24][26][50]

  • Pacritinibe: um inibidor de JAK2 e da tirosina quinase 3 semelhante a FMS (FLT3); pode ser usado para pacientes com contagem plaquetária <50 × 10⁹/L.[53][54]

  • Momelotinibe: um inibidor de JAK1/2 e do receptor tipo 1 de ativina A (ACVR1); pode ser considerado para pacientes com anemia.[55][56][57]​​​

  • Fedratinibe: um inibidor de JAK2/FLT3; uma opção para pacientes com contagem plaquetária ≥50 × 10⁹/L e esplenomegalia.[58][59]​ Foram relatados casos graves e fatais de encefalopatia com fedratinibe.

A hidroxiureia geralmente não é útil no tratamento da MFP (embora às vezes seja usada para citorredução em caso de emergência). Deve ser considerada com cautela, pois é teratogênica e leucemogênica.

A avaliação para TCTH alogênico pode ser considerada para pacientes selecionados com MFP de baixo risco com escore DIPSS intermediário 1 ou escore MIPSS70 intermediário e fatores de risco adicionais. A morbidade e a mortalidade relacionadas com os transplantes são elevadas; as decisões devem ser individualizadas.

Alto risco: pacientes adequados para transplante de células-tronco

Pacientes de alto risco (por exemplo, com escore DIPSS >2; MIPSS70 >3) devem ser considerados para transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) alogênico, se elegíveis.[26][50]​​​

O TCTH alogênico é o único tratamento com potencial curativo para MFP.​[48][60]​​​​

Recomenda-se o monitoramento regular da mutação condutora pós-transplante para detectar e tratar recidivas precoces com infusão de linfócitos do doador.[48]

Serão necessários estudos prospectivos para estabelecer o esquema de condicionamento mais efetivo, o momento ideal para o transplante e quais pacientes mais se beneficiariam deste procedimento.

Identificação de candidatos ao TCTH

Os pacientes devem estar aptos o suficiente para serem submetidos ao procedimento (por exemplo, com base na idade e na capacidade funcional), ter comorbidades controláveis e ter um doador com antígeno leucocitário humano (HLA) compatível aceitável (doadores irmãos com HLA compatíveis são preferenciais).[48][50]​​​

Há relatos de taxas de sobrevida altas no transplante de células-tronco realizado em pacientes mais jovens (ou seja, <50 anos de idade) com um doador compatível aparentado.[60][61][62]

Em pacientes com mais de 70 anos, o TCTH alogênico deve ser considerado individualmente, equilibrando as preferências do paciente e as características associadas à doença e ao paciente.[48] Estudos relatam desfechos promissores para pacientes idosos com boa capacidade funcional após TCTH alogênico com um doador adequado.[63][64]

Inibidor da Janus quinase (JAK) pré-transplante

O tamanho maior do baço está associado a taxas mais altas de recidiva após o transplante. Pacientes candidatos ao TCTH alogênico com esplenomegalia sintomática ou esplenomegalia >5 cm abaixo da margem costal esquerda devem receber um inibidor de JAK para reduzir o tamanho do baço e controlar os sintomas antes do transplante.[48]

Os pacientes que já tomam um inibidor de JAK devem continuar o tratamento. A terapia com inibidor de JAK deve ser interrompida gradualmente antes ou logo após o início do condicionamento.[26][48]

Esquemas de condicionamento para TCTH

O condicionamento de intensidade reduzida e o condicionamento mieloablativo são opções para pacientes com mielofibrose. Um esquema de condicionamento não mieloablativo de intensidade reduzida é recomendado para pacientes idosos e pacientes com comorbidades significativas. Para pacientes mais jovens com boa capacidade funcional, um esquema de condicionamento mieloablativo deve ser considerado.[48][65]

Alto risco: pacientes não adequados para transplante de células-tronco

Pacientes de alto risco (por exemplo, com escore DIPSS >2; MIPSS70 >3) que não são adequados para transplante de células-tronco devem ser submetidos a tratamento para controlar a esplenomegalia sintomática e/ou os sintomas constitucionais (por exemplo, devido à trombocitose ou leucocitose).

A esplenomegalia é muito comum e, com frequência, a complicação mais desgastante da MFP, causando desconforto mecânico, inanição (fraqueza intensa e debilitante), infarto esplênico, hipertensão portal e pulmonar, e sequestro de células sanguíneas.

Pacientes com trombocitose (não gestante)

  • Ruxolitinibe: recomendado para controle de organomegalia e hemograma na MFP.[26][50] É aprovado para uso em pacientes de risco intermediário ou alto. O ruxolitinibe é eficaz na redução da esplenomegalia e dos sintomas constitucionais nesses pacientes.​[66][67][68][69][70]​​​ O início precoce pode melhorar os desfechos, incluindo a redução duradoura do baço e a sobrevida global.[71] O ruxolitinibe é administrado continuamente. Deve-se iniciar sua administração com uma dose baixa, com aumento gradual. Ao descontinuar ruxolitinibe (por exemplo, devido à falta de resposta), a dose deve ser reduzida para minimizar o risco de sintomas de abstinência, efeito rebote de leucocitose e trombocitose e tempestade de citocinas. Deve-se evitar a suspensão abrupta.

  • Fedratinibe: um inibidor de JAK2 e tirosina quinase 3 semelhante a FMS (FLT3), pode ser usado para controlar a organomegalia e as contagens sanguíneas na MFP.[26][50] É aprovado para uso em pacientes adultos com mielofibrose primária ou secundária de risco intermediário 2 ou alto (pós-policitemia vera ou pós-trombocitemia essencial). O fedratinibe é eficaz na redução da esplenomegalia e da carga de sintomas em pacientes com mielofibrose virgens de tratamento com inibidores de JAK ou resistentes ou intolerantes ao ruxolitinibe.[59][72]​ A encefalopatia de Wernicke foi relatada em pacientes recebendo fedratinibe.[73]​ Se houver suspeita de encefalopatia de Wernicke, o fedratinibe deve ser descontinuado imediatamente e a tiamina parenteral iniciada. O fedratinibe não deve ser usado em pacientes com deficiência de tiamina.

  • Momelotinibe: recomendado para pacientes sintomáticos com MFP (esplenomegalia e sintomas constitucionais) com anemia.[26][50][55][56][57]​ Foi aprovado para uso em pacientes com MFP de risco intermediário ou alto risco e anemia relacionada à doença. Momelotinibe pode ser considerado se ruxolitinibe ou outros inibidores de JAK forem ineficazes ou não tolerados.[26][50]

  • Pacritinibe: pode ser considerado se outros inibidores de JAK forem ineficazes ou não tolerados.[26][53]

Se o tratamento inicial não for bem-sucedido, deve-se considerar um inibidor de JAK alternativo e não tentado, ou a inclusão em um ensaio clínico.

Pacientes sem trombocitose (não gestante)

  • Pacritinibe: opção de escolha para pacientes de alto risco sem trombocitose.[26] É aprovado para o tratamento de MFP de risco intermediário ou alto em pacientes com contagem plaquetária <50 × 10⁹/L. O pacritinibe é eficaz na redução da esplenomegalia e da carga de sintomas em pacientes com mielofibrose (incluindo aqueles com citopenias graves).[54]

  • Momelotinibe: pode ser considerado como opção alternativa para pacientes de alto risco sem trombocitose.[26]

Se o tratamento inicial não for bem-sucedido, deve-se considerar um inibidor de JAK alternativo e não tentado, ou a inclusão em um ensaio clínico.

MFP de risco mais elevado refratária a agentes farmacológicos

Medidas não farmacológicas, como esplenectomia ou irradiação esplênica, não são mais amplamente utilizadas.

  • A esplenectomia pode ser uma opção se os agentes farmacológicos forem ineficazes em pacientes com esplenomegalia sintomática grave (por exemplo, com dor abdominal esplênica, hipertensão portal sintomática, transfusões frequentes de eritrócitos).[24][50][74]​​​​​​​ A esplenectomia também pode ser usada em alguns pacientes com esplenomegalia extrema antes do transplante.[50][74]​​​​ A esplenectomia é um procedimento de alto risco com complicações potenciais, como sangramento (o maior risco), trombose pós-operatória, infecção, hérnia abdominal e mieloproliferação de difícil controle com hepatomegalia; portanto, a decisão de realizar esplenectomia requer consideração cuidadosa. A esplenectomia para pacientes com MFP está associada a altas taxas de mortalidade e morbidade (aproximadamente 9% e 30%, respectivamente) com benefício limitado de sobrevida.[24][75]​​

  • A irradiação esplênica (por exemplo, com radioterapia por feixe externo) pode ser efetiva para aliviar a dor esplênica e reduzir temporariamente o tamanho do baço.[76][77]​ No entanto, seu uso deve ser restrito a pacientes inadequados para esplenectomia porque há um risco imprevisível de citopenias graves.

Pacientes gestantes

A MFP na gravidez é rara. Pacientes que engravidam devem estar sob os cuidados conjuntos de um hematologista e de um obstetra com experiência em cuidados de alto risco. O tratamento deve ser individualizado.

  • A alfapeginterferona 2a pode ser considerada para pacientes gestantes com MFP. O uso pode ser limitado por sua indução de leucopenia ou trombocitopenia, mas ela pode reduzir a esplenomegalia. Faltam dados sobre a utilização de alfapeginterferona 2a na gravidez; deve ser usada somente se os benefícios superarem o risco potencial para o feto.[26]

  • Inibidores de JAK, hidroxiureia e talidomida são contraindicados na gravidez.

Pacientes de alto risco: tratamentos adjuvantes

A transfusão pode ser necessária para alívio sintomático de curto prazo e, ao mesmo tempo, otimizar o tratamento.

Pacientes com anemia

  • A anemia associada à MFP pode ser tratada com terapia com eritropoetina recombinante se os níveis séricos de eritropoetina (EPO) <500 mU/mL.[26][78]​​ A terapia com eritropoetina é eficaz e bem tolerada quando usada em combinação com ruxolitinibe.[79] No entanto, pode causar um aumento reversível da esplenomegalia ou hepatomegalia. Os pacientes com maior probabilidade de responder são aqueles com baixa necessidade de transfusão.[80]

  • Danazol ou luspatercept podem ser considerados se os níveis séricos de EPO forem ≥500 mU/mL.[26][81]​​​​[82][83]​​ Danazol e luspatercept são contraindicados na gravidez.

  • Outras opções podem incluir agentes imunomoduladores (talidomida ou lenalidomida) com ou sem prednisolona.[26]

Pacientes com hiperuricemia

  • O alopurinol é administrado a pacientes com hiperuricemia.

  • Em gestantes, o alopurinol deve ser considerado se o benefício do tratamento da hiperuricemia superar o risco de hiperuricemia para a mãe e a criança, e se não houver outras alternativas seguras disponíveis.

Pacientes com hematopoese extramedular

  • A irradiação local é apropriada para o manejo de pacientes não gestantes com hematopoese extramedular sintomática em tecidos e órgãos que não o baço.[24]

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