Etiologia

A causa da mielofibrose primária (MFP) é desconhecida e um marcador clonal específico não foi identificado. Fatores ambientais e genéticos podem estar envolvidos no desenvolvimento da MFP. Entretanto, na maioria dos pacientes com MFP, nenhum fator de risco comum específico é identificado.

Fatores ambientais

Uma alta incidência de MFP foi relatada em pacientes expostos ao meio de contraste radiográfico à base de dióxido de tório (usado em diagnósticos de raios-X nas décadas de 1930 a 1950) e em sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima.[7][8]​ A MFP foi observada em 15 a 20 vezes a taxa de incidência esperada em sobreviventes de Hiroshima (em média 6 anos após o incidente).[8]

Benzeno, tolueno e vários outros solventes aromáticos têm sido associados a neoplasias malignas hematológicas, inclusive a MFP.[9]

Fatores genéticos

Anormalidades cromossômicas com significado prognóstico estão presentes em 35% a 50% dos pacientes com MFP.[10] Estes incluem anormalidades citogenéticas envolvendo os cromossomos 13 (del.13q), 20 (del.20q), +8 (trissomia do 8), 1, 5 (-5/del5q), 7 (-7/del7q), +9 (trissomia do 9), 12 (del12p) e 17.[10] Apenas +9, del.13q, del.20q e citogenética normal têm o prognóstico mais favorável; mutações isoladas +8, 5, 7, 12, 17 e mutações complexas têm um prognóstico distintamente mais desfavorável.[10][11][12][13]

As mutações condutoras somáticas no gene da Janus quinase 2 (JAK2), no oncogene do vírus da leucemia mieloproliferativa (MPL) ou no gene da calreticulina (CALR) estão comumente presentes em pacientes com MFP e outras neoplasias mieloproliferativas (NMPs, por exemplo, policitemia vera, trombocitemia essencial).[14][15]​​ A expressão da mutação condutora para NMP não é mutuamente exclusiva, mas os pacientes geralmente têm apenas uma mutação condutora que é clonalmente dominante. Pode haver uma predileção familiar ou de linha germinativa para a aquisição de mutações condutoras para NMP, mas isso está sujeito a investigação.[16][17]

A mutação V617F no gene JAK2 (localizado no cromossomo 9p) foi identificada em aproximadamente 58% dos pacientes com MFP.[14][15]​ A mutação JAK2 V617F causa um aumento na produção de leucócitos e plaquetas normais em muitos pacientes com MFP, mas em alguns pacientes a hematopoiese está deprimida.

Mutações no gene MPL (no cromossomo 1p) foram identificadas em aproximadamente 8% dos pacientes com FMP.[14][15]​ As mutações W515L/K/A são as mutações em MPL relatadas com mais frequência na MFP.[10][18]​​ As mutações em MPL podem fazer com que as células sanguíneas anormais cresçam e proliferem incontrolavelmente.

Pacientes com MFP com uma mutação em MPL têm níveis mais baixos de hemoglobina, contagens plaquetárias mais altas e menor celularidade da medula óssea em comparação com seus homólogos positivos para mutação V617F em JAK2. No entanto, a sobrevida não difere muito entre aqueles com mutações em MPL e aqueles com mutações em JAK2.

Mutações no gene CALR (no cromossomo 19) foram identificadas em aproximadamente 25% dos pacientes com MFP.[15] Mutações em CALR estão associadas à melhora da sobrevida global em comparação com as mutações JAK2 V617F ou MPL W515.[19] Mutações em CALR do tipo 1 (deleção de 52 pb) são mais comuns e têm um impacto mais favorável no prognóstico do que mutações em CALR do tipo 2 (inserção de 5 pb) na MFP.[20][21]​​

O gene CALR codifica uma proteína multifuncional envolvida no dobramento de proteínas e na homeostase do cálcio.[15][22]​​ A CALR mutante serve como chaperona para o receptor de trombopoetina, MPL, causando sua ativação.[23] Mutações em CALR (inserções ou deleções) ocorrem no exon 9 e causam uma fase de leitura de par de base única.

Aproximadamente 10% dos pacientes com MFP são negativos para mutações em JAK2, CALR e MPL (ou seja, triplo negativo); portanto, a ausência dessas mutações condutoras para NMP não descarta o diagnóstico.[24] Alguns pacientes triplo-negativos podem apresentar mutações incomuns no MPL.[25]​ O status de mutação triplo-negativo está associado a um prognóstico mais desfavorável em pacientes com MFP.[19][26]

Outras mutações genéticas não condutoras potencialmente modificadoras da doença são encontradas em pacientes com MFP, incluindo ASXL1, EZH2, SRSF2, TP53, IDH1, IDH2 e U2AF1. Estas são consideradas mutações de alto risco molecular, associadas a uma menor sobrevida global e livre de leucemia.[26][27]

Fisiopatologia

A mielofibrose primária (MFP) é um distúrbio clonal de células-tronco hematopoiéticas com origem em uma célula progenitora hematopoiética multipotente.[28] A MFP é caracterizada por hiperplasia de megacariócitos morfologicamente anormais na medula óssea em associação com fibrose da medula óssea, osteosclerose, angiogênese medular, hematopoiese extramedular, esplenomegalia e leucoeritroblastose.

A fibrose da medula óssea na MFP é considerada um processo reativo secundário.[29] O clone maligno estimula os fibroblastos da medula a proliferar e depositar reticulina e fibras colágenas na medula óssea.[28][29]​​[30] A condensação das fibras reticulinas intersticiais resulta na formação de feixes espessos, contínuos e ondulados de fibras reticulinas na medula óssea. As fibras de colágeno da membrana basal sinusoidal se tornam contínuas, causando dilatação e obliteração sinusoidais com uma neovascularização capilar associada.

Hiperplasia megacariocítica, displasia e agrupamentos são aspectos característicos da MFP. Essas células liberam citocinas fibrogênicas (por exemplo, fator de crescimento derivado de plaquetas e fatores de crescimento transformadores) que promovem a proliferação de fibroblastos da medula e inibem a colagenase.[29] Fatores transformadores de crescimento (por exemplo, TGF beta) promovem a síntese de osteoprotegerina, que prejudica a proliferação de osteoclastos e promove a osteosclerose. Níveis aumentados de trombopoietina na MFP também desempenham um papel na promoção da fibrose da medula óssea.[31][32]

Embora a fibrose da medula óssea seja uma característica diagnóstica importante da MFP, é o clone de células-tronco hematopoiéticas malignas que prejudica a hematopoiese e subsequentemente causa anemia, hematopoiese extramedular e esplenomegalia. A esplenomegalia também contribui para a anemia devido ao sequestro de eritrócitos e hemodiluição. A deficiência de folato (devido ao aumento do consumo de folato em decorrência da mieloproliferação crônica) pode contribuir para a anemia.

O aumento da angiogênese medular é observado com frequência na MFP. Isso é causado pela produção anormal de citocinas angiogênicas (de megacariócitos disfuncionais), dilatação sinusoidal da medula e hematopoiese intravascular.[28] O aumento da angiogênese parece ser uma característica inicial da MFP e se correlaciona melhor com o aumento da celularidade da medula do que com a fibrose da medula.[33]

Classificação

A 5ª edição da classificação de tumores hematolinfoides da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Classificação de Consenso Internacional (ICC) de mielofibrose primária[2]​​[3]

A mielofibrose primária (MFP) é dividida nas duas subclassificações a seguir (sob a classificação principal de neoplasias mieloproliferativas):

  • MFP pré-fibrótica/estágio inicial (pré-MFP)

  • MFP em estágio fibrótico evidente

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